Consumidor pode ser indenizado por tempo gasto resolvendo problemas causados por fornecedores

04/02/2020 às 22:48
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O texto visa abordar, de forma didática, a teoria do desvio produtivo do consumidor, de autoria do doutrinador Marcos Dessaune.

O Direito do Consumidor é o ramo do Direito que trata especificamente das relações existentes entre fornecedores, de bens e serviços, e seus clientes. Uma das características mais marcantes desta área jurídica é a proteção especial conferida aos consumidores, tidos como vulneráveis. Em razão da sua vulnerabilidade presumida, o consumidor é encarado como a parte mais fraca da relação de consumo, merecendo, assim, proteção diferenciada.

Nesse contexto protetivo, se insere a teoria do desvio produtivo do consumidor, de autoria do doutrinador Marcos Dessaune. A tese prevê, resumidamente, que o consumidor pode ser indenizado pelo tempo gasto na tentativa de resolver problemas que foram causados por maus fornecedores.

Trata-se, na visão do autor, de um dano extrapatrimonial. Tal lesão ocorre porque, se o fornecedor resiste a resolver de forma espontânea, rápida e efetiva um problema de consumo que ele mesmo gerou, o consumidor, reconhecido como vulnerável, é obrigado a tentar solucioná-lo, desperdiçando o tempo de vida que possui. Ou seja, o cidadão é forçado a deixar de usufruir do seu tempo da forma que melhor entender, alterando danosamente as suas atividades rotineiras.

Assim, o tempo, recurso cada vez mais valioso, acaba sendo desviado. O consumidor se vê obrigado, muitas das vezes, a abrir mão do seu lazer, do convívio com os filhos, do trabalho e dos estudos, entre outras atividades. Tudo isso para tentar solucionar uma situação embaraçosa a que foi submetido única e exclusivamente por culpa da conduta imprópria de fornecedores.

Telefonar insistentemente ao Serviço de Atendimento ao Consumidor (SAC) de determinada empresa, contando repetidas vezes a mesma história, na tentativa de suspender uma cobrança indevida ou cancelar um serviço indesejado. Atender a inúmeras ligações de cobrança, recebidas muitas vezes em horários inoportunos. Esperar em casa, sem hora marcada, pela entrega de um produto comprado, ou por um profissional que virá fazer um orçamento ou um reparo.

Muitas são, em verdade, as situações cotidianas a que se aplicam a teoria analisada. Em todos esses casos, a lesão ao consumidor se dá independentemente do porte e da motivação do fornecedor. Aqui, a recusa de se responsabilizar pelos problemas de consumo que ele mesmo causou evidencia, por si só, uma prática abusiva. A tese, apesar de consistente, ainda encontra alguma resistência.

Em alguns casos, a interpretação dada é de que os episódios não passam de “mero aborrecimento”, comum nas relações sociais. Entretanto, tem crescido o número de decisões judiciais que reconhecem a teoria do desvio produtivo do consumidor, o que tem refletido na condenação de empresas ao pagamento de indenizações aos consumidores lesados.

É o que se pode verificar de simples consulta aos sites dos Tribunais de Justiça estaduais, nos quais se pode localizar mais de 900 decisões com referência à tese. No âmbito do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia (TJBA), não tem sido diferente, já que a corte baiana também tem sentenciado pelo reconhecimento do dano.

Mais recentemente, o próprio Superior Tribunal de Justiça (STJ) reconheceu a aplicação da teoria e confirmou decisões que condenaram empresas a indenizarem seus consumidores. Assim, o desvio produtivo do consumidor caminha a passos largos para se consolidar como mais um importante mecanismo de defesa nas relações de consumo.

Sobre o autor
Lerroy Tomaz

Advogado, sócio-fundador do escritório Tomaz, Queiroz & Ferreira Advocacia (TQF Advocacia), membro da Comissão de Celeridade Processual da OAB/BA, pós-graduado em Direito Público pela Universidade Salvador (UNIFACS), possui curso de extensão em Direito Processual Civil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP), articulista em livros jurídicos, colunista do jornal Pagina Revista. E-mail: [email protected].

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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Texto originalmente publicado na editoria de Opinião do site Ubaitaba Urgente, em 08/01/2020.

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