Breves comentários: entendendo a desídia como transgressão disciplinar militar

01/02/2020 às 11:45
Leia nesta página:

O artigo, tendo por base o Processo Constitucional, visa propiciar uma interpretação específica das situações administrativas capituladas como DESÍDIA, mais precisamente no âmbito do Poder Disciplinar na Polícia Militar de Minas Gerais.

Tendo como parâmetro a Polícia Militar de Minas Gerais, o fato tido como desídia, é o indiciamento administrativo, capitulado como transgressão disciplinar, mais corriqueiro existente. Nesse sentido, o Código de Ética dos Militares do Estado de Minas Gerais, dentre as suas infrações médias, determina que:  

Art. 14. São transgressões disciplinares de natureza média:

(...)

II – demonstrar desídia no desempenho das funções, caracterizada por fato que revele desempenho insuficiente, desconhecimento da missão, afastamento injustificado do local ou procedimento contrário às normas legais, regulamentares e a documentos normativos, administrativos ou operacionais; (...)

Todavia, analisando o grande número de procedimentos administrativos que tem por base a desídia, surge uma dúvida relacionada ao próprio conceito dessa espécie de infração disciplinar, e a real conexão entre os fatos tidos como negligenciais e sua indexação como transgressão.   

Entender o conceito da palavra Desídia é o primeiro ponto essencial para o entendimento dessa espécie de Transgressão Disciplinar. Derivada do Latim, a palavra “Desídia”, vem de “Desidere” (estar ocioso), é tida, na terminologia jurídica, como desleixo involuntário, desatenção, indolência com que o empregado executa os serviços que lhe estão afetos. Necessariamente a desídia É FATO CULPOSO ligado à negligência; caracterizando-se pela prática ou omissão de um ou de vários atos simultaneamente.

Observe que, o parâmetro da Transgressão Disciplinar capitulada no inciso II, art. 14 – do CEDM/MG, sendo involuntário, como observado, tem seu núcleo em ato exclusivamente culposo. Assim, no Processo Administrativo que se comprova que o servidor contrariou uma norma que lhe era conhecia, em tese, não se configura como desídia, pois ultrapassa a questão culposa e adentra no mérito doloso da falta. Nesse sentido:

Ementa: Desídia é negligência, incúria, falta de cuidado, desatenção, desleixo, desmazelo, desinteresse. É uma falta culposa e não dolosa. Negligência é falta de atenção no momento próprio. Se a desídia for efetivamente desejada, haverá dolo, e a falta deixa de ser desídia para ser improbidade. Em regra, a desídia é fruto da soma de vários atos sequenciais que denotam o perfil ou a intenção do faltoso, mas pode se configurar pela prática de um só ato, desde que grave.  A desídia pode ocorrer no local de trabalho ou fora dele, mas sempre em função das atividades do faltoso. [TRF-1 – PADMag nº 34418820105010000/RJ, Relator:  José Geraldo da Fonseca, Secretaria do Pleno, do Órgão Especial e da CEDISC, publicado em 27/04/2012]

Veja que, um militar acusado de desídia, mas que a acusação relata que ele conhecia dos fatos, na verdade, em tese, comete outra espécie de infração. Nesses casos, se a defesa, por motivação da abertura de vistas, for apresentada como sendo essa espécie infracional, o ato administrativo, essencialmente se firma como defeituoso, podendo, inclusive vir a ser considerado nulo. Pois, mesmo que os fatos possam ser considerados como idênticos, o Direito Disciplinar, assim como no Direito Penal, qualquer analogia só poderá ser cultuada tendo como referência o benefício ao acusado. E nesse sentido, o acusado não teria sido instado a se defender de uma falta dolosa, mas sim de uma infração culposa. Estando a capitulação transgressional, elaborada pela Administração, eivada de vício formal.

Logicamente, no Sistema Jurídico Disciplinar, a autoridade julgadora não está limitada a decidir apenas de forma estática, concordando com os apontamentos feitos por encarregados e/ou conselhos de disciplina, segundo o “princípio do emendatio libelli”. Porém, esse conceito divisório, também apresenta seus próprios limites. Tais limites ocorrem quando o fato que, em tese, se comprovou na decisão final é diverso daquele narrado na peça acusatória, bem como, a percepção feita durante a instrução processual – apuração dos fatos. Devendo, nestes casos, em analogia à inteligência do art. 384 – do CPP, haver um aditamento às apurações, permitindo ao acusado conhecer os fatos e se defender com propriedade, segundo a capitulação correta da infração lhe imputada. Este é o “princípio do mutatio libelli”, mesmo porque, mudou-se essencialmente a classificação transgressional (de dolosa para culposa), e não meramente a própria transgressão.

Quais seriam, então, os requisitos que diferenciariam, neste caso específico, o “princípio do emendatio libelli” do “princípio do mutatio libelli”? Observe, conforme já estabelecido, que a Transgressão Disciplinar capitulada no inciso II, do art. 14 – do CEDM/MG, reduzida ao termo “desídia”, tem sua estrutura determinante numa ação estritamente culposa. Assim, relatar que se comprovou que o servidor deixou de tomar uma providência contrária a uma norma legal, porque desconhecia aquela instrução, é completa e substancialmente diferente de apontar que aquele simplesmente tomou medida contrária uma norma, de forma dolosa (tendo conhecimento do erro). Logicamente o preceito defensivo a ser utilizado, de um fato e com relação ao outro, como falta disciplinar, é completamente distinto.

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Esse é o mesmo tema operacional quando se tem Peça Decisória onde se estabelece mudanças à completa interpretação que capitula a transgressão; passando de uma falta culposa para dolosa (ou vice-versa), realizando nova capitulação à suposta transgressão cometida; capitulação – e espécie transgressional (culpa ou dolo) – que não foi objeto da defesa. Nesse sentido, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, em decisões colegiadas, deixou importante formação jurisprudencial:

Ementa: (...) Nula é a sentença que extrapola os limites traçados no pedido acusatório, por desclassificar o crime para nova figura jurídica cujas circunstâncias elementares do tipo não se enquadram explícita ou implicitamente na peça vestibular. [TJSP – RT nº 618/301, nº 555/377, nº 577/325 e nº 595/390]

Não é possível a modificação da imputação de Transgressão Disciplinar militar culposa para dolosa, e vice-versa, sem que se proceda à mutatio libelli, oportunizando em seguida, o necessário exercício do direito ao contraditório e à ampla defesa, na forma prevista.

Ementa: (...) Inviável a pretensão do assistente da acusação de desclassificar o delito culposo para doloso quando a denúncia narra tão somente a modalidade culposa, sob pena de transgressão ao princípio da correlação acusatória e a decisão condenatória. [TJRO - Apelação nº 00164965320128220501. Data de publicação: 18/02/2015]

Por fim, ressalta-se no procedimento padrão que, toda missão deverá ser de conhecimento prévio dos integrantes daquela; excluindo-se, em casos específicos, a regra do caráter sigiloso, este de responsabilidade dos organizadores. Sem esse fator, não há como o Comunicante alegar conhecimento da missão por parte do Comunicado. Por outro lado, se a reiteração da conduta é a regra para a caracterização da desídia, o mesmo não vale em relação a reincidência, ou seja, não é necessário que o agente tenha sido punido anteriormente por atos de desatenção ou desleixo para que se enquadre sua conduta nesse dispositivo.

Sobre o autor
Eder Machado Silva

Advogado. Militar da reserva da PMMG. Bacharel em Filosofia. Especialista em Direito Militar, Direito Constitucional e em Direito Processual Civil. Mestre em Direito. Doutorando em Direito Constitucional Comparado, pelo Centro Alemão de Gerenciamento de Projetos Jurídicos (ZRP) – em Leipzig na Alemanha. Membro Efetivo-Curricular da Academia de Letras João Guimarães Rosa – da PMMG. Professor universitário. Autor de livros jurídicos (E-mail: [email protected]).

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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