O Superior Tribunal de Justiça reconheceu que a Administração Pública pode responder civilmente pelos danos causados por seus agentes, ainda que estes estejam amparados por causa excludente de ilicitude penal. Jurisprudência em Teses – Edição nº 61
Essa diretriz é adotada no seguinte julgado:
ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. AGRESSÃO SOFRIDA POR SEGURANÇAS DO PRONTO SOCORRO. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. VALOR FIXADO NA INSTÂNCIA ORDINÁRIA. REVISÃO. IMPOSSIBILIDADE. REEXAME DE MATÉRIA FÁTICA. SÚMULA 7/STJ. 1. A matéria pertinente ao art. 188, I, do Código Civil não foi apreciada pela instância judicante de origem, tampouco foram opostos embargos declaratórios para suprir eventual omissão. Portanto, ante a falta do necessário prequestionamento, incide o óbice da Súmula 282/STF. 2. A alteração das conclusões adotadas pela Corte de origem para aferir os elementos caracterizadores da responsabilidade civil, inclusive no tocante à existência de legítima defesa, demandaria, necessariamente, novo exame do acervo fático-probatório constante dos autos, providência vedada em recurso especial, conforme o óbice previsto na Súmula 7/STJ. 3. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça admite, em caráter excepcional, que o montante arbitrado a título de danos morais seja alterado, caso se mostre irrisório ou exorbitante, em clara afronta aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. No caso, a agravante não foi capaz de demonstrar que o valor da indenização seria excessivo, não logrando, portanto, afastar o óbice da Súmula 7/STJ. 4. Agravo interno a que se nega provimento. (AgInt no AREsp 1093481/SP, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 25/10/2018, DJe 06/11/2018)
Excludentes do dever de indenizar
As excludentes do dever de indenizar são as seguintes: i) excludentes de ilicitude (legítima defesa; estado de necessidade; remoção do perigo iminente; exercício regular de direito ou das próprias funções); ii) excludentes do nexo de causalidade; e iii) cláusula de não indenizar.[1]
Excludentes de ilicitude
Basicamente, as causas que excluem a ilicitude da conduta do agente estão elencadas no artigo 188 do Código Civil.
De acordo com essa norma, não constituem atos ilícitos: i) os atos praticados em legítima defesa ou no exercício regular de um direito reconhecido; ii) a deterioração ou destruição da coisa alheia, ou a lesão a pessoa, a fim de remover perigo iminente. Nesse caso, o ato só será legítimo somente quando as circunstâncias o tornarem absolutamente necessário, não excedendo os limites do indispensável para a remoção do perigo.
O indicado artigo estabelece hipóteses de danos provocados por atos lícitos. Esses atos lícitos são os atos praticados em legítima defesa, no exercício regular de um direito reconhecido, ou ainda para remover perigo iminente. Na hipótese de remoção de perigo iminente o ato deve ser absolutamente necessário, além de praticado sem excesso.[2]
As definições de estado de necessidade e legítima defesa podem ser encontradas nos artigos 24 e 25 do Código Penal.
De acordo com o art. 24 do Código Penal, considera-se em estado de necessidade quem pratica conduta para salvar de perigo atual, que não provocou por sua vontade, nem podia de outro modo evitar, direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável exigir-se.
A despeito dessa regra, não pode alegar estado de necessidade quem tinha o dever legal de enfrentar o perigo. Entretanto, embora seja razoável exigir-se o sacrifício do direito ameaçado, a pena poderá ser reduzida de um a dois terços, nos termos do § 2º, do mencionado art. 24.
Já o art. 25 do Código Penal considera em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem.
Com relação ao exercício regular do direito, o enunciado 553 das jornadas de direito Civil do CJF prevê que nas ações de responsabilidade civil por cadastramento indevido nos registros de devedores inadimplentes, realizados por instituições financeiras, a responsabilidade civil é objetiva.
De acordo com o art. 929, do Código Civil, se a pessoa lesada, ou o dono da coisa, no caso do inciso II do art. 188 (deterioração ou destruição de coisa alheia, ou lesão a pessoa), não forem culpados do perigo, assistir-lhes-á direito à indenização do prejuízo que sofreram.
Por fim, o art. 930 do Código Civil esclarece que, no caso do inciso II do art. 188 (deterioração ou destruição de coisa alheia, ou lesão a pessoa), se o perigo ocorrer por culpa de terceiro, contra este terá o autor do dano ação regressiva para haver a importância que tiver ressarcido ao lesado. Em complemento, o parágrafo único prevê que a mesma ação competirá contra aquele em defesa de quem se causou o dano (art. 188, inciso I)
Excludentes do nexo de causalidade
Existem outras causas que excluem a responsabilidade, mesmo que o dano decorra de um ato ilícito.
São situações em que há a eliminação do nexo causal entre o dano e a ação ou omissão do agente, como é o caso da força maior, do caso fortuito e da culpa exclusiva da vítima, como previsto no artigo 393 do Código Civil.
Convém lembrar que o nexo causal é um dos elementos da responsabilidade civil, que liga a conduta ao dano. O nexo causal é acentuado pela culpa, nas hipóteses de responsabilidade subjetiva, ou pela previsão legal de responsabilização sem culpa (em virtude de conduta ou de risco), na responsabilidade objetiva.
São quatro as excludentes do nexo de causalidade: i) culpa ou fato exclusivo da vítima; ii) culpa ou fato exclusivo de terceiro; iii) caso fortuito, ou ocorrência de evento totalmente imprevisível; c) força maior, ou ocorrência de um evento previsível, porém inevitável.
Sobre o caso fortuito e a força maior, merecem destaque os conteúdos dos artigos 393 e 399 do Código Civil.
Segundo o art. 393 o Código Civil, o devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado. O parágrafo único, por outro lado, prevê que o caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujo efeito não era possível evitar ou impedir.
Já o art. 399 do Código Civil indica que o devedor em mora responde pela impossibilidade da prestação, embora essa impossibilidade resulte de caso fortuito ou de força maior, se estes ocorrerem durante o atraso. Essa regra não se aplica se houver prova de isenção de culpa, ou de que o dano sobreviria ainda quando a obrigação fosse oportunamente desempenhada.
Cláusula de não indenizar
Por fim, a clausula de não indenizar também é uma causa excludente do dever de indenizar.
Considerando a natureza pública da responsabilidade extracontratual, e sua consequente indisponibilidade, a cláusula de não indenizar só será admitida, em tese, para os casos de responsabilidade contratual.
Além disso, conforme previsão dos artigos 25 e 51, I, do CDC, nos contratos de consumo é nula a clausula que exclua o dever de indenizar.
O artigo 424 do Código Civil também prevê que nos contratos de adesão serão nulas cláusulas que excluam o dever de indenizar.
No mesmo sentido, nos contratos de transporte, conforme previsto no artigo 734 do Código Civil, e no enunciado 161 da Súmula da Jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal, considerar-se-á nula a clausula que preveja a exclusão do dever de indenizar.
Essas previsões justificam-se, inclusive, pelo princípio da função social do contrato, concretizado na norma do artigo 421 do Código Civil.
Confira os seguintes enunciados da VIII Jornada de Direito Civil do CJF:
ENUNCIADO 629 – Art. 944: A indenização não inclui os prejuízos agravados, nem os que poderiam ser evitados ou reduzidos mediante esforço razoável da vítima. Os custos da mitigação devem ser considerados no cálculo da indenização.
ENUNCIADO 630 – Art. 945: Culpas não se compensam. Para os efeitos do art. 945 do Código Civil, cabe observar os seguintes critérios: (i) há diminuição do quantum da reparação do dano causado quando, ao lado da conduta do lesante, verifica-se ação ou omissão do próprio lesado da qual resulta o dano, ou o seu agravamento, desde que (ii) reportadas ambas as condutas a um mesmo fato, ou ao mesmo fundamento de imputação, conquanto possam ser simultâneas ou sucessivas, devendo-se considerar o percentual causal do agir de cada um.
ENUNCIADO 631 – Art. 946: Como instrumento de gestão de riscos na prática negocial paritária, é lícita a estipulação de cláusula que exclui a reparação por perdas e danos decorrentes do inadimplemento (cláusula excludente do dever de indenizar) e de cláusula que fixa valor máximo de indenização (cláusula limitativa do dever de indenizar).
Referências
Para aprofundamento dos estudos sobre a responsabilidade civil do Estado confira os seguintes volumes:
ALVIM, Agostinho. Da Inexecução das Obrigações e suas Conseqüências Jurídicas. 2ªed. São Paulo: Saraiva, 1955.
AMARAL JÚNIOR, Alberto do. “A responsabilidade pelos vícios dos produtos no código de defesa do consumidor”. Revista de Direito do Consumidor. n.2. Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor. São Paulo, RT, 1992.
AMARANTE, Aparecida. Responsabilidade Civil por dano à honra. 4ªed. Belo Horizonte: Del Rey, 1997.
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[1] “Quanto à proteção ressarcitória da confiança, assim compreendido o dever de o Estado reparar danos causados em face da frustração de confiança legitimamente depositada por terceiro em atos estatais, deve-se ter como precursor, em solo pátrio, uma vez mais, o texto de Almiro do Couto e Silva, acerca de problemas resultantes do planejamento. Em tal texto, ainda sob a égide da Constituição revogada, já se afirmou que, diante de promessas firmes, precisas e concretas perpetradas pelo Estado, “a alteração posterior do plano, ainda que efetuada mediante lei, implica o dever de indenizar os danos decorrentes da confiança...”.Tal cenário mostra-se ainda mais evidente sob a égide da Constituição vigente, não somente por termos uma matriz normativa constitucional direta sobre o tema da responsabilidade civil do Estado (art. 37, § 6º, da CF/88), mas especialmente pelo status constitucional que vem merecendo o princípio da proteção da confiança legítima. Diante disso, mostra-se inegável a responsabilidade civil do Estado por frustração de legítimas expectativas depositadas por terceiros em favor de suas condutas.” MAFFINI, Rafael. Princípio da proteção da confiança legítima. Enciclopédia jurídica da PUC-SP. Celso Fernandes Campilongo, Alvaro de Azevedo Gonzaga e André Luiz Freire (coords.). Tomo: Direito Administrativo e Constitucional. Vidal Serrano Nunes Jr., Maurício Zockun, Carolina Zancaner Zockun, André Luiz Freire (coord. de tomo). 1. ed. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2017. Disponível em: https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/120/edicao-1/principio-da-protecao-da-confianca-legitima
[2] De acordo com o art. 186, do Código Civil, quem, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, pratica um ato ilícito. O artigo 187, do Código Civil, ao tratar do abuso de direito, indica, de forma complementar, que também cometerá um ato ilícito o titular de direitos que, ao exercê-los, exceda de forma manifesta os limites estabelecidos pelo seu fim econômico, seu fim social, pela boa-fé ou pelos bons costumes. Já o art. 188, do Código Civil, ressalva que não constituem atos ilícitos: i) os praticados em legítima defesa; ii) os praticados no exercício regular de um direito reconhecido; iii) a deterioração ou destruição da coisa alheia, ou a lesão a pessoa, a fim de remover perigo iminente. Neste caso, o ato só será legítimo se as circunstâncias o tornarem absolutamente necessário, não excedendo os limites do indispensável para a remoção do perigo.