CRIMINOLOGIA E FEMINISMO - RESENHA CRÍTICA

04/03/2020 às 16:49
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Resenha Crítica do livro de BARATTA, Alessandro; STRECK Lênio Luiz; ANDRADE Vera Regina Pereira de; Organizadora Carmen Hein de Campos. Criminologia e Feminismo. 1 ed. Porto Alegre, Sulina, 1999. 120 p.

1.CREDENCIAIS DOS AUTORES

Alessandro Baratta – Universidade de Saarland, Alemanha. Traduzido por Ana Paula Zomer, Procuradora do Estado de São Paulo, aluna do curso de especialização em Criminologia e Psicopatologia Forense da Universidade de Milão.

Lênio Luiz Streck – Procurador de Justiça/RS, Mestre e Doutor em Direito e Professor do Curso de Mestrado da Unisinos.

Vera Regina Pereira de Andrade – Doutora em Direito e Professora na graduação e pós-graduação da Faculdade de Direito da UFSC.

2.RESUMO DA OBRA

O livro é constituído de três partes, cada uma delas sob a responsabilidade de um autor, traduzindo sua experiência e fundamentação sobre a criminologia e o feminismo, em abordagens que se complementam.

Na primeira parte, BARATTA discute, ao longo de sessenta e duas páginas, o paradigma do gênero nas questões criminais e humanas, apresentando conceitos básicos como lei, teoria de gênero e como a mulher ainda é vista como figura secundária, tanto pelo Direito quanto pela sociedade.

No capítulo inicial há uma visão geral do início dos estudos aprofundados sobre a posição desigual que as mulheres ocupam no direito penal, seja como vítimas ou autoras de delitos e como a evolução desses estudos possibilitou a criação ou modificação de tipos penais e de orientações criminológicas.

Seguindo esta linha, o autor trata da importância da emancipação da mulher, especialmente no Direito, da fundação de uma teoria feminista de consciência e faz uma crítica ao metadiscurso machista que propaga pressupostos filosóficos acerca da superioridade do gênero masculino.

A partir das críticas ao modelo androcêntrico da ciência e ao poder masculino, BARATTA descreveu a construção do racionalismo crítico feminista, sua visão de paradigma epistemológico de gênero, dizendo que ambos progridem através de conjecturas e refutações, sendo que a tentativa de refutação do pensamento feminista ou de ideias como “Feminismo e Ciência”, “A mulher do Direito” e “Gênero do Direito Penal", apesar de descreverem a inserção da mulher nas ciências, são efeitos criados pela contraposição do movimento feminista ao modelo machista no qual estamos inseridos.

Assim sendo, a teoria do paradigma de gênero, subdividida em três correntes de pensamento, que, apesar de algumas dicotomias, são complementares entre si, moldam o rumo do estudo do comportamento da sociedade em detrimento da mulher, quais sendo: a teoria da ciência e o direito, que trata especificamente da introdução da mulher nos ambientes científico, acadêmico e criminal; a teoria sociológico-jurídica, que discorre sobre o reconhecimento do machismo estrutural da sociedade, das ciências e do direito e; a teoria do ponto de vista feminista, que abarca as próprias experiências femininas sobre a cultura, a psicologia e o linguajar feminino.

Desta forma, o autor mostra que a reforma do pensamento se faz necessária, já que a ciência, apesar de substantivo feminino, não tem gênero, de forma que tanto o direito penal, quanto as ciências, a criminologia e a sociedade, devem ser coerentes com o conceito unissex, em que a relevância da contribuição de um indivíduo se dá pela sua capacidade modificadora e não pelo seu gênero. Assim sendo, a partir dos períodos chamados de “Revoluções Cientificas” ou de “Reformismo Feminista” ocorre uma mudança de paradigma; novos fenômenos são descobertos, conhecimentos antigos são abandonados e há uma mudança radical na prática cientifica e na visão de mundo do cientista, do direito e da sociedade.

Na segunda parte do livro, STRECK abre seu estudo acerca da criminologia e do feminismo falando que, de acordo com o pensamento jurídico positivo, a norma é feminina, mas o Direito é masculino. Se utilizando dessa informação, o autor introduz conceitos sobre o machismo estrutural normativo, onde as leis são criadas por homens, para homens e sempre sob a perspectiva masculina das interações sociais, além das próprias práticas criminais.

Destarte o reconhecimento de que a justiça reside num ideal masculino entre o certo e o errado, STRECK afirma que a visão e a instrumentalização jurídicas são frutos das próprias convicções machistas dos operadores do Direito que, inequivocamente, reduzem a mulher a um patamar inferior ao do homem e que, portanto, não é objeto primário do Direito e da Criminologia. Corroborando esse pensamento, o autor fala sobre um caso concreto de “estupro ficto”, em que um rapaz que estuprou uma menina de 13 anos foi beneficiado pelo entendimento que o Supremo Tribunal Federal tinha sobre a antiguidade da lei na qual se tipificava o ato, por esta ser considerada antiquada, visto que foi editada em 1940; apesar de lei posterior, de 1990, classificar o estupro como crime hediondo. Desta forma, restou comprovado que tanto o legislador como o aplicador da lei, beneficiaram, mais uma vez, o direito do homem à sua masculinidade acima dos direitos personalíssimos da honra e integridade física da mulher.

Acompanhando essa subversão de valores, DAMÁSIO DE JESUS (1993, p. 605) entende: “Não fica a mulher, com o casamento... obrigada a manter relações... desde que não se revista de caráter mesquinho. Assim, sempre que a mulher não consentir a conjugação carnal, e o marido a obrigar ao ato...caracterizar-se-á o crime de estupro, desde que ela tenha justa causa para a negativa.” A partir de exemplos como estes, podemos verificar a existência de uma legitimação masculina dominante e que envolve todas as esferas institucionais, oriundas do pensamento da sociedade patriarcal da qual fazemos parte.

Ainda nesta seara, é possível compreender que esses pequenos mecanismos de violência contra a mulher, formam uma ordem social indiferente a elas, mantendo uma espécie de apartheid feminino, onde mulheres têm direitos suprimidos em virtude do patriarcado institucional. Desta forma, durante a leitura, percebemos que através da elaboração de leis que privilegiam os homens e a ideia de superioridade masculina, mulheres são cada vez mais excluídas da tutela protetiva que o Estado deveria conferir igualmente a todos os cidadãos.

Já na terceira e última parte do livro, ANDRADE, que se auto denomina militante acadêmica e desenvolve pesquisa sobre o sistema de justiça penal e a violência sexual contra as mulheres, parte do princípio de que vivemos em profunda crise de legitimidade do sistema penal, uma vez que leis criadas por homens e para homens, favorecem o julgamento errôneo das causas femininas, ainda que analisadas por magistradas.

Seguindo esse princípio, a autora destaca a importância da criminalização de condutas que afrontam diretamente o direito da mulher, bem como a redefinição de alguns crimes já existentes tornando suas penas mais duras, além da descriminalização de condutas hoje tipificadas como crimes, como aborto, por exemplo.

Partindo desta leitura, é possível afirmar que com a impulsão do movimento feminista, o que se busca é a equiparação de direitos e obrigações entre gêneros, de forma que seja possível a convivência harmônica entre princípios protetivos e putativos em todas as esferas da sociedade para que seja possível, ainda, a recepção da criminologia crítica e da criminologia feminista, baseadas no equilíbrio social.

3.CONCLUSÃO DA RESENHISTA

De um modo geral, os autores apoiam-se em diversos estudiosos para emitir suas conclusões, bem como nos estudos e pesquisas realizados pelos mesmos, adotando uma postura crítica de procura pela verdade, valorizando a objetividade, mas sem perder o foco nas questões de gênero e valorização da mulher.

Também é possível concluir que a obra é de leitura essencial para aqueles que se preocupam com as novas questões do Direito, da Criminologia, do feminismo e do estudo da teoria de gêneros. Assim sendo, conforme afirmado por todos os autores, o equilíbrio e a equiparação entre gêneros, especialmente do ponto de vista criminológico, inserindo a mulher enquanto sujeito de direitos na sociedade, se faz urgente.

Com este discurso, os autores nos incentivam a reflexão, a reagir à acomodação e falsa neutralidade, mostrando nossa responsabilidade enquanto sociedade em garantir a equidade nas relações sociais, científicas e jurídicas, através da análise das consequências que uma sociedade patriarcal exerce sobre nós.

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Os autores esclarecem e enfatizam ainda o papel da ciência na mudança da mentalidade machista da sociedade, demonstrando como o envolvimento de pesquisadores, cientistas e juristas são essenciais nesse processo de transformação como objeto de debate. Complementam com a posição de diferentes autores e cientistas sociais, formadores de agendas sociais através de suas práticas científicas, bem como o envolvimento da militância política feminista.

Os autores concluem que coexistem atualmente diferentes linhas filosóficas acerca da natureza do estudo e da prática da lei relacionadas as mulheres, o que também é válido em relação aos critérios para avaliação das teorias cientificas, visto que a partir da análise dessas ideias contrastantes, é possível a formação de uma sociedade mais justa e igualitária. Concordam, também, que a pesquisa nas ciências sociais se caracteriza por uma multiplicidade de abordagens, com pressupostos, metodologias e estilos diversos.

4.CRÍTICA DA RESENHISTA

A obra fornece subsídios à nossa pesquisa científica, à medida que trata dos principais autores/protagonistas da discussão/construção do pensamento feminista na história mais recente, reportando-se a esclarecimentos mais distantes sempre que necessário.

Com sólidos conhecimentos acerca do desenrolar histórico, os autores empenham-se em apresentar clara e detalhadamente as circunstâncias e características da pesquisa cientifica, levando-nos a compreender as ideias básicas das várias linhas filosóficas contemporâneas, bem como a descobrir uma nova maneira de ver o que já havia sido visto, estudado.

É uma leitura que não exige muitos conhecimentos prévios para ser entendida, mas mostra a necessidade da compreensão sobre questões de gênero, conceito de feminismo e machismo estrutural, uma vez que as conclusões emergem a partir de esclarecimentos sobre fatos históricos comumente conhecidos, porém de fontes de posições de diversas, incluindo autoras feministas, que costumeiramente são ignoradas em função da sociedade patriarcal na qual estamos inseridos.

Com estilo claro o objetivo, os autores dão esclarecimentos sobre o feminismo, a relativização da figura da mulher na sociedade, nas ciências naturais e sociais, exemplificando, impulsionando reflexão crítica e discussão teórica sobre fundamentos filosóficos. Com isso auxiliam sobremaneira a elaboração do nosso plano de pesquisa. Os exemplos citados amplamente nos auxiliam na compreensão da atividade científica e nos possibilitam analisar e confrontar várias posições, a fim de chegarmos à nossa própria fundamentação teórica, decidindo-nos por uma linha de pesquisa. Mostram-nos a imensa possibilidade de trabalhos que existe no campo da ciência penal, além de nos encaminhar para exposições mais detalhadas a respeito de determinados tópicos abordados, relacionando autores e bibliografia específicas.

5.INDICAÇÕES DA RESENHISTA

A obra tem por objetivo discutir sobre a importância da mulher, especialmente do ponto de vista da criminologia, estudar alternativas e oferecer sugestões para o enfrentamento do machismo estrutural da sociedade, das ciências e do direito para estudantes universitários, pesquisadores, legisladores e operadores do direito, a fim de que possam realizar, planejar e desenvolver as próprias pesquisas acerca do temo, utilizando-se do rigor necessário à produção de conhecimentos confiáveis e leis que permitam a equiparação entre gêneros.

Se trata de um livro que apresenta os fundamentos necessários à compreensão da natureza feminina, da importância do método científico unissex das ciências naturais e sociais, bem como dá diretrizes comportamentais e legislativas que contribuem para o desenvolvimento da atitude crítica necessária ao progresso da sociedade e das leis.

Sobre a autora
Daniele Lage

Advogada, Especialista em Direito Público, Pós-graduanda em Advocacia Cível, natural de Salvador - Bahia, com experiência em Direito de Família e Direito do Trabalho e Consultora de Licitações e Contratos Públicos.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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