O impacto das decisões cautelares no processo penal.

Análise de sua constitucionalidade a partir da duração razoável do processo

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Breve análise das decisões do TJMG

Ao fazer uma análise geral das decisões proferidas pelas câmaras criminais do TJMG o argumento que mais é utilizado como motivo essencial para manutenção de medida cautelar privativa de liberdade[I1] é A GARANTIA DA ORDEM PUBLICA.

Nesse sentido, várias do referido tribunal são de cunho preconceituoso e invoca argumentos vagos e ilegais para a manutenção da medida desencadeando assim uma série de reações negativas no meio social como erro judiciário, reiteração delitiva além da superlotação de presídios. Tais consequências negativas assolam o Brasil a várias décadas e ganha força com o fortalecimento da política de encarceramento instituída hoje no Brasil.

Nos últimos anos, como demonstrado em levantamento do CNJ em relação aos presos mineiros 58% estão presos preventivamente ou seja o número de prisões cautelares ultrapassa e muito o número das prisões pena, o levantamento elenca diversos motivos para o crescimento alarmante deste número e destaca a lentidão da justiça, aumento da criminalidade, baixa aplicação das medidas alternativas e a pressão popular como fatores determinantes para o crescimento das prisões cautelares no estado de Minas Gerais.

Pode-se observar, portanto, que tais motivos não estão presentes em lei para a decretação de prisões cautelares e fere diversas garantias pertencentes ao cidadão seja em âmbito interno como externo a decretação de prisões cautelares sem a devida motivação e pautada em lei é um caminho perigoso e abre brechas para a ruptura da ordem constitucional e o estado democrático de direito.

HABEAS CORPUS - FURTO QUALIFICADO E ASSOCIAÇÃO CRIMINOSA - PRISÃO PREVENTIVA - ALEGAÇÃO DE EXCESSO DE PRAZO - INOCORRÊNCIA - PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE - AUDIÊNCIA DE INSTRUÇÃO E JULGAMENTO DESIGNADA - GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA - PENA MÁXIMA COMINADA SUPERIOR A QUATRO ANOS - CUSTÓDIA CAUTELAR LEGALMENTE AUTORIZADA.
- O prazo para a formação da culpa deve ser contado de forma global, com a aplicação do princípio da razoabilidade sob o prisma da proporcionalidade, o que justifica a demora no encerramento de instrução processual e a manutenção da custódia cautelar, sem acarretar constrangimento ilegal.
- Fundamentada e demonstrada a necessidade da manutenção da prisão preventiva dos pacientes, não há falar em constrangimento ilegal.
- Também a pena máxima cominada aos crimes em questão autoriza a custódia cautelar dos acusados.
V .V.
- Estando os pacientes presos há mais tempo que o previsto em lei, sem que haja justificativa para tamanha dilação do prazo para formação da culpa, e não havendo previsão para o encerramento da instrução criminal, está comprovado o constrangimento ilegal.

(TJMG - Habeas Corpus Criminal 1.0000.19.122659-6/000, Relator(a): Des.(a) Adilson Lamounier , 5ª CÂMARA CRIMINAL, julgamento em 22/10/2019, publicação da súmula em 23/10/2019)

Aqui pode-se ver mais uma decisão contrária ao direito do TJMG, haja vista que novamente o estado não cumpre sua função jurisdicional no prazo razoável e mantem acautelado indivíduo presumidamente inocente nos termos do art. 5º LVII da CF/88. Há no Brasil uma política de encarceramento de longa data, pois o tipo do delito ora imputado aos réus faz com que o sentimento popular por justiça acabe que influenciando nas decisões dos desembargadores desta corte, fato é que pressão popular não é argumento admitido em lei para a manutenção de prisões cautelares, neste julgamento o voto vencido muito lúcido do DES. JÚLIO CÉSAR LORENS, traz o seguinte

“Isso porque, da detida análise dos autos, infere-se que os pacientes estão presos desde 06 de maio de 2019, totalizando, até a presente data, mais de 05 (cinco) meses de encarceramento preventivo, sendo certo que a audiência de instrução de julgamento foi designada para 23 de outubro de 2019, inexistindo previsão de prolação de sentença.
A ssim, verifica-se que tal delonga é significativa, estando os acusados presos há mais tempo que o prazo determinado por lei, fazendo-se necessária a imediata soltura dos pacientes, nos termos do art. 648, inciso II, do CPP.

Portanto tais decisões denegatórias e arbitrárias incomodam até mesmo seus pares que fazem uma análise detalhada dos autos e o mais importante procuram respeitar a lei.

HABEAS CORPUS - RECEPTAÇÃO QUALIFICADA E ADULTERAÇÃO DE SINAL IDENTIFICADOR DE VEÍCULO AUTOMOTOR- RELAXAMENTO EM VIRTUDE DE EXCESSO DE PRAZO - INOCORRÊNCIA. EXCESSO DE PRAZO PARA OFERECIMENTO DA DENÚNCIA - CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO CONFIGURADO. REVOGAÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA - PRESENÇA DOS REQUISITOS DO ART. 312 DO CPP - PRISÃO MANTIDA. ORDEM DENEGADA. I- Para a conclusão da instrução criminal, os prazos devem ser analisados de forma global e à luz do princípio da razoabilidade, de forma que, estando o feito tramitando regularmente na instância a quo, não há que se falar em excesso de prazo. II- A decisão que decreta a prisão preventiva para assegurar a aplicação da lei penal, tendo em vista os atos e comportamento concretos do imputado, não consubstancia constrangimento ilegal, especialmente quando se constata, em uma análise apriorística, indícios suficientes de seu envolvimento com atividade criminosa.

(TJMG - Habeas Corpus Criminal 1.0000.19.115200-8/000, Relator(a): Des.(a) Júlio César Lorens , 5ª CÂMARA CRIMINAL, julgamento em 29/10/0019, publicação da súmula em 30/10/2019) https://www4.tjmg.jus.br/juridico/sf/proc_resultado2.jsp?listaProcessos=10000191152008000

Neste julgamento podemos ver de maneira clara e inequívoca os rumos tomados pelo TJMG quando o assunto é Habeas Corpus por excesso de prazo da prisão cautelar , pode – se notar que os argumento são vagos e imprecisos para a manutenção da medida encarceradora haja vista que não existe um parâmetro sólido na jurisprudência sobre prazos da prisão preventiva, o crime ora imputado ao réu é o crime de Receptação qualificada C/C com adulteração de identificador de veiculo auto motor, ambas condutas previstas como crime no Código Penal, vale salientar que ambos são crimes onde não há emprego de violência ou grave ameaça a pessoa. É visível que cumpre – se requisitos do art. 312 do código de processo penal para a manutenção da prisão cautelar, mas a pergunta que fica ela é necessária e adequada? A resposta é simples. Tal prisão cautelar não tem base legal e se corrobora apenas na política encarceradora instalada no Brasil em nome da ordem pública, haja vista que não há qualquer juízo concreto de culpa, além do crime ora imputado ser cometido na modalidade omissiva ou seja não há que se falar em prisão cautelar, sob o fundamento da necessidade e proporcionalidade da medida.

HABEAS-CORPUS - TRÁFICO DE DROGA - PRISÃO PREVENTIVA - DECISÃO FUNDAMENTADA - FATOS CONCRETOS QUE INDICAM A NECESSIDADE DA MEDIDA CONSTRITIVA -SUBSTITUIÇÃO DA PRISÃO INADEQUADA - A PRIMARIEDADE POR SI SÓ NÃO VIABILIZA A SOLTURA DO PACIENTE - GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA - ORDEM DENEGADA. 1. Verificando-se a presença dos pressupostos autorizadores para a manutenção da custódia cautelar mantém-se esta sob os auspícios da garantia da ordem pública. 2. Havendo indícios de autoria e de materialidade, presente está o pressuposto da ordem pública, sendo a prisão medida que se impõe. 3. Incabível é a substituição da prisão por outra medida cautelar conforme disposto no artigo 282 §6º do CPP e presentes estando os requisitos do artigo 312 do mesmo diploma legal associados à gravidade do delito, inadequadas são tais medidas. 4. As condições de primariedade e bons antecedentes por si só não viabiliza a soltura do paciente. 5. Ordem denegada.
V .v. VV. Os prazos estabelecidos para os atos processuais não são absolutamente rígidos, sendo que a sua superação, por si só, não leva imediata e automaticamente ao reconhecimento do constrangimento ilegal por excesso de prazo na formação da culpa. A doutrina e jurisprudência entendem que toda e qualquer espécie de prisão, antes do trânsito em julgado da sentença condenatória, tem natureza cautelar, o que significa dizer, deve estar devidamente comprovada a necessidade de tal restrição da liberdade. Não havendo elementos concretos nos autos que autorizem a medida extrema, a concessão da liberdade provisória é medida que se impõe.

(TJMG - Habeas Corpus Criminal 1.0000.19.125546-2/000, Relator(a): Des.(a) Alexandre Victor de Carvalho , Relator(a) para o acórdão: Des.(a) Pedro Vergara , 5ª CÂMARA CRIMINAL, julgamento em 15/10/2019, publicação da súmula em 16/10/2019)[I2] https://www4.tjmg.jus.br/juridico/sf/proc_resultado2.jsp?listaProcessos=10000191255462000

No referido julgamento pode-se vislumbrar que nem mesmo o indivíduo primário escapa dos justiceiros de toga que compõe o TJMG, uma vez que não qualquer juízo concreto de culpa cerceiam a liberdade sem qualquer parâmetro fixo e invocam mais uma vez a garantia da ordem pública como motivo essencial da manutenção da medida, esquece – se porem dos direitos garantidos ao réu e a todos os cidadãos, invoca-se mais uma vez a repulsa da sociedade como outro motivo que corrobora suas arbitrariedades, mesmo que não se encontra expresso na decisão comentada, pois este não é fundamento para manutenção de prisão cautelar. Tantas ordens denegadas leva a percepção que o TJMG não cumpre o papel de combater ilegalidades e desrespeitos a lei cometidas pelos magistrados de 1º instância, além disso corrobora e põe em prática a onda encarceradora presente no Brasil, o mais estarrecedor com o aval do estado e dos “cidadãos de bem”.


A aplicação do instituto do juiz de garantias

Há no Brasil atual, uma grande preocupação com a forma em que é conduzida a fase pré-processual e processual na matéria penal, onde há diversos mecanismos estatais capazes de cercear a liberdade dos indivíduos em decorrência de descumprimento da lei com eventual ofensa aos bens jurídicos tutelados pela norma penal, ocorre que para a efetividade das medidas encarceradoras é necessário que os juízes e tribunais se atentem ao caso concreto com suas peculiaridades e principalmente se respeite a lei.

Há no ordenamento jurídico brasileiro a figura do juiz prevento, que é trazido no art. 83 do código de processo penal da seguinte forma:

Art. 83. Verificar-se-á a competência por prevenção toda vez que, concorrendo dois ou mais juízes igualmente competentes ou com jurisdição cumulativa, um deles tiver antecedido aos outros na prática de algum ato do processo ou de medida a este relativa, ainda que anterior ao oferecimento da denúncia ou da queixa

Ou seja, o juiz que atua na fase investigativa aplicando medidas cautelares ou investigatórias como interceptação telefônica, prisão preventiva é o mesmo juiz que seguirá até a sentença dando margem para que este juiz já esteja contaminado com seus vieses cognitivos e as provas obtidas sem o devido contraditório faça portanto um pré-julgamento em relação ao caso mitigando drasticamente as chances de uma futura absolvição pautada em lei ferindo assim o princípio da imparcialidade que deve pautar o processo penal, desta forma com o atual modelo consagrado na lei brasileira o magistrado já tem sua decisão final pronta ainda que em fase pré-processual.

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Pensando nisto, há na doutrina e estabelecido em vários países o instituto do juiz de garantias ou conceituado por muitos o juiz da investigação, este trata da separação do juiz que figura na fase pré-processual e o juiz da fase instrutória haja vista os problemas elencados acima como por exemplo a falta de imparcialidade, no Brasil o debate em relação ao estabelecimento deste instituto é longo e já se arrasta por vários anos.

O instituto alvo de intenso debate entre a comunidade acadêmica em cenário global e tema de grande complexidade é tratado de maneira ainda bastante tímida no Brasil. Avanços são necessário a respeito do tema, neste sentido tramita na câmara dos deputados o projeto de criação do novo código de processo penal sob o nº PL 8045/2010 onde o legislador infraconstitucional tenta instituir a figura do juiz de garantias no ordenamento jurídico brasileiro, se faz necessária a leitura dos artigos que tratam do tema:

Do Juiz das Garantias

Art. 15. O juiz das garantias é responsável pelo controle da legalidade da investigação criminal e pela salvaguarda dos direitos individuais cuja franquia tenha sido reservada à autorização prévia do Poder Judiciário, competindo-lhe especialmente:

I – receber a comunicação imediata da prisão, nos termos do inciso LXII do art. 5o da Constituição da República;

II – receber o auto da prisão em flagrante, para efeito do disposto no art. 543;

III – zelar pela observância dos direitos do preso, podendo determinar que este seja conduzido a sua presença;

IV – ser informado da abertura de qualquer inquérito policial;

V – decidir sobre o pedido de prisão provisória ou outra medida cautelar;

VI – prorrogar a prisão provisória ou outra medida cautelar, bem como substituí-las ou revogá-las;

VII – decidir sobre o pedido de produção antecipada de provas consideradas urgentes e não repetíveis, assegurados o contraditório e a ampla defesa;

VIII – prorrogar o prazo de duração do inquérito, estando o investigado preso, em atenção às razões apresentadas pela autoridade policial e observado o disposto no parágrafo único deste artigo;

IX – determinar o trancamento do inquérito policial quando não houver fundamento razoável para sua instauração ou prosseguimento;

X – requisitar documentos, laudos e informações da autoridade policial sobre o andamento da investigação;

XII – decidir sobre os pedidos de:

a) interceptação telefônica ou do fluxo de comunicações em sistemas de informática e telemática;

b) quebra dos sigilos fiscal, bancário e telefônico;

c) busca e apreensão domiciliar;

d) outros meios de obtenção da prova que restrinjam direitos fundamentais do investigado.

XIII – julgar o habeas corpus impetrado antes do oferecimento da denúncia;

XIV – outras matérias inerentes às atribuições definidas no caput deste artigo.

Parágrafo único. Estando o investigado preso, o juiz das garantias poderá, mediante representação da autoridade policial e ouvido o Ministério Público, prorrogar a duração do inquérito por período único de 10 (dez) dias, após o que, se ainda assim a investigação não for concluída, a prisão será revogada.

Art. 16. A competência do juiz das garantias abrange todas as infrações penais, exceto as de menor potencial ofensivo e cessa com a propositura da ação penal.

§1o Proposta a ação penal, as questões pendentes serão decididas pelo juiz do processo.

§2o As decisões proferidas pelo juiz das garantias não vinculam o juiz do processo, que, após o oferecimento da denúncia, poderá reexaminar a necessidade das medidas cautelares em curso.

§3o O s autos que compõem as matérias submetidas à apreciação do juiz das garantias serão juntados aos autos do processo.

Art. 17. O juiz que, na fase de investigação, praticar qualquer ato incluído nas competências do art. 15 ficará impedido de funcionar no processo.

Art. 18. O juiz das garantias será designado conforme as normas de organização judiciária da União, dos Estados e do Distrito Federal.[9]

Em suma o legislador brasileiro ao perceber tamanhas ilegalidades e arbitrariedades cometidas pelos juízes em todo o Brasil pretende separar a figura do juiz que atua na investigação e aquele que participa da instrução em uma clara tentativa de preservar a sua imparcialidade, nas palavras de GLOECKNER e AURY LOPES JR p. 2013, 260-1

A atuação do juiz na fase pré-processual (seja ela inquérito policial, investigação pelo MP, etc) é e deve ser muito limitada. O perfil ideal do juiz não é como investigador ou instrutor, mas como controlador da legalidade e garantidor do respeito aos direitos fundamentais do sujeito passivo. Nesse sentido, além de ser uma exigência do garantismo, é também a posição mais adequada aos princípios que orientam o sistema acusatório e a própria estrutura dialética do processo penal.”

Assim, o juiz da instrução não fica adstrito aos feitos do juiz responsável pela fase investigatória consagrando diversas garantias presentes no ordenamento jurídico ao réu, principalmente o seu direito de ser julgado por um juiz imparcial respeitado.

A instituição do referido dispositivo está em pauta na câmara dos deputados desde o ano de 2010 e trata de uma reforma mais abrangente, em que altera o código de processo penal brasileiro como um todo, pela complexidade envolvendo uma reforma drástica no referido código e pela morosidade do parlamento brasileiro em colocar em pauta tal reforma foi que o senador CID GOMES do PDT-CE, apresentou no dia 11 de setembro de 2019 o PL 4981/2019 que trata da instituição do referido instituto de maneira isolada, tendo assim uma tramitação mais célere, demonstrando a importância acerca do tema e os benefícios que a sua implementação traz para a erradicação de diversas ilegalidades cometidas em todo o Brasil.

Sobre o autor
Farias Azevedo Advocacia e Consultoria Jurídica

Aprovado no XXIX exame de ordem.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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