Caminho para o império da lei e justiça na perspectiva de Frédéric Bastiat

05/02/2020 às 21:58
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Diante da sensação generalizada de impunidade e a percepção de que a lei não impera sobre todos no Brasil, o presente artigo busca em Bastiat, e outros, ler a realidade jurídica brasileira e apresentar meios para o aprofundamento do império da lei.

Sumário:

1. Introdução

2. Democracia e Estado de Direito

3. Lei e justiça

4. O poder dos legisladores

5. O agigantamento estatal e o aprofundamento da polarização política

6. Conclusão

7. Referências bibliográficas

Introdução

Vivemos em um país com um vasto ordenamento jurídico, certamente em nossa república não há falta de leis, a começar pela nossa Magna Carta que figura como a segunda constituição mais extensa do mundo, atrás somente da constituição indiana. Para além disso, existe uma cultura no Brasil da resolução de problemas por meio de novas leis, é comum em todas as classes sociais, em meio aos mais diversos tipos de pessoas, ao se constatar um problema, logo se exclamar a sentença: não há uma lei contra isso?

Em razão disso nossos diplomas legais crescem dia após dia, criando um emaranhado de regulações, proibições e deveres. Mas, a despeito disso o brasileiro persiste com uma sensação de que o que impera no país é a desobediência as leis e a impunidade aos infratores. Segundo o relatório Índice de Percepção do Cumprimento da Lei (IPCLBrasil) do ano de 2015, feito pelo Centro de Pesquisa jurídica aplicada da Escola de Direito de São Paulo-FGV, 80% dos brasileiros considera fácil desobedecer a lei no Brasil e para 56% dos entrevistados existem poucas razões para uma pessoa seguir a lei em nossa pátria. A pesquisa mencionada chega a uma conclusão bastante interessante para esse estudo

As situações em que o brasileiro mais respeita a lei – situações com menor subíndice de comportamento – têm um perfil semelhante de indicadores: indicador de moralidade bastante elevado e altos indicadores de controle social e instrumentalidade. Os resultados revelam que quanto maior a desaprovação social diante da realização de uma conduta, maior é a possibilidade de a lei ser cumprida. Nos casos em que se verificou um maior respeito à lei (“levar itens baratos de uma loja sem pagar por eles”, “dar dinheiro a um policial ou outro funcionário público para evitar ser multado”, “usar carteira de estudante para pagar meia entrada, sem ser estudante”), nota-se que os indicadores de controle social são mais elevados (acima de 69%). Já nos casos em que há menor respeito à lei (“comprar produtos piratas”, por exemplo), o indicador de controle social é mais baixo em comparação às outras situações, representando 56%. Do mesmo modo, quanto maior a probabilidade de alguém ser punido por ter realizado determinada conduta, maior é a incidência de declarações de entrevistados informando que agiram em conformidade com a lei. (CUNHA; e outros, p. 29)

Diante da situação até aqui apresentada, o presente artigo busca, através de pesquisa bibliográfica tendo como obra principal o livro A Lei de Fréderic Bastiat e usando como auxiliares ensinamentos do filósofo inglês Roger Scruton, do economista austríaco F.A. Hayek, entre outros, vislumbrar um sistema jurídico capaz de fazer imperar a lei, uma lei conexa a ideia de justiça que é o único meio pelo qual uma democracia pode se efetivar, uma vez que não há democracia onde a lei não vincula a todos e, para vincular a todos, essa lei precisa ser efetiva, justa e sustentável. O objetivo é contribuir para uma das mais legitimas aspirações brasileiras, uma república onde a lei seja efetiva, imperativa e ofereça segurança em todos os seus aspectos.

 Democracia e Estado de Direito

De acordo com Neto e Tasinafo (2006) a história da democracia se confunde com a história do Estado de Direito, uma vez que o embrião da democracia foi a imposição das leis a figura dos monarcas. Tudo começa com o monarca inglês João Sem Terra, ao qual foi imposta a Magna Carta, documento que pela primeira vez colocava um sistema legal pré-estabelecido acima da vontade do rei, que até então, seguindo as premissas do direito divino dos reis, governava por um sistema de decretos reais aos quais não cabia questionamento, já havia nessa altura o direito dos costumes na Inglaterra, mas estes acabavam por não vincular o rei que possuía um poder legislativo praticamente ilimitado.

A história prossegue até as chamadas revoluções liberais, onde segundo Neto e Tasinafo (2006) a burguesia ascendente, descontente com o papel político periférico e com entraves promovidos pela coroa ao comércio livre somado a questões de cunho religioso derrubaram a monarquia inglesa e fizeram vigorar um período republicano, tal período apesar de sua tendência autocrática foi extremamente favorável a burguesia, mas o cansaço republicano veio na esteira da radicalidade puritana de Oliver Cromwell e quando esse faleceu restaurou-se a monarquia, mas essa monarquia agora era constitucional parlamentarista, o rei teve de se comprometer a contentar-se com o poder executivo e a respeitar a legislatura do parlamento que passa a ditar os rumos da política econômica e tributária. Com o passar dos anos, a democracia foi se aprofundando e não mais se tolerava um executivo que não estivesse ancorado no voto popular, o caráter executivo do poder real foi cada vez mais cedido à figura do primeiro ministro eleito via eleição parlamentar, e no presente momento, os monarcas, não apenas na Inglaterra mas também na maior parte das monarquias restantes no mundo, não detém poderes muito além de cerimoniais.

Nas repúblicas, vê-se que seguem modelos distintos de organização republicana, a baseada na Revolução Americana e a baseada na Revolução Francesa. Segundo Bastiat (2019) o modelo republicano dos Estados Unidos era baseado num ordenamento jurídico focado em garantir a liberdade dos indivíduos e para isso a Lei americana assumia um caráter negativo, que objetivava impedir a injustiça e, entende-se por injustiça aqui agressão ao direito alheio, mas não a qualquer direito, aos considerados direitos naturais que para o autor visavam garantir intactos a sua vida, personalidade e liberdade. Já o modelo francês era baseado num ordenamento jurídico que além de liberdade objetivava o alcance da fraternidade e igualdade material. O autor critica o modelo francês, pois segundo ele a fraternidade em questão era forçada pelo Estado e a igualdade se baseava num crescente espólio legalizado e isso anulava por completo a liberdade. A grande questão para Bastiat era que o império da lei não é algo intrinsecamente bom, o que vai determinar a benignidade do Estado de Direito é a qualidade das leis e não apenas sua imperatividade.  

            Para Bastiat (2019) a qualidade das leis, seus objetivos e sua quantidade poderiam facilmente solapar a segurança dos homens e que a depender disso o aprofundamento da democracia acabaria por ser viciado pelo sistema de espólio legalizado, para o autor a história mostrava que as monarquias europeias, em regra, não passavam do espólio de poucos (realeza e aristocracia) contra muitos (povo) e que a democracia proposta na primeira e segunda república francesa não corrigia o caráter das leis vigentes, o que faria que a democracia se torna-se o espólio de todos contra todos. Mas afinal, qual o conceito de espólio do autor?

Não uso, como se faz com excessiva frequência, numa acepção vaga, indeterminada, aproximativa, metafórica: sirvo-me dele em sentido totalmente científico, exprimindo a ideia contrária à ideia de Propriedade. Quando uma porção de riquezas passa de quem a adquiriu, sem seu consentimento e sem compensação, para quem não a criou, seja por força ou por artifício, digo que há um atentado contra a Propriedade, que há Espoliação. (BASTIAT, 2019, p. 62)

Sendo assim, conclui-se que Estado de direito é a situação jurídica na qual todos estão debaixo da Lei, e de Lei democraticamente concebida, e que sem essa situação não há democracia plena, mas a qualidade e o objetivo dessas leis também interferem na plenitude da democracia e no oferecimento de uma ordem social segura por parte das leis, pois um sistema legal, mesmo que democraticamente estabelecido e mesmo que impere sobre todos os cidadãos, pode envenenar a democracia pelo ataque a segurança se este for um ordenamento jurídico baseado no espólio.

 Lei e justiça

Para Bastiat (2019) lei e justiça devem ser a mesma coisa, e a definição de ambas não está disponível para ser construído de acordo com as opiniões das pessoas e nem de acordo com teorias políticas, justiça é um conceito que está na realidade e que podemos reconhece-la por meio do raciocínio. O autor alega que a única concepção sustentável e justa de direito é que este é a organização coletiva do direito a auto defesa e manutenção do princípio de não agressão, ou seja, as pessoas tem direitos naturais que devem ser respeitados, assim sendo, viva sua vida respeitando o direito naturais alheios e estará praticando a justiça.

            A visão de Bastiat coaduna com a visão do filósofo inglês Roger Scruton, para Scruton (2019) justiça está intrinsecamente ligado a ideia de direitos naturais dos indivíduos, a síntese da visão de ambos os autores determina que para reconhecer se uma lei é justa deve-se analisar primeiramente se ela respeita os direitos inerentes das pessoas: vida, liberdade, personalidade e propriedade e também se essa lei faz algo que seria crime um indivíduo fazer, Bastiat (2019, p. 57) explica “É preciso averiguar se a Lei executa, em benefício de um cidadão e em detrimento dos outros, um ato que esse cidadão não poderia ele mesmo executar sem cometer um crime”.

            E o Brasil, onde entra em meio a essa discussão jusfilosófica? O nosso país atualmente tem uma infinidade de leis e diplomas legais e isso evidencia duas coisas: o protagonismo do Estado em relação à sociedade civil e um déficit civilizatório. O protagonismo estatal é certamente uma herança da mentalidade de um dos homens que por mais tempo governou o Brasil, Getúlio Vargas, segundo Neto e Tasinafo (2006) Getúlio Vargas assumi o poder após um golpe de estado que objetivava retirar do governo a oligarquia dos donos de terra e produtores de café que haviam sequestrado o país para realizar algo que Bastiat chamaria de espoliação de poucos contra muitos, o mais grave era a aparência de democracia que estava viciada pelo poder econômico-militar da elite nacional.

A Revolução de 1930, que ocorreu no intuito de terminar com o poder oligárquico já nasceu viciada, era liderada pelo estado de Minas Gerais, que cujos políticos eram co-protagonistas  do sistema vigente e estes não se arrependeram de seus feitos e enxergaram a justiça de um estado liberal pautado nas liberdades individuais e livre concorrência, estavam apenas inconformados com a traição dos seus outrora parceiros paulistas. Embora houvesse na revolução um discurso moralizador, disposto a entregar o poder ao povo e construir uma democracia liberal moderna o que parece ser o motivo de fato por trás dessa movimentação é apenas o desejo da oligarquia mineira de preservar poder.

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Mas ninguém foi tão crucial para que após a Revolução de 1930 reina-se o protagonismo estatal do que Getúlio Vargas, com seu claro pensamento fascista,  carisma e habilidade política típica de um populista, ele pode ser considerado o pai da mentalidade estatista nacional, que aparentemente agora está se dissipando com a ascensão de uma agenda conservadora (no sentido Burkeano do termo), que por sua vez é liberal na economia.

A Constituição de 1937 tinha um caráter autoritário e centralizador e foi obra de Francisco Campos, então ministro da Justiça de Vargas, que recebeu a incumbência de elaborá-la. Ela foi inspirada em Cartas fascistas, como a polonesa, e por isso ficou conhecida como Polaca. Depois de pronta, recebeu a aprovação do presidente e do general Eurico Gaspar Dutra, ministro da Guerra. Por ela, aumentava-se consideravelmente a intervenção estatal na economia e a criação de órgãos técnicos voltados para esse fim. Dava ênfase ao sindicalismo em moldes corporativos e descartava o parlamento e os partidos políticos, tidos como marcas da democracia liberal, que o governo tributava como responsável pelas instabilidades políticas vividas no período. O pode concentrou-se no Executivo, nomeava os interventores nos Estados, que por sua vez nomeava as autoridades municipais, criando uma cadeia política de apoio ao chefe da nação. (NETO; TASINAFO, 2006, p. 667)

Desde Vargas, prevalece no Brasil a ideia de que cabe ao Estado através das leis planejar a economia, mas não apenas isso, ao governo cabe planejar a economia, as cidades, o combate à pobreza, o modo pelo qual as regiões vão crescer de forma igualitária e com isso se chega à conclusão que prevalece no país a ideia do Estado gestor de pessoas. Se o Estado gere pessoas, significa que a lei aqui parte do pressuposto de que as pessoas não devem gerir suas próprias vidas, e se as pessoas não devem gerir suas próprias vidas por qual razão elas deveriam gerir o Estado? Perceba como a lógica intervencionista mina a democracia plena.

A origem desse mal está no fato de que nosso ordenamento jurídico não concebe justiça como sinônimo de lei, e não concebe nenhum deles como a organização coletiva do direito a legitima defesa e não agressão. A concepção de justiça reinante aqui é o planejamento que leva ao fim das desigualdades e isso é feito através da institucionalização da agressão a vida, liberdade e propriedade privada.

 O poder dos legisladores

Quanto maior o poder do estado, maior o poder de seus dirigentes. Como a nossa república concebe que lei é o meio pelo qual o estado vai organizar a vida das pessoas em seus mais diversos aspectos, então, o poder maior aqui está nas mãos dos legisladores, apesar disso o sentimento popular acredita, falsamente, que o mesmo está nas mãos do Presidente da República, mas a verdade é que esse se encontra nas mãos do parlamento federal.

Geralmente quem limita o poder das legislaturas de produzirem leis de forma abusiva ou despropositada é a constituição, mas a Constituição Federal de 1889 com seu caráter dirigista é na verdade um incentivo aos legisladores infraconstitucionais a expandir sem muito critério e de forma descontrolada o ordenamento jurídico e isso constitui um péssimo incentivo as pessoas, o incentivo para elas se candidatarem a uma legislatura ou pensando nelas próprias ou em alguma facção em detrimento do conjunto das pessoas ou em combinação das duas vontades.

Para Bastiat (2019) na sua obra A Lei, publicado originalmente em 1850, a França de sua época, sob a influência da Revolução Francesa, passava pelo mesmo problema, a Assembleia Nacional se achava no direito de legislar sobre absolutamente tudo. Todos os aspectos da vida francesa estavam sendo regulados e isso tornava o Estado um ente totalitário. Para o autor ao invés da visão de lei como a organização coletiva do direito a legitima defesa e proteção ao princípio de não agressão os legisladores nacionais, perseguindo a completa igualdade material através de filantropia forçada consagravam um ordenamento jurídico baseado na espoliação e, na medida que havia o aprofundamento da democracia com a instituição do sufrágio universal, o Estado francês se tornara um meio pelo qual grupos diversos buscavam fazer leis para a espoliação da propriedade alheia.

Até hoje, a espoliação legalizada era exercida por poucos sobre muitos, como se vê entre os povos em que o direito de legiferar está concentrado nas mãos de alguns. Porém, quando ele se torna universal, surge a busca pelo equilíbrio na espoliação universal. Em vez de extirpar aquilo que a sociedade continha de injustiça, esta é generalizada. Assim que as classes despossuídas recuperam seus direitos políticos, seu primeiro pensamento não é libertar-se da espoliação (isso suporia nelas um esclarecimento que não podem ter), mas organizar, contra as outras classes e em detrimento próprio, um sistema de represálias – como se fosse necessário que antes, antes da chegada do reino da justiça, uma cruel retribuição viesse golpear todos, uns por causa de sua iniquidade, outros por causa de sua ignorância. (BASTIAT, 2019, p. 48)

A questão que é levantada pelo economista francês, e que se aplica perfeitamente ao Brasil desde o Estado Novo, é a ideia de que todos devem legitimamente querer tirar algo do governo que não podem tirar do fruto do seu trabalho, mas o governo tira tudo que tem do contribuinte e se você retira algo do governo na verdade de quem você está retirando são dos pagadores de impostos, dos cidadãos. Por exemplo, a indústria nacional se vê no direito de tirar do Estado proteção acerca da competição contra a indústria estrangeira, então recorre a lei para taxação do produto importado, mas quem paga por isso? O consumidor. O servidor público se vê no direito de ir ao Estado para ter benesses que o trabalhador da iniciativa privada, mesmo produzindo muito mais não tem, quem paga por isso? O trabalhador da iniciativa privada. A agricultura se vê no direito de ter proteção contra o produto estrangeiro, então ele recorre a lei para instituir taxas de exportação, quem paga por isso? Todos, pois os alimentos ficarão mais caros. O advogado se vê no direito de livrar da justiça o cliente culpado, ele então recorre a lei para instituir um excesso de direitos no processo penal ao réu, o chamado garantismo hiperbólico monocular, quem paga por isso? O cidadão que fica à mercê de uma criminalidade impune.

A situação até aqui explanada mostra o poder que o legislador tem numa sociedade assim e como ele tem todos os motivos para se corromper nesse processo. A solução apresentada por Bastiat é relativamente simples.

De fato, se a Lei se limitasse a fazer respeitar todas as Pessoas, todas as Liberdades, todas as Propriedades, se ela fosse apenas a organização do Direito individual de legítima defesa, o obstáculo, o freio, o castigo contraposto a todas as opressões, a todas as espoliações, alguém crê que discutiríamos muito, entre os cidadãos, o sufrágio mais ou menos universal? Alguém crê que ele colocaria em risco o maior dos bens, a paz pública? Alguém crê que as classes excluídas não esperariam pacificamente sua vez? Alguém crê que as classes admitidas seriam tão ciosas assim de seu privilégio? E não é claro que, sendo o interesse idêntico e comum, uns agiriam, sem grande inconveniente, pelos outros? (BASTIAT, 2019, p. 53)

Legisladores muito poderosos significa indivíduos com fragilizado controle sobre si mesmos, é uma ameaça à liberdade individual e, sendo assim, uma ameaça à democracia.

O agigantamento estatal e o aprofundamento da polarização política

Hayek (2010) argumenta que o que levou ao regime nazista na Alemanha era a fé na ideia de que o Estado deveria planejar a economia e consequentemente a vida das pessoas, o autor argumenta que não pode haver liberdade política onde não há liberdade econômica. Em sua obra O caminho da servidão, o Nobel de economia mostrava como o pensamento que levou a Alemanha a um caminho de dor e tragédia tomava paulatinamente a mente da intelectualidade e de políticos no Reino Unido e que isso pavimentaria a um autoritarismo naquele país. De fato a Inglaterra foi se tornando uma país inviável após o fim da Segunda Guerra Mundial, greves todos os dias, sindicatos sequestrando o país, inflação, até que Margareth Thatcher, influenciada pelos ensinamentos de Hayek, mudou o foco do Estado, a busca pela igualdade material foi trocada pela efetivação da liberdade e o Reino Unido manteve-se entre as dez maiores economias do mundo, algo que antes dela parecia ser impossível de acontecer, parecia que o Reino Unido estava fadado a se tornar um país de terceiro mundo.

Ocorre que a fé na ideia de que o Estado deva fazer o planejamento central da economia está impregnado na intelectualidade brasileira, e foi consagrada na Constituição de 1988 que adotou o dirigismo constitucional. O resultado dessa mentalidade no Brasil não foi diferente do resultado no Reino Unido, a partir de 2014 o país viveu sua maior crise econômica, a porcentagem de inflação e de desemprego passaram dos dois dígitos, estados precisaram de socorro federal para não quebrarem e a União precisou fazer um duro ajuste fiscal e empreender reformas para não falir também. O dirigismo estatal não se restringe ao campo da economia, isso nunca acontece. O excesso de regulações quebra o aspecto solene que toda lei deve ter, isso somado ao fato de que no Brasil está previsto punições a muitas coisas, mas o fato de tais punições não serem rígidas parece tornar a lei algo cerimonial ao invés de operacional.

Isso nos traz a realidade da sociedade atual, não apenas no Brasil, a polarização direita versus esquerda se aprofunda em todo mundo democrático. Na Europa, nos E.U.A e na América Latina, por qual razão isso ocorre? a Resposta segundo Bastiat (2019) é essa: leis que versam sobre a liberdade, a personalidade e patrimônio alheio. A solução? Leis que versem exclusivamente sobre a proteção ao direito do indivíduo, de sua liberdade, personalidade e patrimônio. Tomemos como exemplo o poder do Presidente da República Federativa do Brasil, quanto menos poder ele tiver, menos razão para me desentender com meu compatriota sobre quem deve ser eleito para o cargo, e isso se aplica ao legislativo e judiciário, em especial ao Supremo Tribunal Federal. Mas o problema é que a intromissão legal na vida alheia está na agenda tanto da direita como da esquerda.

Conclusão

O brasileiro não vê o império da lei no país, há uma sensação generalizada de que a lei não é respeitada e que seu descumprimento passa impune, o cidadão percebe que como é fácil desobedecer a lei e não ser punido, então não há incentivo para práticas legais. Por outro lado, o brasileiro é mais sensível a reprovação social de condutas, um freio que a sociedade civil proporciona em substituição a sansão estatal. Apesar disso, o brasileiro é um povo que vive sobre um excesso de leis e diplomas legais e contra isso ele não se coloca, pois tem fé que um dia poderá viver num império da lei.

Para ajudar a compreender e efetivar o anseio do brasileiro por uma realidade de mais respeito às leis, estudamos a obra mais famosa de Frédéric Bastiat, recorremos também a ensinamentos de outros autores como Hayek e Scruton. Para Bastiat, a lei nada mais é que a organização coletiva do direito à legítima defesa e manutenção do princípio de não agressão, o ordenamento jurídico que passa disso institui leis injustas, que promovem a espoliação legal ao invés da proteção dos direitos naturais. Esse tipo de compreensão da lei como forma de o Estado moldar a sociedade de acordo com teorias políticas em detrimento do costume do povo leva a um ambiente onde os diversos grupos que compõe a sociedade creem ter o legítimo direito de tirar algo de outros grupos. Ao fim disso, ninguém quer cumprir a lei, mas recriminam o outro que não as cumpre.

No Brasil, como herança da mentalidade fascista do Getúlio Vargas, tem-se a visão da lei como meio pelo qual o Estado deva dirigir e planejar os mais variados aspectos da vida nacional, ou seja, o governo é o protagonista e o indivíduo o coadjuvante. Adota-se aqui estritamente o modelo que Bastiat identificou na França de sua época, a espoliação legal, pois o corporativismo getulista nada mais é que a institucionalização da espoliação de todos contra todos da qual falou Bastiat. Ademais, em relação ao Direito Penal aprofundou-se após a confecção da atual constituição um garantismo exacerbado que pune com poucos anos de prisão crimes gravíssimos como homicídio, estupro e roubo o que faz aumentar sensação de impunidade.

A ideia que o presente estudo oferece ao Brasil na sua busca por se tornar um império da lei que orgulhe seus cidadão é abandonar o dirigismo constitucional, a ideia de que cabe ao Estado planejar a economia, abandonar a ideia de que cabe ao Estado fazer justiça social e focar na justiça em seu entendimento clássico.

A fim de se justificar, o plano socialista recruta todas as instituições e mesmo a linguagem para seu propósito. Por exemplo: ele descreve a igualdade econômica forçada a que aspira como “justiça social”, mesmo que ela só possa ser obtida através de expropriação injusta de bens obtidos por meio de acordos livres. (SCRUTON, 2019, p. 95)

Também deve o Brasil, abandonar o garantismo exacerbado e seguindo a lógica de que a lei é a organização coletiva do direito à legítima defesa e manutenção do princípio de não agressão punir com rigor os crimes que atentem contra a vida, a personalidade e a propriedade: roubo, corrupção ativa e passiva, homicídio, estupro, latrocínio, furto.

 Referências bibliográficas

BASTIAT, Fréderic. A Lei; tradução de Pedro Sette Câmara. – São Paulo: LVM Editora, 2019.

CUNHA, Luciana Gross e outros. Relatório IPCLBrasil – 1º semestre de 2015. In http://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/bitstream/handle/10438/14133/Relatorio-IPCLBrasil_1o_Sem_2015.pdf?sequence=1&isAllowed=y. Disponível em 14/01/2020.

HAYEK, Friedrich August Von. O Caminho da Servidão – São Paulo: Instituto Ludwig Von Mises Brasil, 2010.

NETO, José Alves de; TASINAFO, Célio Ricardo. História Geral e do Brasil – São Paulo: HABRA, 2006.

SCRUTON, Roger. Conservadorismo: um Convite à Grande Tradição; tradução de Alessandra Bonrruquer. – 1ª ed. – Rio de Janeiro: Record, 2019.

Sobre o autor
Atos Henrique Fernandes

Pesquisador e escritor

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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