Os que um dia conheceram os negros abismos nos quais pode precipitar-se a alma humana, esses juram ser pior o esquecimento que o desprezo. Chamavam os antigos região do esquecimento à própria morte, porque o mesmo era morrer que ser esquecido.
E quão facilmente deitamos ao olvido até aqueles ilustres varões dignos de eterna memória!
De todas as profissões é a Advocacia Criminal, sem contradição, a que mais padece os efeitos desse cruel estigma; ninguém mais esquecido que o criminalista, a começar pelo cliente. O dia do benefício é já a véspera da ingratidão!
Houve alguém, contudo (Deus louvado!), que, no intuito de pôr cobro às injúrias do tempo, tomou sobre si o árduo e grave encargo de registrar para a posteridade, com arte e talento, os nomes daqueles vultos singulares que a classe dos advogados tem entre os seus maiores tesouros: Rui Barbosa, Antônio Covello, Brasílio Machado, Evaristo de Morais, Sobral Pinto, Dante Delmanto, Américo Marco Antônio, Evandro Lins e Silva, Raimundo Pascoal Barbosa, Paulo José da Costa Jr., Waldir Troncoso Peres e muitos outros, os quais, graças ao advogado e insigne escritor Pedro Paulo Filho, foram “libertos da lei da morte”([1]).
Grandes Advogados, Grandes Julgamentos é livro que não apenas acrescenta a glória de seu autor, enriquece também a literatura jurídica nacional.
Minucioso inventário de causas célebres e vasta notícia de seus patronos, encerra boa doutrina, sempre viva na tradição cultural dos povos, que manda educar e instruir as gerações à luz do exemplo daquelas grandes figuras do passado, porque protagonistas e artífices da História, que é, na opinião de Cícero, “a testemunha dos tempos, a luz da verdade, a vida da memória, a mestra da vida, a mensageira da antiguidade”([2]).
Mas, donde vem que, sendo em princípio tão copiosos os livros que trataram o mesmo assunto([3]), conquistasse para logo o de Pedro Paulo Filho número extraordinário de leitores!?
A primeira razão é que as tragédias humanas, quando submetidas ao veredicto da Justiça, adquirem sempre relevo e espertam geral interesse. Quer saber o vulgo, por direito seu natural, se o autor do fato que se debateu nas barras criminais saiu justificado ou recebeu castigo, “pois cada um deve ter o que merece”([4]).
A Humanidade vela sempre pela vitória do bem contra o mal!
Outro motivo, por que se recomenda à leitura o livro Grandes Advogados, Grandes Julgamentos, é que, precioso repositório de casos do júri, traz igualmente o resumo dos argumentos jurídicos da Acusação e da Defesa na discussão do processo no plenário, fonte inexaurível de ideias e ensinamentos para quem deseja ascender um dia à tribuna do júri.
Vem a ponto notar que, distintíssimo advogado do júri, Pedro Paulo Filho deu à sua obra também o valor inestimável de cátedra, na qual, em atraentes preleções, professou o Direito Penal, o Direito Processual Penal e a Arte Oratória.
A boa fortuna com que soube escolher e reproduzir, em primorosas narrativas, os “grandes julgamentos” constitui atributo excelente do livro. Coisa difícil, em verdade, era selecionar entre milhares de casos forenses, aqueles em que, para gáudio e proveito do leitor, a celebridade do fato e das pessoas que nele foram parte pudesse concorrer com a alta reputação dos “grandes advogados”. E isto não apenas hoje e entre nós, mas em todos os tempos e lugares.
E seria mesmo invencível a dificuldade([5]), não nos deparasse a Providência quem a quisesse afrontar: e esse foi Pedro Paulo Filho, que aos raros predicados de inteligência e consumada literatura aliou a paixão do estudo e da arte, o ideal de bem servir e, sobretudo, o amor imenso à Advocacia.
Ao demais — grande mérito do livro! —, foi escrito em linguagem polida e estilo elegante, o que lhe torna a leitura em extremo agradável e lisonjeira.
De seu autor e da obra não se pudera dizer menos do que o profundo Antônio Vieira na aprovação do livro clássico de Luís de Sousa: “O estilo é claro com brevidade, discreto sem afetação, copioso sem redundância, e tão corrente, fácil e notável que, enriquecendo a memória e afeiçoando a vontade, não cansa o entendimento”([6]).
Os que, por ônus do ofício, amor do estudo ou salutar hábito de boa leitura, tiverem ocasião de ler Grandes Advogados, Grandes Julgamentos serão alcançados em grande dívida para com o seu benemérito autor — o exímio advogado Pedro Paulo Filho —, que lhes tirou a público livro que não somente deleita o ânimo, senão ainda ilustra e aprimora os cabedais do espírito.
Pedro Paulo Filho
(Tribuno do Júri e elegante escritor)
Notas
([1]) Camões, Os Lusíadas, I, 15.
([2]) “Historia vero testis temporum, lux veritatis, vita memoriae, magistra vitae, nuntia vetustatis” (De Oratore, lib. II, cap. IX, 36).
([3]) Os “Casos do Júri” constituem gênero literário de que se ocuparam notáveis e laureados publicistas: Henri Robert, Os Grandes Processos da História, 1943; Alberto de Carvalho, Causas Célebres Brasileiras, 1898; Carlos de Araújo Lima, Os Grandes Processos do Júri, 1955; Sousa Costa, Grandes Dramas Judiciários, 1944; Alcântara Silveira, Grandes Julgamentos da História, 1968; Paulo José da Costa Jr., Crimes Famosos, 2003, etc.
([4]) “A pena traduz, primacialmente, um princípio humano por excelência, que é o da justa recompensa: cada um deve ter o que merece” (Nélson Hungria, Novas Questões Jurídico-Penais. p. 131).
([5]) “Não há matéria no mundo mais perigosa que medir sangues e pesar talentos”, escreveu o discreto Francisco Manuel de Melo (Apólogos Dialogais, 1920, p. 315).
([6]) Cf. Luís de Sousa, História de S. Domingos, 1767, 3a. parte, p. VI.