UM POSSÍVEL EXEMPLO DE CONEXÃO NO DIREITO PROCESSUAL PENAL
Rogério Tadeu Romano
I - OS FATOS
A relatora da comissão parlamentar mista de inquérito (CPMI) das fake news, deputada Lídice da Mata (PSB-BA), vai acionar o Ministério Público para investigar Hans River do Nascimento, ex-funcionário da Yacows que mentiu durante depoimento e insultou a jornalista Patrícia Campos Mello, da Folha de S.Paulo.
A deputada quer que o Ministério Público apure falso testemunho cometido por Hans em depoimento dado aos membros da comissão na última terça-feira , dia 11 de fevereiro do corrente ano.. Ele foi convocado pelo deputado Rui Falcão (PT-SP) a prestar esclarecimentos na comissão parlamentar mista de inquérito do Congresso, formada por deputados e senadores, que investiga a disseminação de notícias falsas na eleição.
Sem apresentar provas, ele afirmou que Campos Mello queria “um determinado tipo de matéria a troco de sexo”.
Sobre o fato disse a Folha, em editorial, no dia 13 de fevereiro de 2020:
“Convocado a testemunhar na Comissão Parlamentar Mista de Inquérito sobre um esquema fraudulento de disparos de mensagens pelo WhatsApp durante as eleições de 2018, Hans Nascimento, ex-funcionário de uma agência envolvida no escândalo, pôs-se a agredir a jornalista Patrícia Campos Mello, coautora da reportagem que, em dezembro daquele ano, revelou a trama nesta Folha.
Nascimento, que à época contribuiu com a apuração do jornal, pretendeu falsificar os fatos no depoimento prestado a congressistas. Mentiu ao afirmar que não entregou aos jornalistas informações sobre a fraude. Na verdade, repassou naquele período fotos, vídeos e dados, como foi sobejamente demonstrado em reportagem na mesma terça.”
II – A COMPETÊNCIA PARA INSTRUIR E JULGAR OS CRIMES CITADOS
Há na narrativa a presença de condutas envolvendo crimes contra a honra(injúria e difamação) e ainda de falso testemunho. Os dois primeiros crimes são de ação penal privada a ser oferecida pela vítima. Por sua vez, o crime de falso testemunho é de ação penal pública incondicionada, a ser oferecida pelo Ministério Público Federal, uma vez que a vítima, para o caso, é a União Federal, a teor do artigo 109, IV, da Constituição Federal, uma vez que o fato se deu durante apuração em CPMI das fake news, no recinto do Congresso Nacional, em detrimento a investigação por ele promovida.
Vem a pergunta: Poderá ser traçada conexão para definir uma competência única para os julgamentos dos delitos citados?
III – A COMPETÊNCIA RATIONE LOCI
Há a competência ratione loci, onde se aplica o artigo 70 do Código de Processo Penal, em que se observa que a competência será, em regra, determinada pelo lugar em que se consumar a infração, ou, no caso de tentativa, no lugar em que for praticado o último ato de execução.
O critério territorial, diga-se de passagem, de fixação da competência é relativo, que visa ao interesse das partes, ao contrário, do critério de competência absoluta ou constitucional. Mas, uma ou outra podem ser declaradas de ofício. Na incompetência relativa, a defesa deve apresentá-la no prazo da apresentação de sua defesa preliminar, sob pena de preclusão, pois o prazo é peremptório. O Supremo Tribunal Federal entende que a nulidade em face da incompetência absoluta implica nulidade dos atos decisórios e que a incompetência relativa não importa em nulidade de qualquer ato praticado. No Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do EDcl no REsp 355.099/PR, Relatora Ministra Denise Arruda, Relator para o acórdão o Ministro José Augusto Delgado, Dj de 18 de agosto de 2008, entendeu-se que em se tratando de incompetência territorial, caso de natureza relativa, não há que falar em anulação de atos processuais decisórios e não decisórios, pois o juiz declarado competente receberá os autos para prosseguir com os demais atos processuais, reconhecendo-se válidos todos os anteriores praticados pelo juiz reconhecido como relativamente incompetente.
Identificamos 3(três) teorias para o critério territorial:
a) Teoria do resultado: O juízo territorialmente competente é aquele do local onde se operou a consumação do delito. É a chamada teoria prevalente, que ganha relevância, importância, em caso de delitos plurilocais, que são aqueles onde os atos executórios ocorrem em local distinto do resultado, no território nacional;
b) Teoria da atividade: A competência será fixada pelo local da ação ou da omissão, sendo adotada nos crimes tentados e nos Juizados Especiais Criminais(artigo 63 da Lei 9.099/95);
c) Teoria da ubiquidade(mista): A competência territorial é determinada tanto pelo local da ação quanto pelo do resultado, desde que um ou outro aqui ocorram.
Por fim, a competência será determinada pelo domicílio ou residência do réu, nos casos onde for desconhecido o local da consumação(artigo 72, caput, do Código de Processo Penal) ou ainda nas ações penais privadas, quando o querelante optar por ajuizar ação no domicílio do réu ou sua residência(artigo 73 do Código de Processo Penal).
Se além de desconhecido o local da consumação e ainda desconhecido o domicílio ou a residência do réu, que são conceitos de direito civil, aplica-se o artigo 72, parágrafo segundo do Código de Processo Penal, sendo competente o juiz que primeiro tomar conhecimento do fato.
IV – A CONEXÃO
A conexão, sabemos, é forma de modificação de competência.
Trago a conclusão de Pazzaglini Filho (Conexão e continência em processo penal, Justitia 72/23 – 52) para quem motivando a reunião em um processo e consequentemente a unidade de julgamento, a conexão e a continência ¨tem por finalidade a adequação unitária e a reconstrução crítica única das provas a fim de que haja, através de um único quadro de provas mais amplo e completo, melhor conhecimento dos fatos e maior firmeza e justiça nas decisões, evitando-se a discrepância e contradição entre os julgados¨.
Aliás, é possível que da existência de um dos crimes conexos dependa a existência do outro( a do crime acessório com relação ao principal), onde uma verdadeira dependência prévia que aconselha a união dos processos.
Essa interligação entre duas ou mais infrações leva a que sejam julgadas pelo órgão judicial
Estudemos as formas de conexão:
1) Conexão intersubjetiva(artigo 76, I, Código de Processo Penal), onde há infrações penais interligadas que devem ser praticadas por 2(duas) ou mais pessoas:
1.1Conexão intersubjetiva por simultaneidade: na hipótese, ocorrem várias infrações praticadas ao mesmo tempo por várias pessoas reunidas que não estão de forma prévia acordadas;
1.2 Conexão intersubjetiva concursal: ocorre quando várias pessoas, previamente acordadas, praticam várias infrações embora diverso o tempo e o lugar;
1.3Conexão intersubjetiva por reciprocidade: ocorre quando várias infrações são praticadas, por diversas pessoas, umas contra as outras, havendo o que se chama de reciprocidade na violação de vínculo jurídico, algo que se distancia do crime de rixa, crime único.
2) Conexão objetiva, material, teleológica ou finalística(artigo 76, II, do Código de Processo Penal): ocorre quando uma infração é praticada para facilitar ou ocultar outra, ou para conseguir impunidade ou vantagem;
3) Conexão instrumental ou probatória(artigo 76, III, do Código de Processo Penal): ocorre quando a prova de uma infração ou de suas elementares influir na prova de outra infração;
A chamada conexão na fase preliminar investigatória nada mais é que uma forma de conexão instrumental, quando se dá a reunião dos inquéritos, na Polícia, com o objetivo de obter a verdade real e a melhor forma de acompanhar a investigação.
A chamada conexão na fase preliminar investigatória nada mais é que uma forma de conexão instrumental, quando se dá a reunião dos inquéritos, na Polícia, com o objetivo de obter a verdade real e a melhor forma de acompanhar a investigação.
V – CONCLUSÕES
Considera-se que, apesar de distintos em sua natureza e possível repercussão típica, os delitos citados foram praticados, em tese, em circunstâncias idênticas de tempo, lugar e modo de execução.
Pelo fundamentação apresentada pode-se ater que há competência ratione loci e além disso a presença de uma forma de conexão objetiva, seja material, teleológica ou finalística e ainda instrumental ou probatória, envolvendo eventuais ação penal privada e ação penal pública incondicionada em razão dos delitos porventura praticados.
Sem dúvida para a prova de conduta criminal de falso testemunho contribuirá sobremaneira a prova que for encontrada na apuração dos delitos contra a honra, salvo melhor juízo.