NÃO HÁ TUTELA CONDENATÓRIA SATISFATIVA ANTECIPATÓRIA NO PROCESSO PENAL BRASILEIRO

07/03/2020 às 14:28
Leia nesta página:

O ARTIGO DISCUTE SOBRE A APLICAÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA EM CASO CONCRETO.

NÃO HÁ TUTELA CONDENATÓRIA SATISFATIVA ANTECIPATÓRIA NO PROCESSO PENAL BRASILEIRO

Rogério Tadeu Romano

I - A PRISÃO PREVENTIVA DIANTE DA RECENTE REFORMA PROCESSUAL 

A prisão preventiva, que é um dos exemplos de prisão provisória, antes do trânsito em julgado da sentença, só pode ser decretada "quando houver prova de existência do crime e indícios suficientes de autoria", como se lê do artigo 312 do Código Penal.

Tem-se assim:

Art. 312. A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria e de perigo gerado pelo estado de liberdade do imputado. (Redação dada pela Lei nº 13.964, de 2019)

Parágrafo Único.

(Revogado)

A prisão preventiva também poderá ser decretada em caso de descumprimento de qualquer das obrigações impostas por força de outras medidas cautelares (art. 282, § 4o).

(Revogado)

(Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011).

(Revogado)

§ 1º A prisão preventiva também poderá ser decretada em caso de descumprimento de qualquer das obrigações impostas por força de outras medidas cautelares (art. 282, § 4o).

(Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011).

(Revogado)

(Redação dada pela Lei nº 13.964, de 2019)

§ 2º A decisão que decretar a prisão preventiva deve ser motivada e fundamentada em receio de perigo e existência concreta de fatos novos ou contemporâneos que justifiquem a aplicação da medida adotada. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)

Há de se comprovar a materialidade do crime, a existência do corpo de delito, que prova a ocorrência do fato criminoso, seja por laudos de exame de corpo de delito ou ainda por documentos, prova testemunhal. A isso se soma como requisito a existência de "indícios suficientes de autoria", que deve ser apurada em via de fumaça de bom direito. Tal despacho que decretar a prisão preventiva, a teor do artigo 315 do Código de Processo Penal, deve ser fundamentado.

Matheus Teixeira, porém, lembrou, na linha do ministro Gilmar Mendes que fatos antigos não autorizam a decretação de prisão preventiva, como se lê de “Presunção de Não culpabilidade”.

Ali foi dito: “Ainda que graves, fatos antigos não autorizam a decretação de prisão preventiva, sob pena de esvaziamento da presunção de não culpabilidade". Com esse argumento, o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, concedeu Habeas Corpus a Jacob Barata Filho e Lélis Teixeira, detidos desde 3 de julho. Ambos são empresários e prestam serviço de transporte público no Rio de Janeiro.

Segundo Gilmar Mendes, apesar da gravidade, os fatos são" consideravelmente distantes no tempo da decretação da prisão "As prisões preventivas foram substituídas por medidas cautelares, como a suspensão do exercício de cargos em associações ligadas ao transporte, a proibição de sair do país e de manter contato com outros investigados, entre outras. Na decisão, o ministro Gilmar Mendes afirmou que os crimes supostamente cometidos são graves não apenas em abstrato, mas em concreto, tendo em vista as circunstâncias da execução dos delitos.

Apesar da gravidade, os fatos são “consideravelmente distantes no tempo da decretação da prisão”, alerta o magistrado. Além disso, o ministro diz que o atual governo estadual é do mesmo grupo partidário do anterior, mas afirma que não se tem notícia de que os delitos teriam continuado.”

No caso específico da prisão cautelar preventiva, decretada contra o ex-presidente Michel Temer, observo que, segundo se noticia, de acordo com o juiz Marcelo Bretas, a medida se deu para evitar a destruição de provas e garantir a ordem pública. As justificativas seriam amparadas pelo Código de Processo Penal (CPP).

A decisão tem 46 páginas e apenas na página 39 é citada a prisão preventiva. Ele usou como base a gravidade do crime, mas isso, por si só, não é fundamentação. Em seguida, o documento relata os dispositivos do CPP, mas não explica o porquê da prisão.

A prisão preventiva baseada em fatos pretéritos é ilegal.

Ela só poderia ter sido decretada se houvesse algum fato presente que pudesse colocar em risco a investigação. Tem que ter alguma ameaça para que a pessoa não responda em liberdade.

II - O CASO 

Veja-se agora o caso.

O ex-secretário nacional de Justiça Astério Pereira dos Santos foi preso na manhã do dia 5 de março de 2020. Ele estava em casa, no Leblon, bairro nobre carioca.

De acordo com a TV Globo, há suspeitas de que Astério tenha participado de esquemas de lavagem de dinheiro e ajudado na fuga do empresário Arthur Cesar de Menezes Soares Filho, conhecido como “Rei Arthur”. Arthur é acusado de atuar na compra de votos para fazer do Rio de Janeiro a sede da Olimpíada de 2016.

Astério assumiu a Secretaria Nacional de Justiça em março de 2017, durante o governo de Michel Temer (MDB), e pediu demissão em novembro do mesmo ano.

Para ocupar o cargo, se aposentou do MPRJ (Ministério Público do Rio de Janeiro). Por isso, as investigações sobre ele foram enviadas para a 1ª Instância.

Antes de ser procurador do MPRJ, esteve à frente da Seap (Secretaria estadual de Administração Penitenciária) , entre 2003 e 2006, na gestão da ex-governadora Rosinha Garotinho. As suspeitas de lavagem de dinheiro são sobre este período.

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

O juiz Marcelo Bretas expediu ainda 32 mandados de busca e apreensão e a Polícia Federal cumpre 9 mandados de prisão.

Segundo a Polícia Federal, a operação mira pessoas físicas e jurídicas que participaram de uma rede de pagamentos de propina relacionada às atividades da Secretaria de Administração Penitenciária do Rio. Procurador de Justiça aposentado do Ministério Público do Rio, Astério chefiou a pasta entre 2003 e 2006, durante a gestão de Rosinha Garotinho.

A PF indicou ainda que a rede de propinas seria organizada por empresários e agentes públicos com apoio de dois escritórios de advocacia e beneficiava integrantes do Tribunal de Contas do Estado Rio de Janeiro.

O dinheiro recebido por meio do esquema era dissimulado por meio do uso de pessoas jurídicas, laranjas e familiares dos envolvidos, afirmou a corporação.

Veja-se o que ainda se disse no jornal O Globo, em sua edição de 7 de março de 2020:  

“A abertura de uma franquia do L’Entrecôte de Paris, em Ipanema, foi a maneira encontrada pelo empresário Arthur Menezes Soares, o Rei Arthur, de tentar encerrar os inquéritos aos quais era investigado por crime tributário no Estado do Rio. O impasse teria sido resolvido após um “empréstimo” de R$ 2 milhões feito por Arthur para a abertura do restaurante, que tem entre os sócios o advogado Danilo Botelho dos Santos e a empresária Renata Andriola de Almeida. Danilo é filho do ex-secretário nacional de Justiça Astério Pereira dos Santos. Ambos foram presos na última quinta-feira pela Lava-Jato acusados de participar do esquema de corrupção do ex-governador Sérgio Cabral. Renata é mulher do delegado Ângelo Ribeiro de Almeida Júnior, titular da Delegacia Fazendária de 2008 a 2015, uma unidade da Polícia Civil especializada em apurar crimes contra a administração pública. O casal Ângelo e Renata é investigado pelo Ministério Público por enriquecimento ilícito e foi alvo de busca e apreensão na operação que prendeu Danilo e o pai. De acordo coma delação do sócio de Arthur, Ricardo Siqueira Rodrigues, à força-tarefa da Lava-Jato, o empresário procurou Danilo, que era próximo ao delegado Ângelo Ribeiro, para intermediar uma solução e assim liquidar sua dívida coma Fazenda.

O delator disse ainda que os R$ 2 milhões foram repassados por meio de uma empresa de Arthur, mas que não sabia se tinham sido diretamente a alguma empresa de Ângelo ou de seus familiares. Em 2015, o MP descobriu que parentes e pessoas ligadas ao policial civil apareciam como proprietários de oito empresas. Duas delas seriam lojas do restaurante L’Entrecôte de Paris, da qual Renata e Danilo são sócios, em Ipanema ena Gávea. “Danilo fez uma aproximação com o delegado Ângelo Ribeiro para discutir os inquéritos em andamento e em seguida Arthur afirmou que ‘emprestou’ R$ 2.000.000,00 para abertura de um restaurante e que este seria o L’Entrecôte de Paris, em Ipanema. Arthur chegou até mesmo a comentar que Danilo também seria sócio do restaurante”, diz trecho da delação.

O dinheiro teria sido usado como pagamento de propina para Ângelo aliviar as dívidas de Arthur coma Fazenda. Depois deter sido convoca dopara depor por mais de uma vez na Polícia Civil, no inquérito que apurava crime contra a ordem tributária e cartel da Facility,”

III - ALGUMAS CONCLUSÕES 

Na lição de Aury Lopes Júnior(Fundamentos do Processo Penal, Introdução Crítica, 3ª Edição, 2017, Editora Saraiva Jur, p. 56), a prisão cautelar transformou-se em pena antecipada, com uma função de imediata retribuição/prevenção. A ‘urgência’ também autoriza (?) a administração a tomar medidas excepcionais, restringindo direitos fundamentais, diante da ameaça à ‘ordem pública’, vista como um perigo sempre urgente”. Após fazer críticas de que as medidas de urgência atualmente tornaram-se a regra, quando deveriam por sua natureza constituírem a exceção, o ilustre professor conclui que “na esfera penal, considerando-se que estamos lidando com a liberdade e a dignidade de alguém, os efeitos dessas alquimias jurídicas em torno do tempo são devastadores. A urgência conduz a uma inversão do eixo lógico do processo, pois, agora, primeiro prende-se para depois pensar. Antecipa-se um grave e doloroso efeito do processo (que somente poderia decorrer de uma sentença, após decorrido o tempo de reflexão que lhe é inerente), que jamais poderá ser revertido, não só porque o tempo não volta, mas também porque não voltam a dignidade e a intimidade violentadas no cárcere.”

Seria uma prisão preventiva decretada em fatos pretéritos? Tudo indica que houve afronta ao estado de liberdade do investigado. Ora, a prisão preventiva não pode ser forma de conversão em medida de antecipação de tutela penal. Se assim for estará aberto ao populismo criminal, medida que afronta a garantias que fulcram direitos fundamentais de liberdade oriundos da Constituição cidadã.

 

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Leia seus artigos favoritos sem distrações, em qualquer lugar e como quiser

Assine o JusPlus e tenha recursos exclusivos

  • Baixe arquivos PDF: imprima ou leia depois
  • Navegue sem anúncios: concentre-se mais
  • Esteja na frente: descubra novas ferramentas
Economize 17%
Logo JusPlus
JusPlus
de R$
29,50
por

R$ 2,95

No primeiro mês

Cobrança mensal, cancele quando quiser
Assinar
Já é assinante? Faça login
Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Colabore
Publique seus artigos
Fique sempre informado! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos