Responsabilidade e a Natureza Jurídica da obrigação de pagamento das cotas condominiais

Direito Civil, Condomínio, Imóveis, Registro Imobiliário.

11/03/2020 às 10:47
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O presente artigo se propõe a discutir sobre responsabilidade de pagamento de cotas condominiais. Abordamos a natureza dessa responsabilidade através da ótica obrigacional presente na legislação e doutrina civilista.

Responsabilidade e a Natureza Jurídica da obrigação de pagamento das cotas condominiais

Resumo: O presente artigo se propõe a discutir sobre responsabilidade de pagamento de cotas condominiais. Abordamos a natureza dessa responsabilidade através da ótica obrigacional presente na legislação e doutrina civilista. Trazemos para contribuição ao debate posicionamento jurisprudencial demonstrando diversas visões sobre esse tema.

Palavras-chave: Direito Civil, Obrigação prompter rem, Cotas condominiais, Responsabilidade, Condomínio.

Abstract: The present article proposes to discuss responsibility for payment of condominium quotas. We approach the nature of this responsibility through the obligatory viewpoint present in civil law and doctrine. We bring contribution to the debate jurisprudential positioning demonstrating different views on this topic.

Keywords: Civil Law, Obligation prompter rem, Condominium quotas, Liability, Condominium.

Sumário: Introdução. 1. Natureza jurídica. 2. Importância do Registro de Imóveis no contexto da obrigação prompter rem. Conclusão. Referência bibliográfica.

Introdução

Os condomínios são uma realidade social que se apresenta de múltiplas formas para o mundo jurídico. Dentro dessa realidade surgem questões que são encaminhadas para apreciação do judiciário e que merecem atenção do mundo acadêmico. Uma dessas questões diz respeito da obrigação sobre pagamento das cotas condominiais. Ao longo do tempo diversas decisões judiciais e melhor entendimento doutrinário recorreram à análise sobre a natureza jurídica desta obrigação para solução do conflito entre as partes.

  1. A natureza jurídica

A natureza jurídica da responsabilidade pelo pagamento das cotas condominiais é uma obrigação do tipo propter rem. Nesse sentido, observa Gagliano (2017,) que as obrigações propter rem são:

“Ao contrário das obrigações, em geral, que se referem ao indivíduo que as contraiu, as obrigações propter rem se transmitem automaticamente para o novo titular da coisa a que se relacionam. É o caso, por exemplo, da obrigação do condomínio de contribuir para a conservação da coisa comum (art. 1.315 do CC/2002).

Nesse sentido, em recente decisão, a Décima Nona Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, assim definiu:

“Preliminares de falta de interesse de agir e de ausência de pressupostos de constituição e desenvolvimento válido e regular do processo afastadas. A obrigação de pagamento de despesas condominiais tem natureza propter rem, ou seja, está umbilicalmente vinculada à própria coisa, de sorte que, aderindo ao imóvel, passa à responsabilidade do novo adquirente, ainda que se cuide de cotas anteriores à transferência do domínio, ressalvado o seu direito de regresso contra o antigo proprietário. A multa moratória é devida em razão do inadimplemento do valor devido das parcelas cobradas a título de cota condominial. Preliminares rejeitadas. Apelação improvida. (Apelação Cível Nº 70077091957, Décima Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Voltaire de Lima Moraes, Julgado em 26/04/2018)”. (Grifo nosso)

Em outro importante ensinamento doutrinário, Gonçalves (2015, p. 338), salienta que a obrigação propter rem:

“(...) é a que recai sobre uma pessoa, por força de determinado direito real. Só existe em razão da situação jurídica do obrigado, de titular do domínio ou de detentor de determinada coisa. É o que ocorre, por exemplo, com a obrigação imposta aos proprietários e inquilinos de um prédio de não prejudicarem a segurança, o sossego e a saúde dos vizinhos (CC, art. 1.277)”.

Portanto, as obrigações propter rem surgem atreladas a direitos reais, porém com eles não se confundem. Nesta linha de entendimento nos ensina Gonçalves (2015, p. 338):

“Enquanto estes representam ius re (direito sobre a coisa, ou na coisa), essas obrigações são concebidas como ius ad rem (direitos por causa da coisa, ou advindo da coisa)”.

 As obrigações propter rem se diferenciam das obrigações com eficácia real. Nas palavras de Gagliano (2017) , temos:

“(...) distinga-se a obrigação propter rem das obrigações com eficácia real. Nestas, sem perder seu caráter de direito a uma prestação, há a possibilidade de oponibilidade a terceiros, quando houver anotação preventiva no registro imobiliário, como, por exemplo, nos casos de locação e compromisso de venda, como dispõe o art. 8º da Lei n 8.245/91”.

 Assim, em um caso hipotético no qual alguém celebra contrato de compromisso de compra e venda de um bem imóvel com outrem e a escritura não foi registrada no nome daquele, caso venha a surgir inadimplência das cotas condominiais, o condomínio pode ajuizar Ação de Cobrança contra em promitente vendedor.

Nesse contexto, poderia surgir uma dúvida sobre a responsabilidade de pagamento das cotas condominiais, ou seja, promitente vendedor pode alegar que não é mais possuidor do bem, e, portanto, não a obrigação prompter rem inexistiria.  Porém, entra em cena, outro elemento jurídico importante, no caso, o registro do imóvel, exigido para formalização do processo de transmissão de bens imóveis. Assim, não podemos falar em posse por parte daquele que celebrou o contrato de compromisso de compra e venda, e não realizou o registro do imóvel, e, portanto, a obrigação prompter rem permanece.

  1. Importância do Registro de Imóveis no contexto da obrigação prompter rem

Tendo como referência a situação hipotética narrada no final do último tópico, o Código Civil Brasileiro aponta um dispositivo legal que trata especificamente da necessidade do registro para consolidação do título translativo quando falamos de bens imóveis, a saber:

“Art. 1.245. Transfere-se entre vivos a propriedade mediante o registro do título translativo no Registro de Imóveis. §1º Enquanto não se registrar o título translativo, o alienante continua a ser havido como dono do imóvel”.

Em termos doutrinários, segundo Gagliano (2017, p. 1.041-1.042), o referido artigo:

“(...) dispõe que se transfere entre vivos a propriedade mediante o registro do título translativo no Registro de Imóveis. Daí decorre o famoso ditado popular “quem não registra não é dono”. Este ditado contém uma meia verdade. Isso porque, se o sujeito adquire o apartamento ou a casa, mas não cuida de efetivar o registro do título (contrato) no Cartório de Registro Imobiliário, formalmente ainda não deve ser considerada dono. Todavia, lembre (sic) que a propriedade poderá ser adquirida por outros meios, a exemplo da usucapião. Sucede que, no âmbito das relações negociais, de fato, somente o registro do título tem o condão de operar a transferência do domínio”.

      Tais citações colaboram com entendimento que no direito brasileiro, exige-se, além do título, certa solenidade. Observando sempre que no caso de bens imóveis exigi-se o registro, e no caso de bens móveis, faz-se necessário a tradição.

      Por fim, destaca-se nos ensinamento de Gagliano (2017, p. 1.042):

“(...) a teor do §1º do mesmo dispositivo, enquanto não se registrar o título translativo, o alienante continua a ser havido como dono do imóvel”.

            Portanto, a transferência da propriedade é o ponto central desse ponto da abordagem. Como bem ensina Gonçalves (2015, p. 551):

“Para a aquisição da propriedade imóvel, no direito brasileiro, não basta o contrato, ainda que perfeito e acabado”.

Destaca-se nesse sentido decisão do Superior Tribunal de Justiça, que diz:

“RECURSO ESPECIAL. CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO. PENHORA. BEM IMÓVEL OBJETO DE CESSÃO DE DIREITO À MEAÇÃO. AUSÊNCIA DE REGISTRO NA FORMA EXIGIDA PELO ART. 1.245 DO CÓDIGO CIVIL. PROPRIEDADE NÃO TRANSFERIDA. POSSIBILIDADE DA CONSTRIÇÃO.

  1. Os Embargos de Declaração são corretamente rejeitados se não há omissão, contradição ou obscuridade no acórdão embargado, tendo a lide sido dirimida com a devida e suficiente fundamentação.
  2. A transferência da propriedade do bem imóvel entre vivos dá-se mediante o registro do título translativo no Registro de Imóveis, permanecendo o alienante na condição de proprietário do bem enquanto não for efetuado o registro.
  3. No caso, muito embora a cessão de direitos tenha sido celebrada em cartório, por meio de Escritura Pública de Cessão de Direitos de Meação, trata-se de negócio jurídico de natureza obrigacional e que, portanto, só produz efeito entre as partes que o celebraram, não sendo oponível erga omnes, antes de efetuado o registro do título translativo no Registro de Imóveis, de modo que, mantida a penhora, realizada contra aquele em cujo nome foi transcrito o imóvel.

Recurso Especial conhecido e provido.” [2]

Também, nesse sentido, temos:

“RECURSO ESPECIAL. COTAS CONDOMINAIS. PROMESSA DE COMPRA E VENDA. RESPONSABILIDADE.

  1. Alienada a propriedade por ‘compromisso de compra e venda’, ‘enquanto não se registrar o título translativo, o alienante continua a ser havido como dono do imóvel’ (art. 1.245, § 1º, do novo Código Civil).

 

  1. Se não há elemento seguro a indicar que o promitente comprador exerceu posse direta sobre o imóvel, a responsabilidade pelo pagamento das cotas condominiais é do promitente vendedor”. [3]

Em suma, enquanto não se registrar o título translativo, o alienante continua a ser havido como dono do imóvel.

Por ele, criam-se apenas obrigações e direito, segundo estatui o art. 481 do Código Civil, in verbis:

“Pelo contrato de compra e venda, um dos contratantes se obriga a transferir o domínio de certa coisa, e o outro, a pagar-lhe certo preço em dinheiro”.

Convém destacar que existem diferenças no processo de transferência de domínio entre bens móveis e imóveis. No primeiro caso ocorre através da tradição (CC, art. 1.267), e no segundo caso por meio do registro do título translativo (CC, art. 1.245).

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Especificamente no nosso ordenamento jurídico temos a exigência do registro para melhor garantia a propriedade do bem imóvel no contexto de transferência do domínio, a saber:

“Art. 1.245. Transfere-se entre vivos a propriedade mediante o registro do título translativo no Registro de Imóveis.

§ 1º Enquanto não se registrar o título translativo, o alienante continua a ser havido como dono do imóvel.

§ 2º Enquanto não se promover, por meio de ação própria, a decretação de invalidade do registro, e o respectivo cancelamento, o adquirente continua a ser havido como dono do imóvel”.

            Registre-se que existe importante julgado, emanado pelo Superior Tribunal de Justiça no qual a responsabilidade pode ocorrer tanto para promissário comprador ou promitente vendedor, assim temos:

“RESPONSABILIDADE. DESPESAS CONDOMINIAIS. PROMESSA. COMPRA E VENDA. A Turma deu provimento ao recurso especial a fim de reconhecer a ilegitimidade passiva da recorrente para figurar na ação de cobrança de despesas condominiais (relativas a meses de 2004 e 2005) proposta, na origem, pelo condomínio no qual é proprietária de uma sala. Na espécie, ela havia vendido o imóvel em 1999 por meio de contrato de promessa de compra e venda, tendo o promissário comprador se imitido na posse precária do bem. De acordo com o Min. Relator, a responsabilidade pelos encargos condominiais, quando há contrato de promessa de compra e venda, pode recair tanto sobre o promissário comprador quanto sobre o promitente vendedor. Entretanto, salientou que não cabe ao autor da ação escolher um dos dois aleatoriamente, sendo necessário aferir com quem a relação jurídica material foi estabelecida no caso concreto. Assim, asseverou que, nessas hipóteses, o promissário comprador que se imitiu na posse do imóvel, ainda que em caráter precário, e de cuja imissão o condomínio teve conhecimento, deve responder pelas despesas condominiais no período em que exerceu essa posse, mostrando-se irrelevante o fato de o contrato ter sido ou não registrado. Precedentes citados: EREsp 136.389-MG, DJ 13/9/1999; REsp 470.487-SP, DJ 30/6/ 2003; REsp 200.914-SP, DJ 13/12/1999; AgRg no REsp 573.801-SP, DJe 27/10/2010; REsp 579.943-RS, DJ 16/11/2004; REsp 813.161-SP, DJ 8/5/2006, e REsp 172.859-PR, DJ 1º/10/ 2001.” [1]

 

Resumidade, as demandas sobre esse continuam chegando aos tribunais, notadamente, analisando cada caso isoladamente.

  •  

As obrigações prompter rem são claramente especificadas em nosso ordenamento jurídico, portanto, seguem consolidado entendimento jurisprudencial. Contudo, quando confrontado com situações nas quais não ocorre efetivo registro de imóvel, e surge quadro de inadimplência das cotas condominiais. Em nosso entendimento, a questão exige um aprofundamento por todos aqueles que lidam com essas questões nos diversos ramos judiciais, merecendo atenção, também, dos estudos acadêmicos que tratam dessa temática. Nosso posicionamento, respeitando entendimento divergente, estamos diante de uma lide na qual devemos apontar como ponto de partida a prevalência do princípio que pagamento de cotas condominiais é uma obrigação do tipo prompter rem, e que essa, encontra-se ancorada em uma percepção clara da aplicação legal. Além disso, quando estamos diante de uma figura na qual a responsabilidade passa pela questão da posse e registro efetivo do bem imóvel, portanto, enquanto não registrado a responsabilidade pelo pagamento das cotas condominiais será do promitente vendedor, salve melhor juiz, respeitando sempre princípio da boa-fé e demais ditames legais.

Notas

[1]  STJ, acórdão no REsp nº 1.079.177-MG, Rel. Min. Massami Uyeda, julgado em 2/6/2011.

[2] STJ, REsp 788.258, Rel. Min. Sidnei Beneti, 3º Turma, julgado em 1-12-2009, DJe 10-12-2009.

[3] STJ, REsp 722.501/SP, Rel. Min. Castro Filho, Rel. p/ Acórdão Min. Humberto Gomes de Barros, 3ª Turma, julgago em 27-2-2007, DJ 28-5-2007, p. 326.

Referência bibliográfica:

ASSIS, Jose Eduardo Ribeiro de. A ação de cobrança das cotas condominiais diante da promessa de compra e venda do imóvel. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XIV, n. 90, jul 2011. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=9883>. Acesso em jul 2018.

GAGLIANO, Pablo Stolze. Manual de direito civil. Volume único. São Paulo: Saraiva, 2017

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil esquematizado. V. 2. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2015.

TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Apelação Cível Nº 70077091957, Décima Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Voltaire de Lima Moraes, Julgado em 26/04/2018. Disponível em: < https://tj-rs.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/113050991/apelacao-civel-ac-70055336275-rs>. Acessado em: 19/07/2018.

VADE MECUM RT. 14 ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: Editora Revista do Tribunais, 2017.

Sobre o autor
Rubens Melo da Silva

Acadêmico de Direito Centro Universitário Estácio de Sá. Graduado em História pela Universidade Federal do Ceará, Pós-Graduado em Administração, Finanças e Negócios Escola Superior Abertura do Brasil. Email: [email protected]

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Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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