Transcendência do recurso de revista: as decisões do TST e o devido processo legal
1. Introdução
A Medida Provisória nº 2.226/2001 introduziu o art. 896-A na CLT, dispositivo que passou a dispor que “O Tribunal Superior do Trabalho, no recurso de revista, examinará previamente se a causa oferece transcendência com relação aos reflexos gerais de natureza econômica, política, social ou jurídica.”
Em sua redação original, o art. 2º da Medida Provisória dispunha que caberia ao Tribunal Superior do Trabalho regulamentar, em seu regimento interno, o processamento da transcendência do recurso de revista.
Ocorre que, ao longo de 16 anos a partir da vigência da referida norma, o Tribunal Superior do Trabalho não procedeu com a alteração de seu regimento interno para fins de regulamentar a transcendência como requisito de admissibilidade do recurso de revista, de modo que nesse período o instituto não alcançou eficácia.
No silêncio da Corte Superior Trabalhista, em 2017 houve por bem o próprio legislador prever em lei ordinária as normas necessárias à aplicação da transcendência, excluindo a necessidade de regulamentação em regimento interno prevista na redação original da Medida Provisória.
Tal alteração legislativa foi implementada pela Lei nº 13.467/17 (Reforma Trabalhista), a qual introduziu os parágrafos 1º a 6º no art. 896-A da CLT e conferiu plena eficácia à transcendência, estabelecendo parâmetros para a aferição da transcendência econômica, política, social ou jurídica e fixando normas para a análise desse pressuposto de admissibilidade no processamento dos recursos de revista.
Cuidando-se de pressuposto processual válida e legitimamente introduzido na legislação processual trabalhista por meio de lei ordinária, agora com eficácia que prescinde de regulamentação infralegal, não há mais espaço para discutir a aplicabilidade ou não do requisito da transcendência ou a conveniência de sua aplicação prática pelo Tribunal Superior do Trabalho.
Todavia, ainda há espaço para o estudo das novas normas que disciplinam a transcendência, de modo a definir os seus limites de aplicação e repercussões práticas, bem como para a análise crítica dos julgamentos já proferidos pelo Tribunal Superior do Trabalho na análise desse pressuposto recursal.
Com efeito, o presente ensaio tem por objetivo analisar, à luz da garantia fundamental do devido processo legal, as decisões monocráticas e colegiadas do TST que obstam o processamento dos recursos de revista pela falta de transcendência, de modo a verificar se essas decisões têm respeitado os limites impostos pelas legislação vigente.
A análise ficará centrada, nesta oportunidade, na relação e na ordem de apreciação entre a transcendência e os demais pressupostos de admissibilidade do recurso de revista e nos possíveis prejuízos processuais decorrentes das decisões que confundem esses pressupostos ou invertem sua ordem de análise.
2. Razoável duração do processo versus devido processo legal
Não há dúvidas de que é positiva e contribui para a concretização da garantia de razoável duração do processo (art. 5º, LXXVIII, da CF) toda alteração legislativa que obste a utilização procrastinatória de recursos e contribua para restringir o acesso à instância extraordinária trabalhista aos casos que efetivamente demandem a uniformização na interpretação do direito do trabalho ou a garantia de aplicação dos entendimentos já uniformizados, binômio que descreve a finalidade precípua do Tribunal Superior do Trabalho (CARVALHO, 2017).
Nessa ordem de idéias, analisando-se abstratamente a alteração legislativa implementada pela Reforma Trabalhista quanto ao pressuposto recursal da transcendência, impõe-se concluir que ela contribui positivamente para a finalidade de conferir celeridade ao processo judicial trabalhista, na medida em que evita o acesso de recursos à instância superior que não atendem à referida finalidade da Corte Superior.
Todavia, as restrições aos direitos e garantias processuais das partes, ainda que tenham por objetivo concretizar a razoável duração do processo, somente são válidas quando previstas em lei, não cabendo ao intérprete ou ao Poder Judiciário limitar o direito de as partes litigantes interporem os recursos cabíveis sem fundamento legal para tanto ou em descompasso com a legislação vigente, sob pena de ofensa à garantia fundamental do devido processo legal (art. 5º, LIV, da CF).
Com efeito, o devido processo legal constitui óbice para que o Poder Judiciário lance mão de ilações ou interpretações que, sob o argumento de revelarem o sentido ou a finalidade da lei, terminam por impor restrições aos direitos e garantias processuais das partes sem que exista previsão legal para tanto, ou ainda em total descompasso com a letra expressa da lei.
Cabe analisar se, na prática, as decisões já proferidas pelo TST na aplicação da transcendência como óbice ao trânsito dos recursos de revista e respectivos agravos de instrumento vêm respeitando os limites da legalidade e, por conseguinte, o devido processo legal, ou se a Corte Superior Trabalhista, com vistas à celeridade processual, vem dando à transcendência interpretação mais extensa do que a lei permite.
3. As decisões do TST sobre a transcendência
O Tribunal Superior do Trabalho vem apresentando divergências internas quanto à interpretação das disposições legais que disciplinam a transcendência como óbice ao processamento dos recursos de revista, notadamente no que diz respeito à ordem de apreciação e à relação com os demais pressupostos de admissibilidade.
Parte das Turmas e Ministros Relatores no Tribunal Superior do Trabalho, por decisões monocráticas ou mediante julgamentos colegiados, vem decidindo no sentido de impor o óbice da falta de transcendência em casos nos quais, pela estrita aplicação da lei, seria impositivo reconhecer o preenchimento desse pressuposto processual.
É o que se tem verificado quando o recurso de revista não preenche outro pressuposto de admissibilidade estranho à transcendência, a exemplo de irregularidade de representação[1], prequestionamento (Súmula 297 do TST)[2], dialeticidade (Súmula nº 422 do TST)[3] ou não pretensão de reexame de fatos e provas (Súmula 126 do TST)[4].
Nessa esteira, oportuno citar precedente da 5ª Turma do TST que delineia o entendimento adotado nas decisões dessa espécie:
“A maioria das Turmas desta Corte vem se posicionando no sentido de que existência de obstáculo processual apto a inviabilizar o exame da matéria de fundo veiculada, como no caso, acaba por evidenciar, em última análise, a própria ausência de transcendência do recurso de revista, em qualquer das suas modalidades. Isso porque não se justificaria a intervenção desta Corte superior a fim de examinar feito no qual não se estaria: a) prevenindo desrespeito à sua jurisprudência consolidada (transcendência política); b) fixando tese sobre questão nova em torno da interpretação da legislação trabalhista (transcendência jurídica); c) revendo valor excessivo de condenação, apto a ensejar o comprometimento da higidez financeira da empresa demandada ou de determinada categoria profissional (transcendência econômica); d) acolhendo pretensão recursal obreira que diga respeito a direito social assegurado na Constituição Federal, com plausibilidade na alegada ofensa a dispositivo nela contido (transcendência social). Precedentes de 5 Turmas do TST.” (Ag-RR-21939-22.2014.5.04.0030, 5ª Turma, Relator Ministro Breno Medeiros, DEJT 06/09/2019)
Por outro lado, existem Turmas e Ministros Relatores que, nesse ponto, analisam previamente a existência ou não de transcendência à luz dos parâmetros fixados no art. 896-A, § 1º, da CLT e, depois de concluir pelo preenchimento desse pressuposto, passam à análise dos demais requisitos de admissibilidade do recurso de revista.
Cito o seguinte julgado da 3ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho que bem ilustra essa segunda linha decisória:
“Contudo, embora seja imperativo se reconhecer a transcendência social da matéria, nos termos do art. 896-A, § 1º, III, da CLT, o apelo não alcança processamento. Isso porque se infere do trecho transcrito pela parte que o Tribunal Regional decidiu com base nos elementos instrutórios dos autos, concluindo pela desnecessidade de produção da prova testemunhal pretendida, porquanto a prova pericial foi suficiente para a formação do convencimento do julgador. Nesse passo, a verificação dos argumentos do agravante, com eventual reforma da decisão, importaria o reexame de fatos e provas, o que é defeso neste momento processual, à luz da Súmula 126 do TST, circunstância que impede a constatação de violação dos preceitos de lei e da Constituição Federal invocados, bem como de contrariedade aos verbetes sumulares transcritos. Agravo de instrumento conhecido e desprovido. (AIRR-11588-32.2016.5.15.0056, 3ª Turma, Relator Ministro Alexandre de Souza Agra Belmonte, DEJT 07/01/2020)
Por fim, existem ainda as decisões que analisam primeiro se o recurso de revista preenche todos os requisitos de admissibilidade e, constatando a ausência de algum deles, julga prejudicada a análise da transcendência, sem chegar a analisar expressamente se o recurso apresenta ou não transcendência.
Segue, a título de exemplo, julgado nesse sentido, proferido pela 6ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho:
"Prejudicada a análise de transcendência, por qualquer dos critérios, na medida em que o apelo do recorrente esbarra no óbice das Súmulas 221 do TST. O recorrente não indica expressamente qual o dispositivo da Lei 8.880/94 foi violado, bem como aponta arestos de turmas do TST, em manifesta desconformidade com o art. 896, c , da CLT , e inadequação do recurso interposto. Agravo de instrumento não provido " (AIRR-12155-04.2016.5.15.0011, 6ª Turma, Relator Ministro Augusto César Leite de Carvalho, DEJT 24/05/2019).
Assim resumidas as principais linhas decisórias adotadas pelo TST na análise da transcendência em relação aos demais pressupostos de admissibilidade do recurso de revista, cumpre analisar os parâmetros legais que regem a matéria, possíveis prejuízos processuais decorrentes de cada um desses entendimentos e qual deles melhor atende ao devido processo legal.
4. Os parâmetros legais para a análise da transcendência pelo TST
Para fixar os fatores que indicam a existência de transcendência no recurso de revista, de modo a tentar definir o alcance do que se deve entender por transcendência econômica, política, social ou jurídica, a Lei nº 13.467/17 acrescentou o § 1º no art. 896-A da CLT, com a seguinte redação:
§ 1º São indicadores de transcendência, entre outros:
I - econômica, o elevado valor da causa;
II - política, o desrespeito da instância recorrida à jurisprudência sumulada do Tribunal Superior do Trabalho ou do Supremo Tribunal Federal;
III - social, a postulação, por reclamante-recorrente, de direito social constitucionalmente assegurado;
IV - jurídica, a existência de questão nova em torno da interpretação da legislação trabalhista.
O dispositivo transcrito acima demonstra que o legislador optou por não oferecer conceito geral sobre o que se entende por transcendência, mas por enumerar em um rol exemplificativo (expressão “entre outros”) as hipóteses em que o recurso de revista oferece transcendência econômica, política, social e jurídica.
Nota-se, pois, que a legislação processual trabalhista não traz, quanto à transcendência diretriz geral semelhante àquela existente no processo civil quanto à repercussão geral (art. 1.035, § 1º, do CPC[5]), vinculando a sua verificação à existência de questão que ultrapasse os interesses subjetivos do processos (CÔRTES, 2017).
Tampouco trouxe a lei autorização expressa para que o TST, com base na aplicação da transcendência, faça uma escolha totalmente subjetiva e discricionária dos recursos que terão o mérito apreciado em face da relevância da matéria discutida. Em que pese o entendimento de parte da doutrina no sentindo de que essa seria a finalidade da transcendência (MARTINS FILHO, 2018), não foi ela expressamente contemplada pela lei.
O que está previsto na lei é a determinação de análise prévia da transcendência pelo Tribunal Superior do Trabalho, autorizando o seu reconhecimento sempre quando na apreciação do recurso de revista a Corte Superior Trabalhista verificar preliminarmente que está presente uma das hipóteses do art. 896-A, § 1º, da CLT.
A partir de então, superado o óbice da transcendência, torna-se possível prosseguir na análise dos demais requisitos de admissibilidade do recurso de revista, o que pode resultar no seu não conhecimento, pela incidência de outro óbice processual, ou no seu conhecimento e provimento, quando preenchidos todos os demais requisitos legais.
Em que pese esses requisitos de admissibilidade permaneçam vigentes e continuem a ser essenciais ao processamento do recurso de revista, carece de amparo legal qualquer interpretação que os confunda com a transcendência, devendo sua análise ser levada a efeito quando já ultrapassada a análise prévia da transcendência com observância dos limites e parâmetros legais.
Em outras palavras, somente seria possível dizer que falta transcendência ao recurso de revista com representação irregular ou que não obedece a Súmula nº 297 do TST se a lei assim expressamente dispusesse. Todavia, previsão nesse sentido não foi introduzida na legislação processual, uma vez que o art. 896-A, § 1º, da CLT fixou parâmetros para análise da transcendência que não passam pelo preenchimento dos demais pressupostos de admissibilidade do recurso de revista.
Tampouco se pode dizer que a lei autorizaria tal interpretação por aplicação extensiva das normas fixadas pela Lei 13.467/17 mediante adoção da premissa de que haveria coincidência substancial entre a falta de transcendência e a falta de preenchimento de outro requisito de admissibilidade.
É possível pensar, por exemplo, no caso em que o recurso de revista foi interposto em demanda trabalhista com valor da causa no importe de R$1.000.000,00, mas a análise da matéria jurídica objeto do recurso depende de premissa fática não registrada no acórdão recorrido, atraindo o óbice da Súmula nº 126 do TST.
Não há dúvidas de que, pelo elevado valor da causa, estaria preenchido o requisito da transcendência econômica (art. 896-A, § 1º, I, da CLT). O conhecimento do recurso de revista, contudo, esbarraria na ausência de outro óbice, qual seja, a impossibilidade e reexame de fatos e provas, conforme Súmula nº 126 do TST.
A partir desse exemplo, torna-se cristalino que não há coincidência substancial entre a falta de transcendência e o óbice da Súmula nº 126 do TST, uma vez que a lei autoriza o reconhecimento da transcendência econômica, não obstante a incidência da referida Súmula. A decisão que, de forma monocrática ou colegiada, deixa de conhecer a transcendência econômica nesse caso, não observa o art. 896-A, § 1º, I, da CLT.
Na esteira do exemplo citado, sempre quando a decisão, apesar de configurada uma das hipóteses do art. 896-A, § 1º, da CLT, deixa de reconhecer a transcendência porque ausente outro pressuposto de admissibilidade, ofende as normas processuais previstas no citado dispositivo legal.
Além disso, o caput do art. 896-A da CLT, com redação vigente desde a MP 2.226/01, determina a análise prévia da transcendência do recurso de revista. Tal determinação orienta exatamente no sentido de que primeiro deve ser analisada a transcendência, de modo a verificar se a parte logra demonstrar o enquadramento do recurso de revista em uma das hipóteses do art. 896-A, § 1º, da CLT e, depois, prossegue-se na análise dos demais pressupostos de admissibilidade.
Contudo, se a título de analisar o preenchimento da transcendência, as decisões têm verificado primeiro se o recurso de revista preenche todos os demais pressupostos de admissibilidade, para depois concluir pela falta de transcendência nos casos em que ausente qualquer outro desses demais pressupostos, assim o fazem em descompasso com a citada norma.
Aliás, se a norma do art. 896-A, caput, determina análise prévia da transcendência em relação aos demais pressupostos, assim o faz justamente porque não se confundem uns com os outros. Todavia, parte das decisões do TST vem invertendo essa ordem de análise e confundindo os demais pressupostos com a transcendência, em clara afronta ao caput do art. 896-A.
Até se afigura razoável, como medida de economia processual, a inversão na análise dos demais pressupostos de admissibilidade em relação à transcendência, quando se julga prejudicada esta última. Isso porque, nesse caso, a existência ou não de transcendência não chega a ser analisada e as razões práticas voltadas para a eficiência processual não trazem prejuízos aos direitos e garantias processuais das partes.
Diferentemente, quando a decisão analisa primeiro os demais pressupostos de admissibilidade do recurso de revista e, ausente algum deles, não julga prejudicada a transcendência, mas conclui pela inexistência deste último pressuposto, há prejuízo processual à parte recorrente, conforme será demonstrado em tópico a seguir.
E não é só. As decisões do TST que, na análise da transcendência, reputam-na ausente em face de outro óbice ao trânsito do recurso de revista, vêm apontando no sentido de uma interpretação mais restritiva do que aquela oferecida pela própria lei para a aplicação desse pressuposto recursal, na medida em que consideram a falta de transcendência em casos nos quais a letra expressa da lei autoriza o seu reconhecimento.
Ocorre que a própria lei 13.467/17, no art. 896-A, § 1º, da CLT, ao delinear os parâmetros de análise da transcendência com base em um rol exemplificativo (expressão “entre outros”), traz diretriz interpretativa em sentido oposto, ou seja, no sentido de ampliar as hipóteses de transcendência para além daquelas expressamente previstas na lei[6].
5. A análise equivocada da transcendência e a irrecorribilidade das decisões
A crítica ora proposta em face das decisões que concluem pela falta de transcendência quando ausente outro pressuposto de admissibilidade não é meramente acadêmica e abstrata, trazendo prejuízos processuais concretos para a parte que tem o seu recurso de revista obstado nesses casos.
Isso porque a Lei 13.467/17, nos §§ 4º e 5º acrescentados ao art. 896-A da CLT, fixou critérios de recorribilidade mais restritivos em face das decisões que negam trânsito ao recurso de revista ou ao agravo de instrumento pelo critério da transcendência, quando comparados esses critérios àqueles previstos para as decisões que negam trânsito aos apelos com fundamento em outros pressupostos de admissibilidade.
Com efeito, no tocante às decisões que reputam ausente a transcendência, o § 4º estabelece que são irrecorríveis no âmbito do TST as decisões colegiadas proferidas em sede de recurso de revista, ao passo que o § 5º estabelece que são irrecorríveis, para qualquer instância, as decisões monocráticas proferidas em sede de agravo de instrumento em recurso de revista.
Ou seja, no mesmo exemplo citado acima, se o recurso de revista não fosse conhecido pela Turma por incidência da Súmula 126 do TST, seria possível, em tese, o reexame da decisão da Turma pela Subseção 1 de Dissídios Individuais do TST mediante interposição do recurso de embargos previsto no art. 894 da CLT[7].
Já se o mesmo recurso de revista tivesse o trânsito incorretamente negado por suposta ausência de transcendência, da decisão da Turma não seria cabível o recurso de embargos à SBDI-1 para verificar a correção ou não do óbice imposto, ante o disposto no art. 896-A, § 4º, da CLT.
No que tange às decisões monocráticas proferidas pelos Ministros Relatores nos agravos de instrumento em recurso de revista, as diferenças quanto ao alcance da irrecorribilidade são ainda mais profundas.
Se proferida decisão monocrática pelo relator negando seguimento ao agravo de instrumento porque o recurso de revista esbarra no óbice da Súmula nº 126 do TST, dessa decisão caberia recurso de agravo para a Turma, no qual a parte poderia submeter ao colegiado o reexame do óbice imposto.
Se, por outro lado, a decisão monocrática estivesse incorretamente fundada na ausência de transcendência, daí não caberia recurso algum, retirando-se da parte qualquer possibilidade de obter um pronunciamento colegiado do Tribunal Superior do Trabalho, ante o disposto no art. 896-A, § 5º, da CLT[8].
Diante disso, as reiteradas decisões em descompasso com a lei, no sentido de aplicar o óbice da falta de transcendência quando, na verdade, a hipótese seria de incidência de outro óbice processual, terminam por criar hipóteses de irrecorribilidade, sem nenhum amparo legal para tanto.
Vale salientar que, no tocante aos agravos de instrumento obstados monocraticamente com equivocado fundamento na falta de transcendência, a irrecorribilidade prevista na lei vem tolhendo as partes de qualquer possibilidade de correção de erros na análise dos pressupostos de admissibilidade extrínsecos e intrínsecos dos recursos de revista (CARNEIRO, 2018).
As estatísticas divulgadas pelo TST, todavia, demonstram não ser desprezível o percentual de agravos internos providos pelas Turmas, ou seja, nos quais se reconhecem equívocos das decisões monocráticas dos Relatores, a ponto de justificar a supressão de tal instância recursal pela incorreta aplicação da transcendência para fins de privilegiar a celeridade na tramitação processual.
O relatório estatístico “Movimentação Processual dos Gabinetes” divulgado pelo TST em relação ao ano de 2018 registra que foi de 19,4% o percentual de recursos internos providos pelas Turmas, aí incluídos agravos, agravos regimentais e embargos de declaração[9].
O mesmo relatório, referente ao ano de 2019, demonstra que o referido percentual foi ainda de 12,6%, sendo de 9,2% o percentual de provimento apenas em relação aos agravos, do que se constata que foi verificada a existência de algum equívoco em aproximadamente uma a cada dez decisões monocráticas proferidas pelos relatores[10].
Por fim, é importante ter em mente a norma do art. 896, § 12, da CLT[11] fixa regra geral no sentido da recorribilidade das decisões monocráticas denegatórias de recursos mediante recurso de agravo.
A irrecorribilidade prevista no art. 896-A, § 5º, da CLT é regra especial que somente afasta a incidência da regra geral nos casos em que, efetiva e substancialmente, a decisão denegatória do relator tenha por fundamento a ausência de transcendência.
Não é isso o que se verifica nos casos que, apesar de formalmente fundada na falta de transcendência, substancialmente a decisão monocrática que denega seguimento ao recurso tem por fundamento a ausência de outro pressuposto recursal.
6. Conclusão
As decisões monocráticas e colegiadas do Tribunal Superior do Trabalho, no sentido de obstar o trânsito dos recursos de revista e respectivos agravos de instrumento pela falta de transcendência, são divergentes quanto à ordem de análise desse pressuposto de admissibilidade e sua relação com os demais pressupostos necessários ao conhecimento do recurso de revista.
A primeira corrente decisória entende pela ausência de transcendência quando se constata o não preenchimento de outros pressupostos de admissibilidade, a segunda analisa a transcendência à luz dos parâmetros do art. 896-A, § 1º, da CLT e depois prossegue na análise dos demais pressupostos e, a terceira, reputa prejudicada a análise da transcendência quando ausente algum dos demais pressupostos.
Nesse contexto, as decisões que entendem pela falta de transcendência quando ausentes outros pressupostos de admissibilidade relevam-se em descompasso com as normas dos arts. 896-A, caput e § 1º, da CLT e, consequentemente, com a garantia do devido processo legal, na medida em que invertem a ordem de análise desse requisito e aplicam o óbice respectivo em hipóteses não autorizadas pela lei.
Além disso, essas decisões trazem prejuízo processual às partes litigantes, uma vez que terminam por fazer incidir sobre recursos que não alcançam êxito pela falta de outros pressupostos de admissibilidade as irrecorribilidades previstas no art. 896-A, §§ 4º e 5º, da CLT especificamente para os recursos não conhecidos ou que têm seguimento denegado pela falta de transcendência.
Em sentido diverso, as decisões que analisam a transcendência em estrita consonância com as hipóteses do art. 896-A, § 1º, da CLT e, depois prosseguem na análise dos demais pressupostos de admissibilidade do recurso de revista, relevam-se adequadas aos ditames legais que regem a matéria, em observância ao devido processo legal e com respeito aos direitos e garantias processuais das partes.
7. Referências bibliográficas
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TEIXEIRA FILHO, Manoel Antônio. O Processo do trabalho e a reforma trabalhista. 2. ed. São Paulo: LTr, 2018., p. 382-399.
[1] "O apelo não logra ultrapassar o seu próprio conhecimento, haja vista a existência de vício formal intransponível, qual seja, irregularidade de representação processual, logo, carece de transcendência para ser analisado, uma vez que sequer possibilita o exame do mérito da controvérsia " (RR-191-88.2016.5.08.0114, 8ª Turma, Relator Ministro Márcio Eurico Vitral Amaro, DEJT 29/06/2018).
[2] “Nesse contexto, a incidência do óbice da Súmula 297 é suficiente para afastar a transcendência da causa, uma vez que inviabilizará a aferição da existência de eventual questão controvertida no recurso de revista, e, por conseguinte, não serão produzidos os reflexos gerais, nos termos previstos no § 1º do artigo 896-A da CLT." (AIRR-100698-75.2016.5.01.0462, 4ª Turma, Relator Ministro Guilherme Augusto Caputo Bastos, DEJT 13/12/2019)
[3] "Ao assim proceder, revela-se desfundamentado o seu apelo. Aplicação da Súmula nº 422, I, e do artigo 896, § 1º-A, da CLT. Nesse contexto, a incidência do aludido óbice processual é suficiente para afastar a transcendência da causa , uma vez que inviabilizará a aferição da existência de eventual questão controvertida no recurso de revista, e, por conseguinte, não serão produzidos os reflexos gerais, nos ermos previstos no § 1º do artigo 896-A da CLT. Agravo de instrumento de que não se conhece". (AIRR-101431-58.2016.5.01.0036, 4ª Turma, Relator Ministro Guilherme Augusto Caputo Bastos, DEJT 22/11/2019).
[4] "Examinando as razões recursais, constata-se que o recurso de revista não detém transcendência com relação aos reflexos gerais de natureza econômica, política, social ou jurídica, já que as pretensões da parte possuem nítidos contornos de revolvimento do acervo fático-probatório, atraindo o óbice da Súmula nº 126/TST .” (ARR-11628-72.2014.5.15.0027, 3ª Turma, Relator Ministro Alexandre de Souza Agra Belmonte, DEJT 07/01/2020).
[5] “Art. 1.035. O Supremo Tribunal Federal, em decisão irrecorrível, não conhecerá do recurso extraordinário quando a questão constitucional nele versada não tiver repercussão geral, nos termos deste artigo.
§ 1º Para efeito de repercussão geral, será considerada a existência ou não de questões relevantes do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico que ultrapassem os interesses subjetivos do processo.”
[6] “Deve ser reconhecida a transcendência na forma autorizada pelo art. 896-A, § 1º, caput, parte final, da CLT (critério "e outros") quando se mostra aconselhável o exame mais detido da controvérsia devido às peculiaridades do caso concreto. O enfoque exegético da aferição dos indicadores de transcendência em princípio deve ser positivo, especialmente nos casos de alguma complexidade, em que se torna aconselhável o debate da matéria no âmbito próprio do conhecimento, e não no âmbito prévio da transcendência.” (AIRR-1002-75.2016.5.09.0678, 6ª Turma, Relatora Ministra Kátia Magalhães Arruda, DEJT 06/09/2019)
[7] “Quanto à alegada contrariedade da Súmula 126 do TST, a SBDI-1 firmou jurisprudência no sentido de que, dada a sua função exclusivamente uniformizadora, não é possível conhecer do recurso de embargos por contrariedade a súmula de natureza processual, salvo se a afirmação dissonante da compreensão fixada no verbete apontado for aferível na própria decisão embargada, situação materializada no presente caso.” (E-ED-RR-165100-65.2009.5.03.0007, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, Redator Ministro Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira, DEJT 14/06/2019)
[8] “De plano, verifico a existência de vício formal na revista, consistente na ausência de preenchimento do requisito contido no art. 896, § 1º-A, inciso I, da CLT, o que torna obsoleto o exame da transcendência da questão de fundo contida no recurso obstado, dado que, ante o não preenchimento de requisito essencial para a validade do ato processual, o pleito recursal não reunirá condições de regular processamento no âmbito desta Corte Superior. [...] Assim, a existência de obstáculo processual inarredável e que inviabiliza o exame do mérito recursal, como no caso, resulta na ausência de transcendência do recurso de revista, sob qualquer perspectiva de análise (transcendência jurídica, política, econômica ou social). [...]Ante o exposto, com fulcro no art. 896-A, § 5º, da CLT c/c o art. 248 do Regimento Interno desta Corte, nego seguimento ao agravo de instrumento e, dada a irrecorribilidade da decisão que nega a transcendência ao agravo de instrumento em recurso de revista, bem como a ausência de repercussão geral em matéria de pressupostos de cabimento recursal (Tema nº 181 do ementário temático de repercussão geral do STF), determino a baixa dos autos à origem.” (AIRR - 101286-95.2016.5.01.0005, Relator JOÃO PEDRO SILVESTRIN, DEJT de 19/12/2019)
[9] Disponível em http://www.tst.jus.br/documents/18640430/bb48512c-c504-6866-6f7d-d14eb8e0a371.
[10] Disponível em http://www.tst.jus.br/documents/18640430/d20f0c7c-0eed-3596-9e07-be6949900412.
[11] “Art. 896. [...] § 12. Da decisão denegatória caberá agravo, no prazo de 8 (oito) dias.”