O presente “Breves Comentários”, utilizando-se como parâmetro o Direito Disciplinar positivado pela Polícia Militar de Minas Gerais, vem apresentar uma leitura analítica sobre a possibilidade (ou não) do ‘efeito suspensivo’ após a Primeira Instância Recursal Administrativa. Sobre o determinado assunto, o Código de Ética dos Militares do Estado de Minas Gerais, dentre as suas deliberações formalmente legais, determina que:
Art. 60. Da decisão que aplicar sanção disciplinar caberá recurso à autoridade superior, com efeito suspensivo, no prazo de cinco dias úteis, contados a partir do primeiro dia útil posterior ao recebimento da notificação pelo militar.
Parágrafo único: Da decisão que avaliar o recurso caberá novo recurso no prazo de cinco dias úteis.
Sobre a temática, admitindo o viés polêmico do tópico, o grande doutrinador Maurício José de Oliveira, que na opinião deste Autor, na atualidade, trata-se do maior processualista disciplinar do Brasil, entende que:
A esse respeito, o que se percebe é que, não sendo o efeito suspensivo um atributo inerente ao recurso, deve a lei de regência atribuí-lo expressamente, o que não ocorreu no caso em tela. Nesse sentido, mesmo antes da edição do MAPPA, o TJM-MG já havia se posicionado pela existência do efeito suspensivo somente em primeira instância (...). [OLIVEIRA, 2016]
Com o pedido de todas as vênias, respeitando o posicionamento do nobre Oficial da PMMG, ousa-se discordar do seu entendimento. Cabe observar que, inicialmente faz sentido a leitura realizada pelo MAPPA. De fato, no parágrafo único, do artigo citado, do CEDM, em tese, deveria atribuir expressamente o efeito suspensivo como um atributo inerente ao recurso.
Não obstante, a referida leitura praticada pelo Manual da PMMG, na prática – dentro dos conceitos históricos e sociológicos do constitucionalismo –, apenas se estabelece como uma interpretação literal da norma. Essa espécie de interpretação jurídica limita-se a fixar o sentido da própria redação normativa, basicamente traduzindo questões de obscuridade, mediante confronto ou conexão entre significado de cada palavra e o contexto redacional. Trata-se de um método interpretativo limitado ao contexto da própria norma destacada. O que pode impossibilitar uma análise mais aprofundada de cada norma, sob o ângulo do conjunto legislativo de um Estado.
Ao que parece, a leitura mais apropriada ao caso é sob a ótica da INTERPRETAÇÃO SISTÊMICA. Essa espécie interpretativa jurídica, trata-se de um método mais avançado de leitura. Compara o dispositivo em debate – com referência ao mesmo objeto – com outros do sistema diversificado de leis, tendo por base, nos estados de direito, a Constituição Federal. Permitindo uma análise ontológica de cada norma.
Dito isso, observe que toda norma legislativa de um Estado de Direito, deve está de acordo com a sua Carta Magna. Nesse prisma, no Brasil, a Constituição Federal, no seu art. 5º, LVII, determina que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”; não sendo permitido, na observação da ‘Pirâmide de Kelsen’ (ou na evolução piramidal), que uma lei menor, ou norma que a regulamente, exerça força contrária ao mandamento constitucional. Exatamente como se verifica na leitura do art. 403 – do MAPPA, ao negar o efeito suspensivo, no âmbito das Instituições Militares do Estado de Minas Gerais, sem o trânsito em julgado da própria Administração institucional.
Sob tal aspecto, para este Autor, juridicamente parece o mais correto, que em todas as instâncias recursais previstas no CEDM/MG, em sentido contrário à descrição do MAPPA, apresente como característica o ‘efeito suspensivo’, não podendo o acusado ser sancionado disciplinarmente, sem antes haver o trânsito em julgado administrativo – etapa processual que não permitirá mais nenhum recurso na seara disciplinar.
Importa relatar ainda que, mesmo para aqueles que são favoráveis à prisão após julgamento colegiado no Direito Penal (segunda instância regular) – discutido pelo STF no julgamento conjunto das ADCs 43, 44 e 54 –, assim como este Autor; no âmbito disciplinar a análise difere sensivelmente. Diferentemente da lógica criminal, na seara disciplinar todas as instâncias recursais são responsáveis pela análise formal e material dos fatos recorridos, e que foram produzidos nos autos, não se constituindo o trânsito em julgado recursal em nenhuma das etapas permitidas. Sob o âmbito criminal, essa construção é possível, sendo verificado que a análise material apenas ocorre em sede de primeira e segunda instâncias, formando, intrinsecamente o trânsito em julgado sob o mérito discutido, logo após o julgamento dos tribunais de justiça. Nessa via, os tribunais superiores são apenas cortes de análise formal.
No mesmo sentido, interessante destacar também que, o TJM/MG, tendo por base a negativa do efeito suspensivo aos recursos administrativos a partir da 2ª Instância, prevista no art. 403 – do MAPPA, utiliza-se como parâmetro ao Direito Disciplinar uma analogia feita junto à norma do Código de Processo Civil [por exemplo: Processo nº 000767-26.2014.9.13.0002]. Logicamente, respeitando o posicionamento daquele egrégio Tribunal, tem-se que, o conceito utilizado visivelmente não é a melhor alternativa interpretativa ao caso.
Objetivamente, no âmbito do Direito Disciplinar, a analogia pode ser buscada na seara Processo Civil, todavia, essa busca só pode ser levada em consideração diante da inexistência de três pilares do Direito, como ciência. O primeiro é a inexistência da norma dentro do próprio Direito Disciplinar (no caso específico, inexiste a norma legislativa).
O segundo dos pilares indica que a analogia deve ser pensada como possibilidade de complemento entre dois ramos similares. Assim, analogia feita junto à norma do Código de Processo Civil, é válida, desde que, no âmbito mais simétrico ao Direito Disciplinar inexista de uma norma similar àquela buscada.
Sobre essa simetria, importante destacar que, mesmo que o art. 15 – do CPC, molde que seja feita sua aplicação supletiva/subsidiária ao Direito Administrativo, objetivamente essa aplicação deve ser integrada ao tema, ou seja, no caso concreto, o mandamento do processual civil, deverá ser compatível com o regime disciplinar. Cabe atenção que, a norma suspensiva estabelecida no Processo Civil, não tem qualquer similaridade com o Direito Disciplinar. Sobre o tema, a doutrina já estabeleceu forte convicção, advertindo que:
(...) na aplicação supletiva/subsidiária não se pode transpor do Código, para os demais sistemas processuais específicos, regras que não se coadunem com o espírito da regulamentação processual em particular (...). Deve existir compatibilidade do dispositivo transplantado com o ordenamento em que recebido, sob pena de ocorrer rejeição aquele. [DUARTE, 2015]
Nesse compasso, o Direito Penal, e grande parte do seu processo, é seara jurídica mais homogênea ao Direito Disciplinar, e que, na maioria das vezes, lhe traz segurança, sustentando os seus limites. É no efeito suspensivo dialogado no ramo do Processo Penal que o Direito Disciplinar encontra compatibilidade, de forma a permitir a integração. Conciliando as essências das duas searas. Devendo ser pensada a analogia, no caso específico do efeito suspensivo no Recurso Disciplinar, às regras estabelecidas no Processo Criminal, em momento anterior à possibilidade ao Direito Processual Civil, visto a incompatibilidade do dispositivo a ser transplantado no CPC àquele ponto específico do ordenamento disciplinar (no caso em análise, o próprio inciso LVII, do art. 5º – da Constituição Federal, indica a existência de legislação criminal apropriada para a analogia aqui em estudo).
Por fim, o terceiro pilar, trata-se de uma análise ao próprio contexto da analogia. Isto é, a analogia como forma de integração de uma regra. No caso disciplinar – assim como nos outros ramos jurídicos –, essa integração é utilizada quando há lacuna na norma específica, ou seja, não havendo norma válida aplicável à hipótese. A analogia, porém, só é cabível quando for favorável ao acusado – in bonam partem, não sendo admitida quando for prejudicial à defesa – in malam partem (no caso específico, fica evidenciado que o instituto da analogia utilizada com o Processo Civil foi prejudicial ao acusado).
Por tais critérios, o atual entendimento jurisprudencial, no que diz respeito à analogia buscada na Lei Instrumental Civil, nos casos do efeito suspensivo previsto no art. 60 – CEDM/MG, está frontalmente em desacordo com a lógica do Processo Constitucional Brasileiro, e ao próprio desenvolvimento sociológico da hermenêutica jurídica, representado na figura da integração do Direito, com fundamento científico, por analogia.
Diante do exposto, salvo melhor juízo, obviamente a orientação prevista no § 1º, do art. 403 – do MAPPA, é por completa inconstitucional. Nula de pleno direito. Devendo ser cassada judicialmente, pela instância competente. Podendo, no caso específico, mesmo que se trata de norma local, desde que adequado ao sistema da repercussão geral (precedentes), chegar ao STJ ou ao próprio STF, principalmente, tendo em vista a atual corrente interpretativa do TJM/MG.
Fontes Bibliográficas:
OLIVEIRA, Maurício José de. Comentários ao Código de Ética e Disciplina dos Militares de Minas Gerais – CEDM: Lei nº 14.310, de 19 de junho de 2002, 2ª ed. Belo Horizonte: Diplomata Livros Jurídicos e Literários, 2016, p. 290.
DUARTE, Zulmar. Comentários ao art. 15 do CPC, In, GAJARDONI, Fernando da Fonseca. Teoria geral do processo: comentários ao CPC de 2015: parte geral. São Paulo: Forense, 2015, p. 170.