Reforma Trabalhista: “o velho resiste em morrer, e o novo não consegue nascer”.

“o velho resiste em morrer, e o novo não consegue nascer”.

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Quero falar sobre uma peculiaridade da Reforma Trabalhista: a justiça gratuita, a qual, apesar das novas regras editadas pelo Congresso Nacional, o TST e alguns Tribunais Regionais insistem em não aplicar o comando da nova lei.

Quero falar sobre uma peculiaridade da Reforma Trabalhista: a justiça gratuita, a qual, apesar das novas regras Reforma Trabalhista: “o velho resiste em morrer, e o novo não consegue nascer”. Art. 790. Texto antigo § 3o É facultado aos juízes, órgãos julgadores e presidentes dos tribunais do trabalho de qualquer instância conceder, a requerimento ou de ofício, o benefício da justiça gratuita, inclusive quanto a traslados e instrumentos, àqueles que perceberem salário igual ou inferior ao dobro do mínimo legal, ou declararem, sob as penas da lei, que não estão em condições de pagar as custas do processo sem prejuízo do sustento próprio ou de sua família. Art. 790. Texto modificado § 3o - É facultado aos juízes, órgãos julgadores e presidentes dos tribunais do trabalho de qualquer instância conceder, a requerimento ou de ofício, o benefício da justiça gratuita, inclusive quanto a traslados e instrumentos, àqueles que perceberem salário igual ou inferior a 40% (quarenta por cento) do limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social. Quero falar sobre uma peculiaridade da Reforma Trabalhista: a justiça gratuita, a qual, apesar das novas regras editadas pelo Congresso Nacional, o TST e alguns Tribunais Regionais insistem em não aplicar o comando da nova lei, em afronta direta ao novo texto normativo, seja criando exceção onde não haja, seja por viés interpretativo criativo e represtinatório. Recentemente, o TST proferiu duas decisões curiosas e inquietantes com o novo regramento da justiça gratuita pela reforma trabalhista, uma da 3ª Turma, nos autos do processo TST-RR-1000683-69.2018.5.02.0014 e a outra foi proferida pela SDI-2 nos autos do RO-10899-07.2018.5.18.0000, em ambos os processos, fora admitida como prova autossuficiente para justificar a concessão dos benefícios da justiça gratuita, a mera e extinta declaração de pobreza, como acima demonstrado. No primeiro caso, apesar de a fundamentação do acórdão basear-se em ofensa ao caput do art. 5° - isonomia – e no inciso XXXV – direito de acesso -, da CF/88, avançou a 3ªTurma no julgamento e violou o disposto na Súmula Vinculante n. 10, ao usurpar competência da reserva do plenário. Da mesma forma, a segunda decisão também enveredou pelo mesmo caminho, sendo inexorável a insegurança jurídica que tais decisões causam ao ordenamento jurídico brasileiro, ficando evidenciado a falta de submissão do Judiciário trabalhista aos ditames da legalidade estrita. É verdade que se pode construir dada interpretação a partir do próprio texto renovado, em respeito aos princípios do direito e processo do trabalho, mas a partir da norma e não enveredar por interpretação sem nenhuma correspondência verbal com o texto interpretado, caso contrário, podemos afirmar, com toda certeza, que o “velho resiste em morrer, e o novo não consegue nascer”, tamanha tem sido a resistência a valores republicanos como a separação de poderes e o respeito ao primado da lei como ínsito e inerente a todo Estado de Direito, como muito bem nos ensina o professor Gustavo Filipe Barbosa Garcia , verbis: A lógica do Estado Democrático de Direito é de que, na solução das controvérsias existentes na sociedade, devem prevalecer as normas validas no sistema jurídico em vigor, e não as preferências ideológicas, os objetivos políticos e os sentimentos do intérprete. É certo que os princípios e as cláusulas gerais conferem ao sistema abertura na interpretação das previsões normativas, permitindo ajustá-las à evolução social e às peculiaridade de cada caso concreto. Isso, entretanto, jamais pode ser utilizado para autorizar que se desvirtue o sentido e o alcance dos preceitos jurídicos, aplicando-os fora de contexto, segundo intensões subjetivas e escolhas pessoais. Sendo a lei o instrumento de trabalho de todo jurista, a técnica de interpretá-la, penso eu, deve partir sempre do próprio texto legal como baliza para uma boa e segura aplicação, isto em homenagem e respeito ao disposto no parágrafo único do art. 1º da nossa Constituição, pois se a origem do poder político reside na soberania popular, do qual advém a representatividade e legitimidade das leis regularmente produzidas pelo Congresso Nacional, em um Estado Democrático de Direito não há espaço para subjetividade criativa do magistrado e nem lugar para justiceiros, ávidos em promover justiça social à margem da lei, em completa afronta à separação de poderes e vertiginosa usurpação de competências legislativas. A figura do juiz não se confunde com a de assistente social. Realizar justiça é aplicar o Direito vigente e positivado, notadamente porque toda lei regularmente aprovada, nasce e exala a presunção de constitucional, logo, justa aos olhos do ordenamento jurídico, prima facie. Portanto, degenera as instituições brasileiras a figura de feitor moderno que, com seu chicote, ou melhor, sua caneta, arremete-se contra a ordem jurídica e passa a criar novas regras para cada caso litigioso ao seu exame, demonstrando abissal insensatez juvenil com sua insubmissão aos ditames da Constituição e das leis do país, a gerar profundo desgaste e desconfiança nas leis, com açodado solapamento da ordem pública, provocando vertiginoso golpe na democracia e no estado de direito, de forma consciente e proposital. A segurança jurídica é um pilar implícito do Estado de Direito, embora na Constituição brasileira não haja uma norma específica e explícita referindo-se especificamente a ela, tal princípio decorre de algumas garantias fundamentais conferidas às pessoas, sendo imanente nelas a convicção, a certeza,a previsibilidade e confiança na estabilidade das normas. Assim, podemos extrair do corpo do art. 5º da Constituição algumas delas, das quais colhemos a certeza do império da lei pela lei, nesse sentido temos o inciso II, o qual exalta o princípio da legalidade estrita; o inciso XXXVI, consagrado como o ápice da segurança jurídica; o inciso XXXIX que consagra o princípio da anterioridade da lei penal, o qual é bifronte, ou seja, é indispensável que a lei institua um tipo penal em vigor antes da prática criminosa, além da pena a ser aplicável; os incisos LIII e LIV reafirmam o princípio do devido processo legal; o inciso LV assegura e institui o princípio do contraditório e ampla defesa; o inciso LVII consagra o princípio da inocência, dentre outros. Desse arcabouço principiológico, ressai a concepção da submissão de todos ao primado da lei, o respeito ao Estado de Direito, à separação de poderes em suas vertentes competenciais, não se admitindo que o próprio Estado seja algoz de si mesmo, desfazendo, desconstruindo e implodindo o próprio sistema jurídico por ele criado e eleito, exatamente porque a escolha do legislador não coincidiu com as convicções íntimas do magistrado e julgador de plantão, como adverte Gustavo Filipe Barboza Garcia , verbis: Os preceitos jurídicos dotados de maior elasticidade de sentido e flexibilidade interpretativa não podem ser utilizados como argumentos retóricos que permitem chegar à interpretação que se deseja, conforme preferências pessoais e ideológicas, desvirtuando preceitos claros e expressos do ordenamento constitucional e legal. Portanto, ao meu sentir, basta simples análise comparativa entre o texto reformado e a atual redação para se perceber a substancial alteração qualitativa, tendo o novo texto amputado a antiga realidade normativa que vigia há mais de 70 anos, que exigia das partes simples e mera declaração de pobreza para obter os benefícios da justiça gratuita, sob as penas da lei, que não estavam em condições de pagar as custas do processo. Por conseguinte, chega-se à inevitável conclusão: para a lei da reforma trabalhista, não mais bastará simples declaração de miserabilidade, já que o benefício da justiça gratuita, doravante, somente será concedido à parte que comprovar insuficiência de recursos para pagamento das custas do processo, o que torna ilegal valer-se de expediente internos, como instruções normativas, para suspender os efeitos de lei federal validamente operante no ordenamento jurídico pátrio, o que torna novamente oportuna lição do professor Garcia : No ambiente democrático, a crítica ao Direito em vigor, visando o seu aprimoramento, é salutar, mas há espaço e momento apropriados para os debates de ideias e de concepções, que não podem ser confundidos com o âmbito da solução institucional dos conflitos sociais, no qual deve prevalecer o Direito vigente, e não o que o julgador, em seu intelecto e em seus sentimentos, entende mais conveniente e oportuno. A confusão desses diversos âmbitos pode resultar na instauração de um novo autoritarismo absolutista e antidemocrático, sob a atraente roupagem, muitas vezes fundada em princípios, de um suposto compromisso com à justiça. É verdade que o processo do trabalho não é tão bem estruturado e redigido como o processo civil, é cheio de claros, hiatos e vazios normativos, e possui uma regra de ouro, estratificada no art. 769 da CLT, segundo a qual o processo comum somente é chamado se houver omissão e for compatível com seus princípios diretores, porém, debalde em tempos de reforma trabalhista. Por isso, a degeneração do direito processual do trabalho tem se avolumado, sendo generalizante, chegando ao extremo do afastamento de suas próprias regras para aplicar normas civilistas, em nome de uma interpretação sistêmica às avessas. O especial deixou de sê-lo e cedeu espaço a regra geral, promovendo e criando incertezas e muita estranheza. O juiz do trabalho passou a substituir a opção do legislador laboral e, ilegitimamente, cria nova regra procedimental ao seu talante, substituindo aquela criada especificamente para esse ramo especializado, pela sua, surpreendendo as partes com tamanha inovação. Foi assim no julgado no RR-1000683-69.2018.5.02.0014, julgado pela 3ª Turma e o proferido pela SDI-2 no TST-ED-RO-1004153-87.2017.5.02.0000, dentre outras hipóteses que são ignoradas regras processuais específicas da CLT, e passam a aplicar o CPC por ser mais vantajosa, em ostensiva invalidação de normas processuais do trabalho, regularmente editadas. É tão evidente esse comportamento, que começa a eclodir na jurisprudência laboral um fenômeno inusitado, após a reforma trabalhista entrar em vigor, o da promiscuidade processual, pois apesar de haver no novo processo do trabalho regra clara, precisa e específica, os tribunais do trabalho, inclusive o TST, começam a importar normas do processo civil para suplantarem a especificidade da norma laboral, que passam a entender como injustas e desigual, isto em afronta direta e literal ao disposto no art. 769 da CLT, o qual é bifronte e paradigmático, além de contrariarem valores republicanos como a separação de poderes, o Estado de Direito e o primado da segurança jurídica e da democracia. Destarte, se para entregar a tutela jurisdicional é necessário violar todo um ordenamento jurídico, é melhor que o magistrado arrependa-se e avalie se os valores desprezados justificam tamanha agressão ao Estado de Direito. Fazer justiça com sacrifício da lei, em benefício de um interesse individual, ainda que ela não represente a ideologia histórica do processo laboral, não legítima o magistrado a arvorar-se de justiceiro e fazer sua própria justiça, aplicando o seu próprio código. O preço a ser pago é muito alto com tal ataque, não vale apenas correr tamanho risco. Dito isto, a melhor inteligência que consigo extrair do §3º do art. 790 da CLT, decorre do tempo em que o verbo foi empregado pelo legislador, porquanto ali constar que o benefício da justiça gratuita alcançará aqueles empregados que perceberem salário, ou seja, o verbo perceber foi empregado no futuro do subjuntivo, como algo possível e desejável, ou seja, somente podem perceber salário aquelas pessoas que estiverem trabalhando, com contrato de trabalho vigente, empregados, portanto. Logo, forçoso concluir, a contrário senso, que aqueloutros trabalhadores que não perceberem salário, de duas uma: estão desempregados ou, presumivelmente, são hipossuficientes-econômico independentemente de declaração de pobreza. Devem, contudo, demonstrar apenas a condição de desempregados ou que percebem salário inferior a 40% (quarenta por cento) do piso da Previdência Social, no momento do ajuizamento da ação trabalhista. Se esta interpretação aqui sugerida não for a melhor, seja, então, aceitável que a mera declaração de pobreza possa servir apenas para aqueles trabalhadores que percebam salário inferior ao teto da Previdência Social, por presunção de hipossuficiência-econômica, fora disso, não vejo nenhuma outra ressalva feita pela lei para os dissídios individuais, em qualquer instância, ai incluída a ação rescisória, a qual, em regra, é manejada pelo trabalhador ou empregador, cujo depósito prévio, como pressuposto da ação, somente poderá ser dispensado se houver prova de miserabilidade do autor, segundo os termos do próprio art. 836 da CLT, segunda parte, sob pena de alterar-se o texto normativo reformado, incluindo nele direito novo fora do contexto constitucional, em verdadeiro abuso da jurisdição. Dito isto, me parece razoável que o deferimento da justiça gratuita, na Justiça do Trabalho, deve seguir suas próprias regras, eis que, por serem explícitas, claras e específicas, não autorizam o chamamento do CPC, porquanto incompatível com o novo regramento trabalhista, por imposição do art. 769 da CLT, ainda que a norma civilista seja mais favorável ao trabalhador, porquanto se tratar de uma opção do legislador, não cabendo à Justiça do Trabalho represtinar norma jurídica legitimamente reformulada pelo Poder Legislativo, sob pena de causar e instaurar inevitável insegurança jurídica no ordenamento jurídico laboral, afugentando investimentos, criação de novas vagas no mercado de trabalho, além de transmitir a certeza de que, no Brasil, não se deve levar a sério o Direito Nacional, mormente o laborista. REFERÊNCIAS: BASTOS, Celso Ribeiro; MARTINS, Ives Gandra. Comentários à Constituição do Brasil. 2º vol. Arts. 5º a 17. São Paulo: Saraiva, 1988-1989. GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Estado Democrático de Direito e Desvirtuamento Ideológico do Sistema Jurídico.Suplemento Trabalhista - 2016. São Paulo: LTr. ISSN 15169146. ANO 52, n. 44, p. 247-248. PEREIRA, Merval. O novo contra o velho. Jornal o Globo. Rio de Janeiro,9.11.2018.

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