Taxa de disponibilidade para parto é ilegal?

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Há divergência entre o entendimento da ANS e do CFM acerca da legalidade da taxa de disponibilidade para parto cobrada por obstetras. Afinal, é possível a cobrança?

Segundo o Conselho Federal de Medicina, não.

Desde 2012 este órgão se posiciona favoravelmente à cobrança de taxa de disponibilidade do médico obstetra, afirmando que é ético e não configura dupla cobrança o pagamento de honorário pela gestante referente ao acompanhamento presencial do trabalho de parto, desde que o obstetra não esteja de plantão e que este procedimento seja acordado com a gestante na primeira consulta.

Sobre a relação entabulada entre planos de saúde e profissionais, o CFM consigna que a cobrança não caracteriza lesão ao contrato firmado, uma vez que, havendo cobrança particular da disponibilidade do obstetra, a operadora não efetuará a remuneração do profissional pela realização do parto, inexistindo o chamado pagamento bis in idem (pagamento em dobro).

Isto quando não existe obrigação contratual entre o médico e a operadora para o acompanhamento presencial do trabalho de parto – ou seja, havendo tal cláusula prevista no contrato, há obrigação de atendimento ainda que não haja o pagamento da taxa. Porém, importante destacar, que esta não é a prática comum dos contratos estabelecidos no país.

Segundo o CFM, o médico, do ponto de vista legal e ético, não tem o compromisso de realizar o parto da gestante que acompanhou durante as consultas do pré-natal, vez que a disponibilidade para o parto, a assistência ao trabalho de parto e a realização de consultas pré-natal são procedimentos distintos entre si.

Ou seja, os contratos firmados entre profissional obstetra e a operadora de saúde não contém cláusula de disponibilidade para o parto e sim para a assistência de trabalho de parto – logo, o médico plantonista estaria apto a cumprir tal determinação contratual.

Deste modo, a taxa “extra” não se refere ao parto em si, mas na disponibilidade do profissional estar de prontidão no momento do procedimento.

Importante enfatizar que cabe ao obstetra esclarecer tal ponto à gestante logo na sua primeira consulta, uma vez que é opção da paciente o profissional que irá acompanha-la presencialmente no trabalho de parto, consignando tal informação do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

O conselho afirma que a gestante terá a garantia de realizar as consultas de pré-natal com obstetra da operadora de saúde e optar por ser atendida pelo médico plantonista da maternidade credenciada sem que lhe seja cobrada qualquer taxa adicional.

A maternidade deverá dispor de equipe completa e permanente de obstetras, pediatras e anestesistas, permitindo o seguro e completo atendimento da paciente.

Para a Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS, a cobrança é indevida, defendendo que todo beneficiário de plano de saúde tem cobertura garantida pelas operadoras para todos os procedimentos listados no Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde, conforme determina a lei de planos de saúde, ou seja, pré-natal, parto e pós-parto[1].

Ocorre que a própria ANS, em sua Resolução Normativa n. 428/2017, que trata do rol de procedimentos e eventos em saúde, não inclui a escolha do profissional que realizará o parto como um dos direitos da gestante. Demonstra-se:

Art. 23. O Plano Hospitalar com Obstetrícia compreende toda a cobertura definida no art. 22, acrescida dos procedimentos relativos ao pré-natal, da assistência ao parto e puerpério, observadas as seguintes exigências:

I – cobertura das despesas, incluindo paramentação, acomodação e alimentação, relativas ao acompanhante indicado pela mulher durante:

a) pré-parto;

b) parto; e

c) pós–parto imediato, entendido como o período que abrange 10 (dez) dias após o parto, salvo intercorrências, a critério médico;

II - cobertura assistencial ao recém-nascido, filho natural ou adotivo do beneficiário, ou de seu dependente, durante os primeiros 30 (trinta) dias após o parto; e

III – opção de inscrição assegurada ao recém-nascido, filho natural ou adotivo do beneficiário, como dependente, isento do cumprimento dos períodos de carência, desde que a inscrição ocorra no prazo máximo de 30 (trinta) dias do nascimento ou adoção.

 

Apesar do posicionamento contrário a esta prática emitido pela ANS, não há lei em nosso ordenamento jurídico que negue expressamente tal prática. O que os tribunais têm aplicado é o Código de Defesa do Consumidor.

De uma análise dos últimos julgamentos sobre o caso, verifica-se que os juízes acabam aplicando o CDC, aduzindo tratar-se de prática abusiva diante da hipervulnerabilidade da gestante quando ausente a informação prévia acerca da cobrança da taxa, o que culmina em indenização por dano moral à paciente em razão ao abalo psicológico nos meses finais de gravidez.

As decisões abraçam o quesito “surpresa”, havendo, na sua maioria, improcedência da ação quando ausente tal ponto, porquanto há entendimento que se a gestante era conhecedora da taxa e expressamente consentiu com sua cobrança, deve ser afastada tanto a condenação por dano moral, quanto eventual pedido de ressarcimento do valor.

Isto porque o serviço médico é tido como uma relação de consumo, sendo, portanto, dever do profissional prestar todos os esclarecimentos necessários à escolha da consumidora (dever de informação[2]).

Os conselhos regionais e as associações médicas têm buscado resolver essa questão, seja de forma administrativa, seja por meio do judiciário.

O CRM/ES elaborou a resolução n. 243 no ano de 2012 que tratava acerca da possibilidade de cobrança da taxa de disponibilidade, mas esse regramento foi julgado ilegítimo pelo Poder Judiciário em 2016[3], havendo recurso ao Superior Tribunal de Justiça, que não foi o recebeu por questões processuais, inexistindo apreciação do mérito pela Corte Superior[4].

Ainda no Espírito Santo, encontram-se pendentes o julgamento das Ações Civis Públicas n. 0041573-93.2013.8.08.0024 e n. 0032645-56.2013.8.08.0024, ambas questionando o plano de saúde acerca do alegado direito de escolha do médico obstetra para a realização do parto. Neste caso, o plano incluiu em seu contrato o período de disponibilidade do obstetra, o que obsta a cobrança da taxa particular.

A Associação de Obstetrícia e Ginecologia do Estado de São Paulo entrou com uma ação na Justiça Federal no ano de 2015 pugnando que a ANS reconheça a possibilidade da cobrança da taxa de disponibilidade[5]. O processo encontra-se em fase de recurso, uma vez que o julgador de primeiro grau entendeu indevida a cobrança, alegando que há desequilíbrio entre as partes contratantes do serviço particular: médico e gestante. Ainda não há data prevista para novo julgamento final.

Há ainda uma ação de mesma natureza, mas interposta em razão de taxa disponibilidade cobrada por médica cardiologista. O TJ SP entendeu que no caso “os autores, pessoas simples e de parca renda, vez que ele é aposentado e ela do lar, foram expostos a situação que beira à coercitiva, para que arcassem com duplo custo da cirurgia, visto que já pagam a mensalidade do plano de saúde para obter um serviço total e ainda cobrados pela taxa extra em discussão”[6]. A médica e o plano foram condenados a ressarcir a taxa e a indenizar o paciente em 15 mil reais.

No paraná, uma ação interposta por obstetras contra a Unimed Maringá, que expediu normativa alertando seus cooperados que caso houvesse cobrança da taxa de disponibilidade, o profissional responderia processo disciplinar, foi julgada improcedente. O Tribunal de Justiça entendeu que “os profissionais da área da saúde, ao se vincularem à cooperativa, devem cumprir as determinações dela provenientes, principalmente quando resultam de deliberações provenientes da respectiva Agência Reguladora. Logo, é dever da cooperativa fiscalizar e punir os cooperados que cobram a taxa de disponibilidade para acompanhamento do parto”[7], permitindo, portanto, a interposição do processo disciplinar por parte da operadora.

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Em Santa Catarina, o entendimento majoritário do Tribunal de Justiça é pela possibilidade da cobrança quando a gestante fora bem esclarecida acerca da questão e expressamente concordou com a cobrança, vez que a "taxa de disponibilidade é um pacto realizado entre médico e parturiente, em que aquele cobra da gestante um montante previamente ajustado, quando esta desejar que seu parto seja efetuado pelo profissional que a acompanhou durante o pré-natal e o mesmo não se encontrar de plantão ou de sobreaviso nas unidades hospitalares conveniadas. Note-se que é uma opção da assistida arcar com tal custo adicional para ter à sua disposição médico de confiança e, sendo de seu interesse, não se mostra ilícito que celebre ajuste autônomo com este para que fique à sua disposição até a realização do parto.”[8]

 

Importante destacar que ainda que haja discordância por parte das instituições, cada uma tem bem delineada a sua competência, sendo a ANS responsável por regular as operadoras de plano de saúde e o CFM regular o trabalho e a ética médica.

Enquanto não houver um posicionamento definitivo pautado em lei, o obstetra ficará vulnerável diante de tantos posicionamentos diferentes encontrados nos tribunais de cada estado da federação.

Uma possibilidade de sanar qualquer insegurança acerca do tema seria a alteração legislativa fomentada pelos conselhos e associações médicas, suscitando o estabelecimento expresso da legalidade da cobrança. É cediço, porém, que tais apreciações por parte dos legisladores costumam repousar em terras menos céleres.

Considerando a existência de ações judiciais questionando o tema, é provável que em breve as Cortes Superiores (STFe STJ) sejam provocadas a manifestarem-se, ocasião em que os demais tribunais estaduais se curvarão ao posicionamento fixado.

Até que haja decisão judicial, é necessária precaução no relacionamento com as pacientes, devendo o obstetra observar o atuar ético e balizar-se no amplo dever de informar, evitando entendimentos contrários dos tribunais estaduais caso sua questão seja questionada judicialmente. Como bem determinado pelo CFM, a informação da cobrança da taxa de disponibilidade deve ocorrer já na primeira consulta, com termo de consentimento próprio.

É sempre de bom alvitre frisar que a relação médico-paciente construída sob alicerces de confiança, transparência e empatia afasta suspeitas ou sentimentos de insegurança, sendo sempre o dever mais importante que o profissional tem perante seus pacientes.

 

Autoras: Ana Beatriz Nieto Martins (OAB/SP 356.287) e Erika Evangelista Dantas (OAB/SP 434.502), sócias do escritório de advocacia Dantas & Martins Advogadas Associadas, especializado em Direito da Saúde (www.dantasemartins.com.br; Instagram: @adv.dantasemartins).

 


[1] Nota Técnica n. 394/2014

[2] Artigo 6º, inciso III, Código de Defesa do Consumidor

[3] Autos n. 0002282-94.2013.4.02.5001 – TRF2

[4] AREsp nº 1387868 - STJ

[5] Autos n. 0025665-07.2015.4.03.6100 – TRF3

[6] TJ-SP 1047768-98.2015.8.26.0576, Relator: João Carlos Saletti, Data de Julgamento: 17/10/2017, 10ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 20/10/2017

[7] TJ-PR - APL: 15348102 PR 1534810-2 (Acórdão), Relator: Dalla Vecchia, Data de Julgamento: 17/08/2016, 11ª Câmara Cível, Data de Publicação: DJ: 1873 29/08/2016

[8] TJ-SC - AC: 00011622120138240005 Balneário Camboriú 0001162-21.2013.8.24.0005, Relator: Cláudia Lambert de Faria, Data de Julgamento: 04/02/2020, Quinta Câmara de Direito Civil

Sobre as autoras
Ana Beatriz Nieto Martins

Advogada (OAB/SP 356.287), sócia no escritório Dantas & Martins Advogadas Associadas, voltado o atendimento de profissionais da saúde, realizando diagnóstico de riscos jurídicos e elaborando condutas preventivas que permitam uma atuação segura e tranquila.

Erika Evangelista Dantas

Advogada (OAB/SP 434.502), sócia do escritório de advocacia Dantas & Martins Advogadas Associadas, especializado em direito da saúde.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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