A TAXA CONHECIDA COMO ÍNDICE DI
Rogério Tadeu Romano
Os contratos de abertura de crédito podem estipular encargos financeiros em percentual sobre a taxa média aplicável aos Certificados de Depósitos Interbancários (CDIs), já que essa taxa – também conhecida como índice DI – é definida pelo mercado e não há risco de ser manipulada em favor dos bancos contratantes.
Esse foi o entendimento da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao dar provimento a um recurso do Banco do Brasil e manter a fixação dos seus encargos financeiros em percentual sobre o CDI.
Não é potestativa a cláusula que estipula os encargos financeiros de contrato de abertura de crédito em percentual sobre a taxa média aplicável aos Certificados de Depósitos Interbancários, visto que tal indexador é definido pelo mercado, a partir das oscilações econômico-financeiras, não se sujeitando a manipulações que possam atender aos interesses das instituições financeiras", concluiu o ministro Villas Bôas Cueva.
Eventual abuso, de acordo com o relator, pode ser verificado caso a caso, a partir do percentual utilizado no contrato.
No caso julgado, os encargos foram estipulados em 180% da taxa CDI média, não havendo, segundo o ministro Villas Bôas Cueva, "nenhum elemento nos autos capaz de demonstrar que a cláusula ajustada discrepa substancialmente da taxa média de mercado divulgada pelo Banco Central para operações da mesma espécie".
O ministro Villas Bôas Cueva, relator, lembrou que o depósito interfinanceiro (DI) é o instrumento por meio do qual ocorre a troca de recursos exclusivamente entre instituições financeiras, de forma a conferir maior liquidez ao mercado bancário e permitir que as instituições com sobra de recursos possam emprestá-los àquelas que estão em posição deficitária.
Ele ressaltou que a Súmula 176, invocada pelo TJSC para impedir a utilização do CDI no contrato, foi editada no contexto de operações cuja taxa era definida por entidade voltada para a defesa dos interesses das instituições financeiras.
No caso do CDI, ou índice DI – destacou o ministro –, o cálculo tem por base as taxas aplicadas em operações interbancárias, refletindo, portanto, o custo de captação de moeda suportado pelos bancos.
Segundo o relator, a cláusula de contrato de financiamento que prevê como índice um percentual do CDI não pode ser considerada potestativa, uma vez que essa taxa não é definida unilateralmente pela instituição financeira.
O caso foi objeto de julgamento no REsp 1.781.959.
Com o devido respeito é o mercado financeiro quem puxa os preços para estipulação da taxa referenciada.
A decisão preocupa uma vez que o valor da taxa CDI média é bastante alta, levando aos consumidores, muitas vezes, à inadimplência.
Seria um caso de cláusula potestativa?
Urge lembrar que a condição resolutiva puramente potestativa é admitida juridicamente, pois não subordina o efeito do negócio jurídico ao arbítrio de uma das partes, mas sim sua ineficácia. Sendo tal condição resolutiva, nulidade não há porque existe um vínculo jurídico válido consistente na vontade atual de se obrigar, de cumprir a obrigação assumida, de sorte que, como observa Vicente Ráo, o ato jurídico chega a produzir os seus efeitos, só se resolvendo se a condição, positiva ou negativa, se realizar e quando se realizar.
O art. 122 veda a condição suspensiva puramente potestativa. Logo, são admitidas as simplesmente potestativas, por dependerem da prática de um ato e não de um mero ou puro arbítrio. Além do arbítrio requer uma atuação especial do sujeito. P. ex., doação de uma casa a um jogador de tênis, se ele tiver bom desempenho no torneio de Wimbledon.
Art. 123. Invalidam os negócios jurídicos que lhe são subordinados:
I – as condições física ou juridicamente impossíveis, quando suspensivas;
II – as condições ilícitas, ou de fazer coisa ilícita;
III – as condições incompreensíveis ou contraditórias.
Condições suspensivas física ou juridicamente impossíveis. As condições fisicamente impossíveis são as que não podem efetivar-se por serem contrárias à natureza. Por exemplo, a doação de uma casa a quem trouxer o mar até a Praça da República da cidade de São Paulo será inválida, visto que a condição suspensiva que subordina a eficácia negocial a evento futuro e incerto é impossível fisicamente.
De acordo com as normas aplicáveis às operações ativas e passivas de que trata a Resolução nº 1.143/1986, do Conselho Monetário Nacional, não há óbice em se adotar as taxas de juros praticadas nas operações de depósitos interfinanceiros como base para o reajuste periódico das taxas flutuantes, desde que calculadas com regularidade e amplamente divulgadas ao público.
Destaco, na matéria, recente julgamento do STJ:
“A taxa variável somente pode ser fixada pelo Banco Central, conforme delegação recebida do Conselho Monetário Nacional. A disposição dúbia constante do final do artigo 3º, da Circular nº 1.047/86, deve ser entendida como uma outra taxa também fixada pelo mesmo Banco Central, pois não se concebe estivesse ele abrindo mão da autorização delegada pelo Conselho Monetário Nacional, e, muito menos, entregando-a a uma entidade interessada nos resultados da fixação dos valores dos encargos financeiros. Portanto, o acórdão que recusa aceitação à cláusula contratual que atribui à Associação Nacional dos Bancos de Investimentos e Desenvolvimento (ANBID) e à Central de Liquidação e Custódia de Títulos Privados (CETIP) a estipulação da taxa variável dos encargos financeiros dos empréstimos bancários, especialmente da nota de crédito rural, concedida a título de amparo ao pequeno agricultor, fez a exata aplicação das normas que regem o sistema"(REsp 46.746/SC, Rel. Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR, QUARTA TURMA, julgado em 20/9/1994, DJ 31/10/1994).
É certo que atualmente, as operações bancárias contratadas no mercado financeiro a taxas flutuantes permanecem sob a mesma disciplina da Resolução nº 1.143/1986, do Conselho Monetário Nacional, ora transcrita na íntegra:
"O BANCO CENTRAL DO BRASIL, na forma do art. 9º da Lei nº 4.595, de 31.12.64, torna público que o CONSELHO MONETÁRIO NACIONAL, em sessão realizada em 26.06.86, tendo em vista o disposto no art. 4º, incisos VI e IX, da referida Lei, no art. 1º da Lei nº 4.728, de 14.07.65, no art. 23 da Lei nº 6.099, de 12.09.74, no art. 7º, § 2º, do Decreto-lei nº 1.641, de 07.12.78, e no art. 43, inciso I, da Lei nº 7.450, de 23.12.85, R E S O L V E U:I - Autorizar as instituições financeiras a realizar operações ativas e passivas a taxas flutuantes (variáveis), que poderão ser reajustadas em períodos fixos, desde que tais operações tenham prazo igual ou superior a 180 (cento e oitenta) dias. II - As operações a taxas flutuantes far-se-ão de acordo com o estabelecido nesta Resolução e em normas complementares que forem baixadas pelo Banco Central. III - O disposto no item I deste normativo poderá ser aplicável: a) às debêntures de qualquer natureza; b) às operações de arrendamento mercantil, desde que respeitado o prazo mínimo fixado na regulamentação específica para sua realização. IV - O Banco Central do Brasil fica autorizado a adotar as seguintes providências: a) estabelecer prazo mínimo para os reajustes periódicos de taxas; b) fixar parâmetro para base do reajuste periódico das taxas de que trata o item I desta Resolução; c) alterar o prazo referido no item I desta Resolução; d) estabelecer outras medidas necessárias à execução do disposto nesta Resolução .V - À captação de recursos, na forma prevista nesta Resolução, aplicar-se-á o disposto nos itens I e II da Resolução nº 1.105, de 04.03.86.VI - Esta Resolução entrará em vigor na data de sua publicação."(grifou-se)De acordo com a referida norma, compete ao Banco Central do Brasil a fixação do parâmetro de reajuste periódico das taxas flutuantes nas operações ativas e passivas realizadas por instituições financeiras, o que não se confunde com a fixação da própria taxa.
A partir de abril de 1992, o Banco Central do Brasil passou a admitir, gradualmente, a utilização das taxas praticadas nos depósitos interfinanceiros como referencial para as operações de crédito contratadas a taxas flutuantes, conforme se verifica da Circular nº 2.167/1992:"Art. 1º. Facultar a utilização, como referencial, em operações de crédito e de arrendamento mercantil contratadas a taxas flutuantes nos termos da Resolução nº 1.143, de 26.06.86, de indicador obtido a partir das taxas de juros praticadas no mercado interfinanceiro para depósitos com prazo de 30 (trinta) dias. Parágrafo 1º. Permanece vedada a utilização, como referencial.
Há diferenças entre a taxa SELIC e a taxa DI como informou a FEBRA BAM em petição naqueles autos:
"(...)35. A extinta Taxa ANBID não se confunde com a Taxa DI! O único elemento comum – na época em que a Taxa ANBID era editada – entre elas era o fato de terem sido divulgadas, durante certo período, pela extinta CETIP (atual B3). Nada mais.36. A ANBID ou Associação Nacional dos Bancos de Investimento era uma associação que representava as instituições financeiras que operam no mercado de capitais do Brasil e tinha como principal objetivo fomentar o desenvolvimento desse mercado no país.37. Em 2009, a ANBID integrou suas atividades às da ANDIMA (Associação Nacional das Instituições do Mercado Financeiro) criando assim a atual Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (ANBIMA).38. A ANBID divulgava a Taxa ANBID, que era a média das operações de mercado em determinados títulos emitidos por instituições financeiras (CDB, RDB entre outros). Os CDBs e RDBs - diferentemente dos CDIs - podem ser adquiridos por pessoas físicas e jurídicas e, assim, suas taxas podiam apresentar variações significativas dependendo do perfil da instituição financeira e do investidor.39. Já o CDI, como explicado, somente é operado entre instituições financeiras e, portanto, a Taxa DI exprime fielmente o custo de captação de recursos no mercado interfinanceiro e praticamente tem sua flutuação atrelada à da Taxa Selic" (e-STJ fls. 3.061-3.062 - grifou-se).Ademais, é estreita a relação da Taxa DI com a Taxa Selic, sendo esta última a "taxa apurada nas operações de empréstimos de um dia entre as instituições financeiras que utilizam títulos públicos federais como garantia" (https://www.bcb.gov.br/controleinflacao/taxaselic - grifou-se).
A Taxa Selic, invocando mais uma vez a lição de Bruno Miragem, "(...) foi criada pela Circular 466/1979 do BACEN, é a aplicada para remuneração de títulos públicos federais negociados no Sistema Especial de Liquidação e Custódia (SELIC). Trata-se de um sistema informatizado para registro, custódia e liquidação de títulos emitidos pelo Tesouro Nacional. Administrado pelo BACEN em parceria com a Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (ANBIMA). É obtida 'mediante cálculo da taxa média ponderada e ajustada das operações de financiamento por um dia, lastreadas em títulos públicos federais e cursadas no referido sistema ou em câmaras de compensação e liquidação de ativos, na forma de operações compromissadas'." (ob. cit, pág. 72 - grifou-se). A diferença entre elas consiste no fato de que a Selic corresponde à taxa média apurada com base nos empréstimos interbancários de 1 (um) dia tendo como garantia Títulos do Tesouro Nacional, ao passo que a Taxa DI se refere aos empréstimos de curto prazo realizados entre bancos que se utilizam dos seus próprios recursos para garantir a operação. Além disso, a partir da comparação dos seus valores históricos, constata-se que a Taxa DI, pelo menos nos últimos 12 (doze) anos, manteve-se um pouco abaixo da taxa básica de juros, a Selic, conforme tabela comparativa apresentada nos autos pela FEBRABAN (e-STJ fls. 3.116-3.119
Anota-se daquele julgamento a lição de Bruno Miragem:
“A taxa DI-CETIP é calculada pela Central de Custódia e Liquidação de Títulos (CETIP), sociedade empresária de capital aberto que tem grande relevância para o sistema bancário, considerando que visa remunerar os depósitos interfinanceiros entre instituições financeiras. Trata-se da taxa média calculada e divulgada pela CETIP, mediante ponderação do volume de operações de emissão de depósitos interfinanceiros pré-fixados, pactuadas por um dia útil e registradas e liquidadas em seu sistema. É denominada formalmente taxa DI-CETIP Over Extra-Grupo, em vista de o seu cálculo considerar um dia útil de prazo (overnight) e contemplar apenas operações celebradas entre instituições de diferentes conglomerados financeiros. Serve como indexador de inúmeras operações do mercado financeiro." (Direito bancário, 2. ed. rev., atual. e ampl., São Paulo: Thomsom Reuters Brasil, 2018, pág. 73).
No julgado foram trazidos trechos dos votos-vista apresentados, respectivamente, pelo Ministro Aldir Passarinho Júnior e pela Ministra Nancy Andrighi:
"(...)Ainda sobre esse mesmo tópico, saliento que não tenho como potestativa a aludida Comissão de Permanência. Potestativa seria, nos termos do art. 115 do Código Civil, se se subordinasse ao arbítrio de uma das partes. No caso, não é assim, em absoluto. A Comissão de Permanência é aferida pelo Banco Central do Brasil com base na taxa média de juros praticada no mercado pelas instituições financeiras e bancárias que atuam no Brasil, ou seja, ela reflete a realidade desse mercado de acordo com o seu conjunto e não isoladamente, pelo que não é o banco mutuante que a impõe. E a taxa de juros, como consabido, deriva da política econômica do Estado, em que a taxa base, a SELIC, é determinada, por oferecimento aos bancos, pelo próprio Banco Central, o que por mais essa razão afasta, peremptoriamente, a possibilidade de incidência do art. 115 do Código Civil." (grifou-se)"(...)A taxa média de mercado, no entanto, se mostra mais apropriada, eis que guarda exata correspondência com o índice de inadimplência, e o seu cálculo leva em consideração o custo do dinheiro captado pelos bancos. Ademais, não há potestatividade na sua adoção, posto que não é fixada unilateralmente pelo credor."
Com o devido respeito a respeitável decisão permite a continuidade de práticas bancárias envolvendo a chamada taxa DI que levam, em muitos casos, a inadimplência, ao fechamento de empresas, por exemplo.
Há, com o devido respeito, em muito, naquela taxa chamada DI o aspecto de potestativa, pois é o próprio sistema financeiro, a par do banco que empresta os recursos, quem determina os índices de mercado, subordinando-se ao arbítrio de uma das partes.