WHATSAPP, O APLICATIVO LEGAL É LEGAL NO BRASIL?

14/02/2020 às 19:16
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Pesquisa relacionada à legalidade de atuação do aplicativo WhatsApp frente à Lei de Interceptação Telefônica, tendo em vista a impossibilidade de monitoramento das comunicações no aplicativo mesmo com ordem judicial.

WHATSAPP, O APLICATIVO LEGAL É LEGAL NO BRASIL?

Daniel Nazareno de Andrade[1]

Sonia de Oliveira[2]

RESUMO

A dicotomia entre a utilização do aplicativo Whatsapp no Brasil e o respeito às legislações pátrias é o ponto central do estudo, tendo em vista a utilização de criptografia nas comunicações realizadas nas trocas de mensagens e conversas por áudio e vídeo, o que prejudica as investigações criminais com a impossibilidade de realizar o monitoramento dessas conversas. A análise da utilização do Whatsapp se faz importante, sua legalidade em relação às normas afins brasileiras, em especial a Lei de Interceptações Telefônicas e o Marco Civil da Internet comparadas aos princípios constitucionais, além do que, o estudo das decisões judiciais proferidas que afetaram e podem afetar a utilização do aplicativo Whatsapp pela população brasileira é de grande relevância devido ao enorme prejuízo que pode gerar tal bloqueio na vida dos brasileiros, por potro lado, o estudo da tecnologia envolvida em seu funcionamento para garantir a privacidade nas comunicações e os entraves que essa tecnologia causa para as autoridades nas investigações criminais, considerando, então, que ainda há muito campo a ser explorado e grandes problemas surgirão entre essa dicotomia de privacidade e segurança, visto que a privacidade nas comunicações é garantia de confiança nas transações comerciais e privadas, preserva os princípios constitucionais aos usuários, mas que se faz importante a busca de um método de garantia da privacidade das pessoas de bem e que também possibilite a interceptação das comunicações, em caso de crime, pelas autoridades competentes e autorizadas.

Palavras – chave: Ciência. Tecnologia. Crime. Intimidade. Comunicação.

1.INTRODUÇÃO  

A presente pesquisa segue rumo aos anseios e dúvidas presentes na sociedade contemporânea, com apoio da criminologia para o estudo de comportamentos humanos e da sociedade, além de busca dos motivos reais e obscuros do Direito Penal para a dita proteção da sociedade e garantia da paz social por meio da proteção penal.

O presente trabalho olha para uma forma moderna de comunicação entre os seres humanos que em sua maioria a utiliza de maneira socialmente aceita, mas em certos casos pode e é utilizada para o cometimento de crimes, e que mesmo havendo autorização judicial de monitoramento de conversas telefônicas e telemáticas, as autoridades policiais não alcançam sucesso em interceptar as comunicações feitas pelo aplicativo WhatsApp, sendo este então o aplicativo foco desta pesquisa, sabe-se que há outros nestes mesmos moldes mas que não alcançaram a importância daquele para a realidade brasileira.

Com base em pesquisas bibliográficas, análise de jurisprudências e outras referências sobre o assunto, este estudo levanta as legislações penais e extravagantes, bem como, princípios constitucionais atrelados ao uso do aplicativo WhatsApp e o seu procedimento em caso de autorização de interceptação telefônica, bem como, do funcionamento do aplicativo e os percalços encontrados quanto ao direito à segurança pública em contraposição ao direito constitucional de sigilo das comunicações, questionando e apontando elementos sobre a legalidade do aplicativo WhatsApp no Brasil.

O presente trabalho se divide de tal maneira que primeiramente se debruça no estudo do funcionamento do aplicativo WhatsApp, em especial, sobre o uso de criptografia de ponta a ponta na comunicação, em seguida se pauta ao estudo da legalidade e constitucionalidade do aplicativo frente à lei, Constituição Federal e à segurança pública, tendo em vista que os problemas apontados com a impossibilidade da interceptação de conversas é agravado quando esse comportamento se volta para o crime.

Se dá, ainda, ênfase ao estudo da Lei de Interceptação Telefônica com uma abordagem constitucional levantando conflitos entre a lei, a Constituição e os princípios alegados pela empresa WhatsApp Inc. para negar o cumprimento das decisões judiciais. Esse estudo almeja, também, uma resposta aos conflitos entre a intimidade e a segurança que, no entanto, ainda não foi respondido pelo Supremo Tribunal Federal que está analisando o caso para proferir sua decisão.

A dificuldade em localizar bibliografia sobre o tema, tendo em vista a atualidade do assunto, faz com que as pesquisas se virem para diversas mídias, inclusive audiovisuais, ensejando em alguns momentos em fontes não seguras ou de difícil referência para um trabalho acadêmico. O estudo de horas de vídeos de especialistas no assunto, além de diversas reportagens de páginas da internet, que no entanto, várias vezes não apresentam fontes fidedignas, acarretando grande obstáculo para a elaboração do presente artigo.

Ao final, o estudo apresentado tende a deixar ainda uma incógnita sobre o tema devido ao não julgamento de pontos importantes que estão sobre o manto do Supremo Tribunal Federal que se prepara e estuda o assunto, inclusive com a realização de audiência pública para fundamentar a decisão que irá afetar a vida de muitos brasileiros.

2.O APLICATIVO WHATSAPP E O SEU FUNCIONAMENTO.

O cenário que se vê hoje é a utilização em massa de um aplicativo de celular em território nacional que afirma e garante que não respeitará qualquer determinação judicial de quebra de sigilo das comunicações telefônicas (WHATSAPP INC., 2018) desrespeita as ordens judiciais de autoridades brasileiras e afirma que só obedece às leis estrangeiras e com os critérios que a empresa entender como justos e dentro de seus interesses, conforme o item de informações para as autoridades policiais disponíveis no sítio eletrônico da empresa.

Cabe então no presente tema trazer à baila mais argumentos sobre essa discussão dentro dos direitos e garantias do cidadão brasileiro, em especial aos direitos à intimidade, à segurança, à comunicação, mas também aos critérios estabelecidos pelas normas brasileiras para o fornecimento de informações e o cumprimento de determinações previstas em leis.

  1. WHATSAPP E COMUNICAÇÃO CRIPTOGRAFADA.

Neste capítulo será feita uma abordagem sobre a descrição e o funcionamento do aplicativo de comunicação WhatsApp e os parâmetros de sigilo das comunicações realizadas por ele, um dos temas chave para este estudo pois o imbróglio está justamente entre o acesso das comunicações e a quebra da criptografia do aplicativo.

Especificamente se busca o estudo do uso do aplicativo de mensagens instantâneas denominado WhatsApp, que de acordo com a missão da empresa publicada no sítio oficial (https://www.whatsapp.com) o referido aplicativo foi uma opção ao conhecido sistema de troca de mensagens instantâneas pela rede celular chamado SMS, sendo que além do texto troca também arquivos de mídia, vídeos, documentos e localização, bem como, realiza também chamada de voz, tudo isso com proteção de criptografia de ponta a ponta, o que, segundo a empresa, isso garante que nem mesmo eles tenham acesso ao conteúdo trocado pelos usuários, sendo ressaltado que o desejo da corporação é que a comunicação aconteça sem barreiras.

Com a utilização da tecnologia da informação, cada vez mais acessível à população brasileira, a comunicação imediata e instantânea se torna algo tangível para todas as classes sociais e regiões do país, essa comunicação se faz de modo seguro hoje em dia graças a uma ferramenta que está presente nas mãos dos mais simples usuários, que podem não entender nada de tecnologia mas se utilizam dela no dia-a-dia e têm a necessidade de se comunicar de maneira segura e privada, o que é proporcionado atualmente pelo uso da criptografia nas conversas realizadas por alguns aplicativos, o principal deles é o WhatsApp.

Cabe esclarecer o que é a criptografia utilizada na comunicação realizada por este aplicativo, pode-se denominar o termo em questão e outros importantes para a comunicação conforme segue:

Antes de começar, definimos alguns termos. Uma mensagem original é conhecida como texto claro (ou plaintext), enquanto a mensagem codificada é chamada de texto cifrado (ou ciphertext). O processo de converter texto claro em texto cifrado é conhecido como cifragem ou criptografia; restaurar o texto claro a partir do texto cifrado é a decifragem ou decriptografia. Os muitos esquemas utilizados para a criptografia constituem a área de estudo conhecida como criptografia. Esse esquema é conhecido como sistema criptográfico ou cifra. As técnicas empregadas para decifrar uma mensagem sem qualquer conhecimento dos detalhes de criptografia estão na área da criptoanálise. A criptoanálise é o que os leigos chamam de “quebrar o código”. As áreas da criptografia e criptoanálise juntas são chamadas de criptologia. (STALLINGS, 2008, p. 18)

Essa forma de embaralhar o conteúdo da mensagem a ser transmitida é usada na comunicação desde os primórdios da humanidade, sempre se buscou uma forma de se comunicar de maneira sigilosa, estratégias de guerra, na proteção de segredos das nações, a quebra desses sigilos fez grande diferença e mudou o rumo da humanidade.

Os primeiros traços do instituto remontam de cerca de 3.000 anos antes de Cristo, na era Babilônica 3, e seus usos mostravam-se essencialmente políticos e militares. São os hieróglifos identificados no Egito os primeiros sinais de criptografia conhecidos, inicialmente considerados impossíveis de serem lidos e que, a partir do achado da pedra de Roseta no século XIX, puderam ser compreendidos. (SYDOW, 2017)

Trazendo para uma linguagem mais entendível sobre o assunto, a criptografia hoje em dia é usada em diversos modos de comunicação, conforme Sydow (2017), ela garante as transações bancárias, comunicações entre as pessoas e empresas de maneira segura, mantendo o sigilo e a privacidade, converte os dados legíveis em dados não legíveis que só podem ser entendidos pelo usuário que possui a chave adequada para a conversão, mas até que ponto essa privacidade se dá sem que seja prejudicial aos poderes públicos?

Entretanto, essa ferramenta que hoje em dia é usada para embaralhar os arquivos enviados pela rede mundial de computadores faz com que a comunicação não possa ser entendida por nenhum intermediário que porventura venha a ter acesso aos pacotes de dados transmitidos na rede pública, o que garante o sigilo das comunicações, mas que afeta, e muito, as investigações criminais quando as autoridades necessitam ter conhecimento das conversas e demais informações e as comunicações estão sendo usadas para o cometimento de crimes.

O funcionamento da comunicação realizada pelo aplicativo WhatsApp é baseado na aplicação de criptografia de ponta a ponta, ou seja, embaralha a mensagem de uma forma que somente o destinatário que recebe a chave de descriptografia possa realizar a leitura entendível da referida mensagem.

Acontece que a empresa WhatsApp Inc. alega que não possui a chave de acesso que se encontra apenas em cada aparelho que está se comunicando, e mesmo com a decisão judicial determinando que a empresa forneça os dados não há obediência, com isso, já houve bloqueio do serviço por autoridades judiciais brasileiras, além de diversas multas à empresa, alega ainda, que não possui sede no Brasil e que as autoridades brasileiras não possuem jurisdição sobre seus servidores que estão em países diversos (WHATSAPP INC., 2018).

Essa situação tem gerado imbróglio entre o judiciário que ainda não possui entendimento sobre o tema que, inclusive, é matéria de procedimentos de grande relevância no Supremo Tribunal Federal, Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5527, cuja relatora é a ministra Rosa Weber, e na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 403, relatada pelo ministro Edson Fachin, e sem previsão de julgamento da matéria que recentemente teve uma audiência pública para discussão dos seus efeitos na sociedade (STF, 2017), tendo em vista diversos assuntos que estão envolvidos neste tema como direito à liberdade de expressão, intimidade, privacidade, segurança pública, sessão esta que é de grande relevância e teve a participação de diversos órgãos e entidades interessados pelo assunto na sociedade, além das partes no processo, sendo trazido o conhecimento de diversos especialistas para apresentar suas visões e conhecimentos para subsidiar a decisão do Supremo Tribunal Federal a fim de definir um pronunciamento vinculante sobre o uso do aplicativo WhatsApp.

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3.WHATSAPP FUNCIONANDO E QUANTO À LEI, CONSTITUIÇÃO E SEGURANÇA PÚBLICA?

Tão importante destacar os pontos sobre os bloqueios judiciais que afetaram o funcionamento do aplicativo ora estudado, entretanto, as decisões foram proferidas em processos que estão sob segredo de justiça e isso, infelizmente, impossibilita tal estudo sobre a proporcionalidade das decisões e se foram aplicadas sanções menos gravosas antes do bloqueio total da aplicação, pontos que permanecerão obscuros para a presente análise, que no entanto, será realizada por presunção com a apresentação das legislações, decisões proferidas pelos tribunais superiores e a Constituição Federal.

Vale destacar os princípios constitucionais afetados, sendo eles a liberdade de expressão, privacidade, direito à comunicação e à segurança pública, temas atuais e estão diretamente ligados ao aplicativo tão adorado pelos brasileiros, mas que têm trazido grandes dilemas a serem enfrentados pelos operadores do direito, neste capítulo serão abordados os conflitos legais e constitucionais com o uso atual do WhatsApp e seus efeitos na segurança pública e na intimidade das pessoas.

  1.  PREVISÃO LEGAL E CONSTITUCIONAL PARA A INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA.

O presente capítulo aborda decisões que foram proferidas determinando o bloqueio do aplicativo WhatsApp e o tratamento que tiveram em instâncias superiores, bem como, os princípios constitucionais que foram afetados e como são previstos na Constituição Federal e na legislação infraconstitucional. Trata ainda de ponto relevante em que a legislação infraconstitucional aborda assunto além do previsto e amparado pela Constituição Federal, assunto polêmico que está em plena atualidade.

Mesmo com a estipulação na legislação brasileira de que as comunicações podem ser interceptadas por decisão judicial, conforme previsão constitucional (BRASIL, 1988), como se vê:

Art. 5º...

...

XII É inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal”. (sem grifo no original)

Portanto, pode haver interceptação das comunicações telefônicas por previsão expressa na Constituição Federal, no entanto, é possível entender pelo texto que apenas o sigilo das comunicações telefônicas pode ser violado com ordem judicial, as demais comunicações não podem ser violadas nem mesmo por ordem judicial, tais como as correspondências, comunicações telegráficas e de dados, não caberia autorização judicial nesse ponto, mas, na lei de interceptações telefônicas é mencionado o termo fluxo de comunicações telemáticas e informáticas.

Visto que a comunicação tem preceitos fundamentais na Constituição Brasileira é importante trabalhar com esses temas e trazer visões de estudiosos no assunto, bem como, confrontar com eventuais princípios fundamentais desrespeitados com a garantia do sigilo das comunicações através do WhatsApp. Como lembra Lenza (2011, p. 892) que as comunicações telefônicas só podem ser quebradas para fins de investigação criminal, ou instrução processual penal, e ainda, seguindo os ditames da lei específica.

Em se tratando de normas infraconstitucionais que são previstas na legislação pátria é possível trazer à baila a Lei das Interceptações Telefônicas, Lei Federal nº 9.296/1996, conforme a própria lei ela “regulamenta o inciso XII, parte final, do art. 5° da Constituição Federal” (BRASIL, 1996), ou seja, mais uma vez apenas tratando das comunicações telefônicas. Mas, conforme a lei, ela abrange ainda as comunicações de informática e telemática, uma inovação que se adequa um pouco mais à realidade atual da tecnologia do que o texto da Constituição, mas que por si só, já ensejaria um novo artigo sobre a constitucionalidade dessa abrangência extra ao texto constitucional, como se vê no artigo da lei:

Art. 1º A interceptação de comunicações telefônicas, de qualquer natureza, para prova em investigação criminal e em instrução processual penal, observará o disposto nesta Lei e dependerá de ordem do juiz competente da ação principal, sob segredo de justiça.

Parágrafo único. O disposto nesta Lei aplica-se à interceptação do fluxo de comunicações em sistemas de informática e telemática. (BRASIL, 1996)

Conforme Capez (2008, p. 510) há possibilidade de entender como inconstitucional em parte a Lei Federal nº 9.296/96 quando trata das interceptações de sistemas de informática e telemática pois a Constituição Federal deu margem para interceptação das comunicações telefônicas, mas a lei veio depois ampliar essa questão para comunicações informáticas e telemáticas, que nos interessa aqui.

No mesmo sentido de inconstitucionalidade quanto à interceptação de dados e telegráficas está a interpretação do inciso XII do art. 5º da Constituição Federal feito por Costa Machado et al. (2017, p. 21), pois a lei nova veio mais abrangente do que a Constituição, ou seja, extrapolou a autorização dada pela Constituição Federal em interceptação de dados que até então eram protegidos e sem a permissão dada pela exceção como foi o caso das comunicações telefônicas.

Com autorização judicial, seguindo os procedimentos previstos em demais normas que garantem todo o funcionamento das interceptações telefônicas realizadas em território nacional, é possível a realização de trabalhos investigativos na área criminal em que não há outro meio de investigação a não ser pela interceptação telefônica, método esse que já garantiu a prisão e condenação de inúmeros criminosos que jamais poderiam ser condenados e encarcerados se não fosse a interceptação telefônica.

A lei mesmo sendo bastante clara quanto aos limites e prazos que abrange, ou seja, em quais casos pode ser empregada, qual tipo de crime e pena, além das pessoas que podem ter seu sigilo telefônico quebrado, no caso do aplicativo estudado desrespeita todos esses preceitos quando não fornece aos investigadores com autorização judicial as referidas informações, cabe lembrar que os limites e formalidades que devem ser empregados ao pedido de interceptação telefônica estão previstos na lei Federal nº 9.296/1996, muito bem explanados por Andreucci (2011, p. 439-444).

Também trata do assunto, só que de modo mais abrangente, e não especificamente de interceptação telefônica, mas do uso da internet, a Lei Federal nº nº 12.965, de 23 de abril de 2014, conhecida como Marco Civil da Internet, bem como, seu regulamento, Decreto nº 8.771, de 11 de maio de 2016, porém, em seu texto é possível perceber que as garantias constitucionais mais uma vez se conflitam porque que não há solução inovadora para resolver a causa, e ainda deixa divergências grandes sobre o tema aqui estudado.

Além de tudo, as decisões que foram proferidas pelo judiciário sobre o bloqueio do aplicativo WhatsApp estão em segredo de justiça, o que impossibilita a consulta e análise, no entanto, a última decisão de bloqueio do WhatsApp proferida por um magistrado da Comarca de Lagarto-SE, Juiz de Direito Marcelo Montalvão, nos autos de processo nº 201655090027, gerou questionamento judicial perante o Supremo Tribunal Federal pelo partido PPS (ADPF 403 – STF), o que deu razão para uma audiência pública, conforme informações acima já explanadas, e que ainda não teve decisão proferida até a elaboração deste artigo (SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 2017).

A audiência pública já referida se torna um ponto de relevância no direito cibernético, com a opinião de diversas autoridades e conhecedores do assunto que explanaram seus conhecimentos e experiências boas e ruins em relação ao aplicativo WhatsApp com a intenção de fomentar os subsídios para a decisão em relação aos bloqueios judiciais ao aplicativo e as possíveis violações aos direitos fundamentais de intimidade, liberdade de expressão e comunicação em detrimento ao direito à segurança pública, ao combate ao crime organizado, tráfico de pessoas e de entorpecentes (STF, 2017).

Tal discussão no STF ressalta os conflitos entre privacidade e segurança pública presentes no judiciário brasileiro em relação ao uso do WhtasApp e alguns bloqueios que ocorreram, com isso, deve haver a proporcionalidade para análise das decisões:

Ao decidir, ambos os magistrados entenderam por bem aplicar a sanção prevista no artigo 12 do Marco Civil da Internet, que prevê a possibilidade de bloqueio temporário da aplicação. Apesar de, aparentemente, legítima, a decisão foi duramente criticada, ao passo que privou o acesso de 100 milhões de usuários ao aplicativo. Ora, entendemos que, ao decidir, os magistrados não observaram com o devido cuidado o critério de proporcionalidade para a resolução de tal conflito entre valores fundamentais (privacidade x segurança nacional). (GOMES, 2016, p. 65)

A falta de razoabilidade nas decisões atacadas deu base à revogação dos bloqueios, que agora são pano de fundo na discussão no STF na busca de um parâmetro legal e um equilíbrio entre os preceitos técnicos, a proporcionalidade e razoabilidade nas decisões judiciais, em respeito às legislações pátrias e aos preceitos fundamentais, oxalá cheguem a essa finalidade de equilíbrio entre a possibilidade técnica de privacidade e possibilidade de monitoramento seguro.

  1. CONFLITO ENTRE OS PRINCIPIOS CONSTITUCIONAIS DE SEGURANÇA E INVIOLABILIDADE DAS COMUNICAÇÕES.

Mais um conflito de princípios é apresentado no presente capítulo, entre segurança pública e inviolabilidade das comunicações, que também aborda quais limites o judiciário pode atuar em nome da segurança e quando esses limites podem ser extrapolados ferindo o direito à comunicação, assim também, trata do funcionamento da empresa WhatsApp Inc. em território nacional e o respeito às leis brasileiras, sendo este o pronto de grande importância no estudo ora apresentado, pois é ponto chave para toda a abordagem sobre a atuação e funcionamento do aplicativo WhatsApp dentro dos ditames legais no Brasil.

Importante frisar que a criminalidade não pode se beneficiar dos princípios constitucionais para cometer crimes e agir livremente, bem como, o Estado não pode ignorar os direitos fundamentais do cidadão e o oprimir se submeter a desrespeitos em nome da segurança pública:

A proteção aos direitos fundamentais não pode ser utilizada como instrumento para a prática de atividades ilícitas, ou seja, como um verdadeiro escudo protetivo para a criminalidade, mas, igualmente, não pode ser enfraquecida com a genérica alegação de necessidade de garantia da segurança pública, sob pena de eficácia zero da Constituição Federal, com a transformação de seu texto em letra morta. (MORAES, 2014)

Com isso, Moraes (2014), afirma que é necessário o critério da razoabilidade para que os direitos constitucionais da pessoa sejam quebrados, a Constituição federal garante esse afastamento para que sejam investigados crimes e desde que os requisitos legais sejam respeitados, vale dizer que os bens jurídicos que estejam em conflito devem ser sopesados pelo magistrado na aplicação do caso concreto para que não prive o cidadão de seus direitos fundamentais sem o devido embasamento legal e a seriedade de cada caso.

A decisão de bloqueio do WhatsApp gerou grande repercussão e mesmo o processo estando em segredo de justiça, não sendo possível analisar o caso em concreto para argumentar sobre a razoabilidade da decisão do magistrado, muito se questionou em relação ao posicionamento tomado, como se vê no exemplo a seguir:

Com efeito, atentar para a “realidade da vida” é providência crucial para que uma decisão judicial possa alcançar a sua almejada finalidade social, sem a qual nenhum sentido finalístico restará à mesma. Afinal, como se sabe, o Poder Judiciário é, em última análise, um prestador de serviços para a sociedade e, portanto, precisa estar sempre em perfeita sintonia com os interesses preponderantes da coletividade social. Vale dizer, o Poder Judiciário não serve a si mesmo, muito menos é um fim em si mesmo, e seus operadores, os Magistrados, na qualidade de representantes do Estado-Juiz, não podem estar contaminados pelos vícios da pessoalidade, como bem assim por outros defeitos humanos. (FRIEDE, 2016, p. 239)

Fato é que a decisão causou a polêmica necessária para o questionamento entre a proporcionalidade do bloqueio em relação ao cometimento de crimes e falta de atendimento da empresa para com o Poder Judiciário, chegando o caso à Corte Suprema brasileira, considerando assim o direito social à segurança pública que está previsto na Constituição Federal em seu art. 6º:

Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. (BRASIL, 1998)

Esta previsão de segurança não está ligada a uma garantia individual e sim a um direito social que também está previsto no art. 144 da Constituição Federal como responsabilidade de todo cidadão, essa prerrogativa e também missão do brasileiro, pode dar margem a que seja priorizado um direito social, de todos, em detrimento a uma garantia individual de um ou de poucos indivíduos. Lenza (2011) afirma sobre o direito à segurança somo se vê:

O direito à segurança também aparece no caput do art. 5º. Porém, a previsão no art. 6º tem sentido diverso daquela no art. 5º. Enquanto lá está ligada ideia de garantia individual, aqui, no art. 6º, aproxima-se do conceito de segurança pública, que, como dever do estado, aparece como direito e responsabilidade de todos, sendo exercida, nos termos do art. 144, caput, para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio. (LENZA, 2011, p. 977)

Importante frisar que os direitos fundamentais não são absolutos e podem ser ponderados e afastados, dependendo do caso em concreto, para preservar outro direito fundamental ou mesmo um direito da coletividade, como no caso da segurança pública, vale dizer então que cada caso concreto vai abastecer o magistrado atuante para que seja dada a fundamentação necessária na finalidade de ponderar entre os direitos e garantias individuais, ou mesmo direitos sociais, para o fim de dar a necessária relevância ao bem mais precioso para o momento:

Apesar da relevância ímpar que desempenham nas ordens jurídicas democráticas, os direitos fundamentais não são absolutos. A necessidade de proteção de outros bens jurídicos diversos, também revestidos de envergadura constitucional, pode justificar restrições aos direitos fundamentais. (SARMENTO, 2006, p. 293)

A garantia da liberdade de expressão do indivíduo ou seu direito à intimidade e garantia da inviolabilidade da comunicação não é respaldo para o cometimento de crimes e garantia de proteção para que, caso seja descoberto, com a quebra dessas garantias tenha proteção pelo Estado de seus direitos individuais acima da coletividade e do respeito à segurança pública, isso seria uma grande discrepância em um estado democrático de direito, pois a tolerância com a criminalidade não pode estar nas raízes de uma sociedade justa.

Portanto, vale dizer que a inviolabilidade de correspondência, ou mais modernamente falando, liberdade de comunicação inviolável, não é tão inviolável assim em caso de fundadas razões de cometimento de crimes graves que justifiquem e tenham respaldo legal para a quebra do sigilo dessas comunicações.

Já quanto ao aplicativo WhatsApp, de todo o exposto, a empresa WhatsApp Inc. age fora da legalidade no Brasil pois, desrespeita a lei de interceptações telefônicas, tendo em vista que não obedece a legislação pátria em entregar os dados trafegados entre os investigados, muito menos, procede esse monitoramento em tempo real, simplesmente desrespeita a legislação e não oferece qualquer alternativa a isso, deixa as autoridades brasileiras sem opção alguma para a aplicação da lei 9296/96, alega que não possui condições seguras de fornecer os dados de maneira a garantir a inviolabilidade da comunicação a terceiros, entende que o Brasil não possui jurisdição sobre seus provedores e servidores e que, mesmo que quisesse, não pode realizar a quebra da criptografia que está em cada aparelho de cada usuário e que nem mesmo a empresa possui a condição de decodificar o que está sendo transmitido, com isso, não apresenta solução alguma para as ponderações da Justiça Brasileira, que se vê refém de uma empresa atuante no Brasil mas que não possui sede física aqui, e ainda, seu representante legal, Facebook Brasil, também alega não ser ela a detentora das informações e que não possui qualquer poder de entregar as determinações do Poder Judiciário e que está no Brasil apenas para fins de representação comercial em relação à publicidade da empresa Facebook e não tem ligação com a empresa WhatsApp Inc., afirmando que apenas repassa as determinações judiciais para a empresa que tem sede em outro país (STF, 2017).

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS 

Tratando-se de um aplicativo de celular que realiza comunicações telefônicas, telemáticas, em que pode ser realizada a troca de mensagens escritas, fotos, vídeos e áudios, usado em larga escala no Brasil, essa comunicação se dá de maneira segura, tão segura que nem mesmo as autoridades policiais com autorização judicial conseguem ter acesso a essas informações em razão da criptografia utilizada, método esse que consiste em embaralhar a informação de tal forma que somente o receptor da mídia poderá decriptografar o conteúdo e ter acesso a informação, isso acontece por cálculos matemáticos muito avançados e que levaria séculos para descobrir.

A empresa WhatsApp Inc. não é uma empresa de telefonia, portanto, seus usuários necessitam de conexão com a internet por meio de uma empresa que presta esse tipo de serviço, esta, então, sediada no Brasil, tem condições e obrigações de cumprir as decisões judiciais brasileiras e assim o faz, fornece toda a informação trocada por meio do aplicativo WhatsApp que passa por seus servidores, mas que, em virtude da criptografia, estão embaralhadas e de impossível entendimento, e essas empresas de telecomunicação afirmam que não possuem condições de decodificar a informação, o que é confirmado pela empresa WhatsApp Inc. em suas manifestações.

As normas brasileiras que autorizam o monitoramento de comunicações telefônicas e de telemática estão em perfeita vigência e sendo respeitadas pelas operadoras de telefonia sediadas e em funcionamento no Brasil, sendo as normas vigentes a Lei de Interceptação Telefônica e o Marco Civil da Internet, mas que claramente não são respeitadas pela empresa WhatsApp Inc. que se nega a cumprir as determinações judiciais baseadas nas legislações citadas.

Os princípios constitucionais que são tratados nas normas de monitoramento de ligações telefônicas e de trocas de dados telemáticos, quando ponderados frente ao desrespeito de outros princípios constitucionais podem ser afastados, ou seja, em detrimento de um direito de apenas um ou alguns indivíduos, pode ser dado mais valor ao direito da sociedade de ver garantida a lei e a segurança pública, além de preservar o combate ao crime em seus diversos meios e faces, garantindo ao cidadão comum que respeita a legislação, a confiança que pode realizar suas ações de maneira segura, desde que não esteja cometendo crimes, com isso, os direitos e garantias individuais do cidadão cumpridor das normas fica preservado mas não se permite que essa garantia seja usada como escudo para se cometer crimes.

O direito à inviolabilidade das comunicações telefônicas se mantem preservado, com a modernidade isso se dá pelos meios disponíveis fornecidos pelas operadoras de telefonia, bem como, pela empresa WhatsApp Inc., que empregam tecnologia suficiente para preservar e garantir o sigilo das comunicações, com a diferença que as empresas de telecomunicações sediadas no Brasil fornecem os dados determinados e cumprem todas as decisões judiciais e a empresa WhatsApp Inc. não.

As empresas brasileiras, ou aqui sediadas, mantém o respeito ao direito social de segurança pública quando recebem notificação judicial para a realização de monitoramento telefônico, enquanto a empresa WhatsApp Inc., claramente, desrespeita as determinações de entrega das informações e com isso desrespeita o direito social à segurança pública em benefício ao direito individual da inviolabilidade de comunicação.

Finalmente não há como não ressaltar que a empresa WhatsApp Inc. desrespeita as normas Brasileiras e escolhe o direito individual em detrimento ao direito social à segurança pública, reafirma que segue esses princípios e inclusive parece estar disposta a levar isso até as últimas consequências, em especial por não possuir sede no Brasil, por não possuir servidores físicos aqui e por não estar atrelada às leis brasileiras, como ela mesma afirma, pois segue normas internacionais de proteção à comunicação.

Portanto, por um tempo que não parece ter previsão de fim, teremos a atuação da empresa WhatsApp Inc. dentro do território brasileiro realizando suas atividades normalmente, em desrespeito às leis de monitoramento telefônico e a Constituição Federal, e cada vez mais as decisões judiciais de bloqueio da atuação da referida empresa estão escassas, ainda mais por estarem sendo repletas de críticas dos mais diversos ramos da sociedade que se utilizam do aplicativo em suas ações diárias e se tornam aliados da atuação à margem da lei.

REFERÊNCIAS

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[1] Especialista em Gestão Pública pela UFPR. Especialista em Direito Militar pela UTP. Graduado em Direito pela Unibrasil. Segundo Sargento na Polícia Militar do Paraná, prestando serviço na secretaria criminal da Vara da Auditoria da Justiça Militar Estadual. Cursando Especialização em Direito Penal e Criminologia no Centro Universitário UNINTER.

[2] Mestre em Direito na PUC/PR. Especialista em Direito Criminal pela Unicuritiba. Especialista em Direito do Trabalho pelo Centro Universitário UNINTER. Graduada em Direito pela PUC - PR. Advogada atuante nas áreas trabalhista e cível. Professora Orientadora de TCC no Centro Universitário UNINTER.

Sobre o autor
Daniel Nazareno de Andrade

Bacharel em Direito - 2009 das Faculdade Integradas do Brasil - UniBrasil. Especialista em Gestão Pública - 2013 - UFPR Especialista em Direito Penal Militar Contemporâneo - 2014 - Universidade Tuiuti do Paraná. Especialista em Direito Penal e Criminologia - 2017 - Uninter.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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