Mais impostos na bebida, mais informalidade, produtos contaminados, contrabando e concorrência desleal

03/03/2020 às 16:30
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É difícil fazer reforma tributária em um país em crise econômica e social quase que permanente, onde o governo (municípios, estados e União), no passado, presente e futuro gastam mais do que arrecadam e querem cada vez mais. A carga de impostos já ultrapassa 35% do PIB. E poderosos setores econômicos pressionam por redução do que pagam (muitos justificadamente), enquanto não há apetite por taxar, minimamente que seja, grandes fortunas, heranças ou o 1% mais bem aquinhoado na partilha do bolo.

Mas como deve haver redução da carga para setores que pressionam e o governo quer mais, (em vez de cortar custos), então só resta procurar vacas leiteiras para pagar a conta. Uma delas poderá ser o setor de bebidas alcoólicas, mais uma vez. E para que o aumento de impostos seja palatável à opinião pública, o Ministro Paulo Guedes o chama de “taxa do pecado” e os parlamentares que apoiam a proposta dizem que a bebida está entre os produtos com “externalidades negativas”, merece imposto seletivo, ao lado do cigarro e dos que contém açúcar.

Neste ponto, é importante expor como as coisas realmente são: Produtor e consumidor pagam por uma garrafa de cachaça 81,87% de impostos, de cerveja 55,6%, de vinho nacional 64% e do importado 69%. O refrigerante, que também poderá ser vítima, já paga 46%. Em um simples chopinho pagamos 42,20% de imposto, mais alto que qualquer colarinho branco. E todos sabem da qualidade dos serviços com que o governo retorna, quando retorna.


De “Al Capones” e Lei Seca

Novos aumentos poderão resultar em desarranjos nesse importante mercado, como aconteceu com o do cigarro: bem mais de 50% dos maços vendidos no pais são contrabandeados e o governo vem recebendo tanto menos quanto mais aumentou os impostos, isso sem contar o que gasta para tentar conter o contrabando, polícia federal, criminosos em prisões etc.

O mesmo vale para bebidas: mais impostos, mais informalidade, mais produtos contaminados, mais contrabando e concorrência desleal, de quebra, mais máfias e “Al Capones”. E tem um agravante: informalidade é um risco enorme para o consumidor de bebidas, pois centenas de fabriquetas passarão a funcionar em fundos de quintais, já que haverá centenas de milhares de bares atrás do produto. Se uma fábrica de cerveja de Belo Horizonte, ultra bem cuidada, comete erros.... 

Parece que o Ministro esqueceu da Curva de Lafer ou das lições da Lei Seca, pois algo parecido pode acontecer no Brasil devido ao saco sem fundos da carga tributária.


O ódio, a liberdade de escolha e a felicidade

As pessoas bebem, em geral, quando estão felizes, em companhia de amigos, por divertimento, descontração, comemoração da vida, especialmente chope, caipirinha, bebidas agregadoras, comunitárias. Elas estimulam momentos de amizade, felicidade e vice-versa. Com raras exceções, bebe-se com responsabilidade. Exceções fazem mal em qualquer área, devem ser punidas se for o caso. Pois parece que há gente que generaliza exceções e detesta os prazeres do bar e da bebida, não gosta e não quer que os outros gostem, querem detonar o constitucional direito de escolha, a liberdade de se sentar em uma mesa e tomar um chopinho, a preço ainda acessível para uma boa parte da população, querem restringi-lo a faixa menor de renda, torna-lo carne de primeira. Não por outro motivo, leis tentando restringir ou onerar o funcionamento de bares são tiradas das cartolas mágicas de burocratas e parlamentares regularmente. Sempre os apontando como atividade de pecadores para pecadores.

De fato, o bar é a praia do povo brasileiro, divã do psicólogo, escritório das almas, sempre de portas abertas para quem o quiser, estimulo ao que nos restou de poesia, uma das esperanças para se tirar as pessoas do isolamento estimulado pelas dificuldades da vida moderna, pelo celular, pela TV, com seus filmes violentos e sua publicidade chata, embrutecedora, deletéria, uma das atividades que ajuda a nos manter humanizados.

A esperança de manter-nos reunidos no futuro, em torno de uma mesa, jogando conversa fora cantando, comemorando eventos felizes, reforçando a sociabilidade, a sensibilidade, em vez de enviando mensagens de ódio ao outro pelo WhatsApp.  Savoir vivre, carpe diem, happy hour, mais Dionísio e menos Apolo, o bar é um altar de outro tipo, tem outros cultos. E os drinques são fundamentais para isso, para o bar, que não existiria sem as bebidas. Sua razão de ser, sua maior atração. A ameaça de demonizar a bebida é dirigida diretamente contra a existência do bar, dos prazeres do bar, contra a pessoa humana em sua autonomia. Igualmente seria o resultado pela via indireta do aumento de impostos sobre bebidas. É no mínimo elitizar este que ainda se mantém como uma acolhedora segunda casa dos brasileiros, de todos, sem distinção, um lugar sem um único preconceito.


Mais de dez milhões servindo mais de cento e cinquenta milhões

O que se espera é, pois, se mantida a intenção de taxar a bebida, movimento de resistência do setor econômico, menos low profile da indústria, da população, do comércio, dos que sabem da importância do bar para o turismo, das pessoas que não querem participar do pensamento de que este mundo é vale de lágrimas e é preciso sofrer para merecer o céu, que a vida tem que ser trabalhar ou procurar trabalho, que o governo tem que ser teocracia e intervir na vida dos cidadãos como se estes não soubessem o que querem, que tudo que diverte seja pecado.

Se um brasileiro trabalha cinco meses do ano para pagar impostos, o chopista terá que pagar seis? Bar e chopinho vai ser como carne de primeira, acessível apenas por minorias?

O setor de bares e restaurantes tem um milhão de estabelecimentos, mais de dois milhões de pequenos empresários, sem falar no outro tanto de empreendedores e empregados de fornecedores, especialmente de bebidas, prestadores de serviços, ao qual se pode somar mais de cento e cinquenta milhões de brasileiros consumidores. Em todas as pesquisas é apontado ao lado de restaurantes como a maior atração, tanto por turistas domésticos como internacionais, o mais procurado e o mais bem avaliado. Tem que ser preservado de mais impostos, de leis onerosas e restritivas, muitas demagógicas.

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A sociedade, os donos de bares, os chopistas, esses milhões de brasileiros, não podem aceitar essa danação. Se existe pecado no país ele está na cruel e burra distribuição de renda, que o governo tem que tratar com sensibilidade (excesso de miseráveis, sem comida, sem teto) e racionalidade (sem mercado não existe desenvolvimento), e não usá-la para justificar agressões ao meio ambiente. Nunca no chopinho.

Sobre o autor
Percival Maricato

Advogado e sócio do Maricato Advogados

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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