A DISCUSSÃO SOBRE A PRIVATIZAÇÃO DO SANEAMENTO BÁSICO NO BRASIL

06/03/2020 às 14:17
Leia nesta página:

O ARTIGO DISCUTE O AVANÇO SOBRE AS PROPOSTAS EXISTENTES PARA DOTAR A POPULAÇÃO DE SANEAMENTO BÁSICO.

A DISCUSSÃO SOBRE A PRIVATIZAÇÃO DO SANEAMENTO BÁSICO NO BRASIL

Rogério Tadeu Romano

Noticiou-se no jornal O Globo, no dia 14 de janeiro do 2018, que o programa de concessões em saneamento do governo federal, capitaneado pelo BNDES, ganhou fôlego neste início de 2017 com o anúncio de uma primeira onda de licitações. Pelo menos oito estados que aderiram ao programa — ao todo são 18 — vão dar partida à contratação dos estudos técnicos que definirão a modelagem para conceder companhias públicas de saneamento à iniciativa privada. O banco de fomento publicou aviso de licitação em sua página na internet para os primeiros seis editais, referentes a Companhia Pernambucana de Saneamento (Compesa), Companhia de Saneamento do Pará (Cosanpa), Companhia de Saneamento Ambiental do Maranhão (Caema), Companhia de Água e Esgoto do Amapá (Caesa), Companhia de Saneamento de Sergipe (Deso) e Companhia de Saneamento de Alagoas (Casal). O edital sai até o fim de março.

Mais 3,6 milhões de brasileiros entram na pobreza, mostra Pnad

Dos seis anunciados, apenas o Pará está formalmente aprovado pelo Conselho do Programa de Parcerias de Investimento (PPI), do governo federal. Os outros dois também já no PPI são Rondônia e Rio de Janeiro. O primeiro optou por fazer a contratação direta da empresa que vai preparar o estudo do processo de concessão da Companhia de Águas e Esgotos do Estado de Rondônia (Caerd), informou o BNDES. Já no caso fluminense, o encaminhamento do processo da Cedae depende da conclusão do acordo de socorro financeiro ao estado, ainda em discussão com o governo federal.

Os primeiros leilões para concessão de companhias de saneamento devem ocorrer no primeiro semestre de 2018, cumprindo o calendário estabelecido pelo PPI em outubro último. As estimativas são relativas aos processos de Cedae, Caerd (RO) e Cosanpa (PA), cujos editais estão previstos para serem lançados no segundo semestre deste ano.

Dados do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS – 2013) revelam que apenas 39% das redes de esgoto são tratadas no Brasil.

Estudiosos acentuam que a burocracia dos estados, a demora na aprovação de licenças e projetos, a demora e baixa qualidade dos mesmos, seriam motivos para a privatização das companhias de tratamento de esgotos.

Apontam o Chile, com seu modelo econômico, como exemplo do sucesso de administração privada de saneamento básico.

Em oportuna matéria, o periódico “Folha de São Paulo” registra que “a universalização de serviços de saneamento básico no Brasil, coleta de esgoto e rede de água, somente será alcançada no atual ritmo após 2050”. Isso é o que se tem de conclusões de estudos da Confederação Nacional da Indústria onde foram estudados dados oficiais sobre o andamento de obras no setor.

Nesse estudo tem-se que o Município, por exemplo, elabora um projeto para saneamento, mas demora 22 meses para que o governo libere o recurso.

Utilizando dados da Pnad até 2013, o trabalho da CNI mostra que entre 1996 e 2006 o país conseguiu sair de 40% para 48% de domicílios com rede de esgoto. De 2007 a 2013, o país chegou a 58%.

As diferenças regionais são grandes, com o Norte e o Nordeste com índices bem inferiores aos das outras três regiões brasileiras.

Já para a rede de água, o país saiu de 76% para 84% de domicílios atendidos entre 1996 e 2006. Após o PAC de 2007, o avanço em sete anos foi de apenas um ponto percentual, chegando a 85%.

As metas do Plansab seriam chegar a 2023 com a universalização do serviço de água (100%) e dez anos depois, com o de esgoto (cerca de 90%).

No ritmo atual, esses percentuais só serão alcançados em 2043 e 2053, respectivamente, segundo o levantamento.

Já, no passado, em 2011, chegou-se a conclusão de que a falta de projetos e a capacidade de investimento de empresas de saneamento estavam impedindo que alguns estados e municípios se habilitassem a receber recursos federais que poderiam ser investidos em abastecimento de água, esgotamento sanitário, manejo de águas das chuvas, coletas e destinação de recursos sólidos e preservação de mananciais.

A revista Exame trouxe a informação de que dois terços dos estados sinalizaram o interesse de incluírem suas empresas estaduais no programa de concessões à iniciativa privada, capitaneado pelo BNDES.

Sabe-se, pois, é vergonhoso o desempenho do Brasil no saneamento básico, e não há nenhum argumento favorável à sua manutenção nas mãos de empresas públicas estaduais que consiga explicar o fato de que, entra governo e sai governo (independente do partido), não conseguimos entregar, em pleno ano de 2016, um serviço digno (menos de 50% de esgoto coletado).

No passado, o BNH direcionava à população brasileira programas voltados a concessão de água e esgoto a populações carentes. Para tanto, junto aos governos estaduais havia o FAE (Fundo de Água e Esgoto) destinado a dotação de recursos para tal. Mesmo assim, boa parte da população que deveria ser assistida não foi atendida.

A anemia nos investimentos em infraestrutura, como no saneamento básico, não escapa à regra e também perpetua a pobreza. A falência de um sistema de regulação que privilegia as empresas públicas estaduais de água e esgoto é expressa em poucos números: 83,6% da população estão conectados à rede de água tratada e apenas 53,2% têm o esgoto coletado. Só agora há uma chance concreta de o Congresso rever esta regulação para que empresas privadas possam ampliar sua participação na atividade.

Existem, basicamente, duas formas de licitação de uma concessão: aquela pelo menor custo do serviço ao usuário final e aquela pelo maior valor pago (à vista ou parcelado) pelo direito de exploração da concessão (máximo valor pelo “uso do bem público”, ou UBP). Enquanto no primeiro o consumidor absorve toda a eficiência da licitação, por meio de uma redução no valor do serviço prestado, no segundo quem se beneficia da eficiência é o governo, recebendo a diferença entre o valor fixo do serviço que constava no Edital e o valor “eficiente” da prestação pelo concessionário.

Ainda, outra diferença importante de ser citada refere-se aos tipos de projeto: greenfield (projetos novos) ou brownfield (empreendimentos já em operação), como informou Diogo Mac Cord de Faria, no artigo Privatização no saneamento: precisamos fazer certo

Programa Nacional de Desestatizacao – PND foi criado ainda na gestão Collor, por meio da lei 8.031/1990. Nesta época, assim como na continuação do programa durante o governo Fernando Henrique Cardoso (FHC), o método mais utilizado era pelo maior valor pago à vista pela concessão, geralmente brownfield mas com necessidade de investimento complementar.

Bem especificou o pesquisar Léo Heller ao dizer, no Portal Saneamento Básico (22.8.2016):

“Os efeitos de condições adequadas de saneamento sobre a saúde pública são muito bem documentados na literatura científica. Eles podem ser múltiplos e contribuir para significativa redução de doenças diarréicas, de doenças provocadas por parasitas e de doenças transmitidas por vetores, como dengue, Zika e Chikungunya, entre outros efeitos benéficos. No caso específico da chamada tríplice epidemia que assola parte importante da América Latina, intervenções em abastecimento de água, em esgotamento sanitário, em manejo de resíduos sólidos e em drenagem pluvial — componentes do que a legislação brasileira denomina de saneamento básico – podem ter isoladamente e, sobretudo, integradamente, importante papel na redução do problema. E com a vantagem de que também melhorará, e de forma mais permanente, outros problemas de saúde pública. Estou convencido de que a priorização de intervenções ambientais para o controle da tríplice epidemia é a abordagem mais adequada para fazer frente à dramática situação provocada por essas doenças.”

Disse ainda Léo Heller ao responder com relação a sua leitura sobre o debate quanto a privatização:

“A ênfase para a participação do setor privado em saneamento foi uma tônica das políticas dos organismos multilaterais, como o Banco Mundial e o FMI, nas décadas de 1980 e 1990, o que resultou em uma ampliação das experiências de privatização. Porém, posteriormente, esses próprios organismos e várias avaliações acadêmicas revelaram que esta saída não é uma panacéia para a prestação dos serviços. São várias as limitações do modelo, como a dificuldade de incluir os mais pobres. Não há evidências de maior eficiência do setor privado. E, para mim, a maior dificuldade é a de regulação. Os serviços de saneamento são monopólios (no jargão econômico, “monopólios naturais”), significando que há apenas um prestador de serviços em cada localidade. Isto coloca limites para um ente regulador assegurar o cumprimento de obrigações contratuais, de impedir aumentos tarifários problemáticos e de punir os prestadores quando exigências não são atendidas. Estes problemas ocorreram em diferentes graus em experiências fracassadas em várias partes do mundo, que geraram o cancelamento ou a não renovação de contratos e a remunicipalização dos serviços. Um levantamento recente mostrou a ocorrência de 235 casos de remunicipalização, em 37 países, nos últimos nove anos, havendo casos emblemáticos, como os de Paris e de Buenos Aires. Além disso, o modelo privado está longe de ser o modelo predominante na quase totalidade dos países, inclusive nos Estados Unidos. No caso das propostas do governo brasileiro, chama a atenção não se ancorarem em uma avaliação prévia das experiências internacionais desde os anos 1980. Entendo que a formulação de novos modelos de políticas públicas deveria ser minimamente baseada em evidências e não ser fruto de meras opiniões ou preferências ideológicas. Na academia, não iniciamos nenhuma proposta nova sem uma ampla e aprofundada revisão da literatura…”

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

Sem dúvida o BNDES poderá promover uma verdadeira onda de privatizações.

O planeta vive uma onda de reestatização no setor de saneamento, e não é de hoje, segundo o Instituto Transnacional, uma rede mundial de pesquisadores sediada nos Estados Unidos. De 2000 a 2015, foram 235 remunicipalizações em 37 países, a maioria nos EUA e na França.

Essa tendência acentuou-se no período mais recente. De 2010 a 2015, houve o dobro de privatizações desfeitas e de concessões não-renovadas, na comparação com os casos contabilizados ao longo da década de 2000 a 2010.

O motivo das reestatizações? Um brasileiro explica: Léo Heller, mestre em Saneamento, Meio Ambiente e Recursos Hídricos e desde 2014 relator especial das Nações Unidas para direito humano a água e esgoto.

As companhias privadas, segundo ele, resistem à ideia de expandir a rede até as pessoas mais pobres, justamente as mais carentes, pois não dá lucro. Além disso, são pouco afeitas ao controle público, por falta de competição, daí que é difícil o poder público garantir a obediência às regras contratuais, impedir aumentos abusivos das tarifas e punir as empresas.

Diante disso foi editada a MP 868/2018.

A MP autoriza a União a participar de um fundo para financiar serviços técnicos especializados no setor e determina que a regulamentação de águas e esgotos, hoje atribuição dos municípios brasileiros, se torne responsabilidade do governo federal, através da agência reguladora, que ficaria responsável pela fixação das tarifas cobradas. Já os contratos de saneamento passariam a ser estabelecidos por meio de licitações, facilitando a criação de parcerias público-privadas.

Como acolheu, total ou parcialmente, 33 das 500 emendas apresentadas por deputados e senadores, o relator altera a medida provisória, que, se assim aprovada, passará a tramitar como um projeto de lei de conversão (PLV).

Tasso defendeu uma das principais mudanças estabelecidas pela MP, a inclusão entre as competências da ANA da edição de normas de âmbito nacional para a regulação da prestação dos serviços públicos de saneamento básico.

— Entendemos que os dispositivos introduzidos pela MP são interdependentes e têm o objetivo comum de aumentar a segurança jurídica para que se expandam os investimentos públicos e privados em saneamento básico. Em específico, ponderamos que as novas competências da ANA são cruciais para promover condições regulatórias mais uniformes. O objetivo é harmonizar a grande variabilidade de regras regulatórias instituídas pelos estados e municípios — disse Tasso, ao ler o seu voto.

Realmente a modernização do marco regulatório do saneamento básico é necessária e urgente. O modelo institucional do setor precisa ser otimizado de modo a superar os graves índices hoje observados no Brasil. Cerca de 35 milhões de brasileiros não têm acesso a água tratada. Metade da população, em torno de 104 milhões de pessoas, não têm acesso aos serviços de coleta de esgoto. Do esgoto coletado, apenas 42% é tratado. São dados graves, que dificultam a melhoria dos índices de desenvolvimento humano (IDH) e trazem sérios prejuízos sociais e econômicos a diversos setores produtivos, retardando o desenvolvimento da nação”, afirma Tasso em seu relatório.

Certamente está com dias contados o modelo de estatização que durante décadas vigorou no Brasil e que, de há muito, não atende mais as necessidades precípuas da população brasileira diante de cidades com esgoto a céu aberto e uma população sem acesso ao saneamento básico dentre as populações mais carentes.

O direito ao meio ambiente é direito impositivo e fundamental e que é dever do Estado perante a cidadania.

Urge, pois, uma solução viável para o problema.

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Leia seus artigos favoritos sem distrações, em qualquer lugar e como quiser

Assine o JusPlus e tenha recursos exclusivos

  • Baixe arquivos PDF: imprima ou leia depois
  • Navegue sem anúncios: concentre-se mais
  • Esteja na frente: descubra novas ferramentas
Economize 17%
Logo JusPlus
JusPlus
de R$
29,50
por

R$ 2,95

No primeiro mês

Cobrança mensal, cancele quando quiser
Assinar
Já é assinante? Faça login
Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Colabore
Publique seus artigos
Fique sempre informado! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos