Em tempos de relevante preocupação da sociedade em face dos assustadores índices da violência em todo o país, os questionamentos acerca da eficiência do trabalho das polícias e o descrédito na prevenção são os principais problemas enfrentados pelos comandantes das Polícias Militares no Brasil.
Segundo o monitor da violência, o Brasil teve 39.527 homicídios registrados nos nove primeiros meses do ano de 2018 e 30.864 no mesmo período de 2019. Todavia, ainda que com uma considerável redução de 22% do número de mortes, os números são extremamente elevados e preocupantes.
A competência das polícias no Brasil está disciplinada no art. 144 da Constituição Federal de 1988 e reserva a Polícia Militar a responsabilidade pela prevenção e restauração da ordem pública, uma vez que haja a sua quebra. Por outro lado, o papel investigativo de polícia judiciária é de competência exclusiva das polícias Civil e Federal, conforme a previsão legal para apuração do delito em face da sua natureza, abrangência e complexidade.
Ocorre que, a pressão da sociedade e da imprensa pela redução dos índices da violência tem mobilizado os Comandos das Polícias Militares no sentido criar ferramentas que acompanhem a produtividade das unidades policiais subordinadas, como sistemas informáticos de registro para mensuração do número de prisões em flagrantes, apreensões de armas de fogo, drogas e conduções para a delegacia.
O processo de registro e acompanhamento da produtividade policial militar gerou impactos diretos na disputa pelo melhor posição no ranking das unidades operacionais, haja a vista o acirramento das disputas pela promoção de oficiais e a natural competividade alimentada durante a formação militar.
Não raro, as prisões em flagrante realizadas pela Polícia Militar têm tido questionadas a sua legitimidade e o não atendimento dos requisitos legais. Os comandantes não tem hesitado em utilizar o serviço de inteligência interno das unidades para deflagrar grandes Operações, que, apesar de usurparem a competência constitucional e investigativa das Polícias Civil e Federal, resultam em significativas apreensões de drogas, produtos de crime e desbaratamento de quadrilhas especializadas em roubos de veículos. Porém, ressalte-se, sem nenhum valor probatório legítimo e com potencial incriminador na esfera processual.
O problema não é tão simples, além da ilegitimidade da prisão por vício de usurpação de competência outros problemas se apresentam, como a deflagração de ação penal pelo próprio juízo da audiência de custódia em face do abuso de autoridade praticado ao se efetivar o encarceramento ilegal de qualquer cidadão, o que coloca não somente os policiais que efetivaram a prisão na condição de réus, mas também o próprio comandante da unidade policial que deflagrou a operação.
A teoria da árvore dos frutos envenenados condena toda prova judicial produzida ilegalmente, bem como as que dela derivarem. A boa doutrina, trazida neste artigo através dos conceitos de Didiér Jr. (2015), destaca que prova ilegítima é aquela que contém vício processual, enquanto que a prova ilícita contém vício de natureza material.
E não é só a usurpação de competência o único vício identificado nas prisões realizadas pela Polícia Militar, pois é corriqueiro o relaxamento da prisão em razão da violação do domicílio, desatendendo as hipótese de exceção ex legis, como a flagrância de delito, o desastre, a prestação de socorro ou a prisão por ordem judicial durante o dia, esta última hipótese, que conforme o novo CPC/2015, devem os atos processuais serem praticados das 06h às 20h.
Ainda assim, pode-se somar ao pacote de ilegalidades a prisão praticada com violência ao custodiado, o que pode ser facilmente comprovado através do exame de lesões corporais, de obrigatória realização pelo delegado de polícia durante a formalização do auto de prisão em flagrante, ressalvada a punibilidade nos casos de resistência a prisão ou nas hipóteses que excluem a ilicitude do crime, como a legítima defesa, o estrito cumprimento do dever legal, o exercício regular do direito e o estado necessidade.
Em entrevista a um dos comandantes Operacionais da Polícia Miliar do Estado Bahia, o qual por motivos óbvios não terá a sua identidade preservada, ao ser perguntado sobre a crescente pressão pela produtividade na PM, reverberou:
As consequências atingem também a saúde mental, é difícil dormir sob pressão, tratar dos problemas familiares quando se tem uma insegurança em relação ao cargo que ocupado, precisamos matar um leão por dia. E muitas vezes o uso da inteligência é na busca de suprir as deficiências da instituição coirmã, sem viaturas, com limitação de combustível e um déficit histórico de recurso humano e tecnologia.
As alegações são notoriamente verídicas , no entanto, o custo benefício é que não é plausível, pois além de infringir normas legais constitucionais e arrastar tantos outros policiais para a alça de mira do Ministério Público, o desejo do reconhecimento e da sobreposição na lista de promoção por merecimento pode esbarrar na própria lei, uma vez que a polícia do Estado Democrático de Direito deve zelar por direitos e garantias individuais, não devendo sucumbir as pressões pelo aumento da produtividade.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: jun2019;
DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil. 17. Ed. Salvador: Ed. Jus Podivm, 2015, v.1;
G1.COM. Número de pessoas mortas pela Polícia no Brasil cresce 18% em 2018; assassinatos de policiais caem. Disponível em: https://g1.globo.com/monitor-da-violencia/noticia/2019/04/19/numero-de-pessoas-mortas-pela-policia-no-brasil-cresce-em-2018-assassinatos-de-policiais-caem.ghtml. Acesso em: 16jun2019;
G1.COM. Brasil registra queda de 22% nas mortes violentas em 9 meses, revela índice nacional de homicídios. Disponível em: https://g1.globo.com/monitor-da-violencia/noticia/2019/11/25/brasil-registra-queda-de-22percent-nas-mortes-violentas-em-9-meses-revela-indice-nacional-de-homicidios.ghtml