NATUREZA JURÍDICA DA MEDIDA ADMINISTRATIVA DE INTERNAÇÃO COMPULSÓRIA

12/03/2020 às 08:15
Leia nesta página:

O ARTIGO DISCUTE SOBRE RECENTE MEDIDA EDITADA PELO GOVERNO DO RIO DE JANEIRO NO QUE CONCERNE A INTERNAÇÃO COMPULSÓRIA NO COMBATE AO NOVO CORONAVÍRUS.

NATUREZA JURÍDICA DA MEDIDA ADMINISTRATIVA DE INTERNAÇÃO COMPULSÓRIA

Rogério Tadeu Romano

I – O FATO

Segundo a colunista Bela Megale, no site do O Globo, em 11 de março do corrente ano, o governador do Rio, Wilson Witzel (PSC), afirmou que o estado irá publicar um decreto relacionado a questões emergenciais do novo coronavírus. O documento, previsto para ser sair nos próximos dias, permitirá que municípios do Rio tenham autonomia para fazer internações compulsórias de suspeitos de terem sido contaminados pelo vírus.

— O decreto trata de questões emergenciais como orientação para formalizar necessidade de contratação de leitos, de contratação na rede privada e o que os municípios podem fazer. A cidade de Paraty teve um caso e ficou sem saber o que fazer. Não precisa ir à Justiça, a internação compulsória, o próprio município pode fazê-la. O munícipio terá autonomia para fazer a internação compulsória. Estamos fazendo a análise jurídica para soltar o decreto. — afirmou Witzel à coluna.

Internamento compulsivo ou internação compulsória é a prática de utilizar meios ou formas legais como parte de uma lei de saúde l para internar uma pessoa em um hospital psiquiátrico enfermaria mesmo contra a sua vontade ou sob os seus protestos.

Disse o governador, conforme se lê do site da agência Brasil:

“Há uma discussão jurídica sobre a internação compulsória. Eu tenho uma visão de que, quando se trata de saúde pública, de coletividade, o interesse individual não pode se sobrepor ao interesse da coletividade”, disse. Para Witzel, que desde ontem cumpre agenda em Brasília, o Estado tem poder de polícia, assim como as autoridades sanitárias, e pode usar desse poder para preservar a integridade física. 

O governador destacou que o Código Penal brasileiro esclarece a questão do excludente de ilicitude e, no Artigo 25, um deles é o estado de necessidade, para preservar a vida alheia ou a própria vida . “A internação compulsória pode e deve ser com critérios, conscientizando as pessoas da necessidade de fazer o isolamento por um período de 15 dias, até que se afastem as possibilidades de contaminação. Acredito que estamos chegando a um bom ponto”, disse.

II - PANDEMIA

Trata-se de uma pandemia e como tal deve ser tratada.

Organização Mundial da Saúde declarou o novo coronavírus como uma pandemia. O anúncio foi feito nesta quarta-feira, dia 11 de março do corrente ano, pelo diretor-geral da entidade, Tedros Adhanom Ghebreyesus, durante coletiva de imprensa. Nas duas últimas semanas, o número de casos de covid-19 fora da China aumentou 13 vezes e o número de países afetados triplicou.

Agora, são mais de 118 mil casos em 114 países e 4.291 mortes registradas. "Milhares de outras estão lutando pelas suas vidas em hospitais. Nos próximos dias, esperamos ver o número de casos de covid-19, o número de mortes e o número de países afetados escalar ainda mais", afirmou Ghebreyesus.

A pandemia é uma epidemia de doença infecciosa que se espalha entre a população localizada em uma grande região geográfica como, por exemplo, um continente, ou mesmo o Planeta Terra.

De acordo com a Organização Mundial da Saúde, uma pandemia pode começar quando se reúnem estas três condições:

  • O aparecimento de uma nova doença à população.
  • O agente infecta humanos, causando uma doença séria.
  • O agente espalha-se fácil e sustentavelmente entre humanos.

Uma doença ou condição, não pode ser considerada uma pandemia somente por estar difundido ou matar um grande número de pessoas; deve também ser infeccioso. Por exemplo, câncer é responsável por um número grande de mortes, mas não é considerada uma pandemia porque a doença não é contagiosa (embora certas causas de alguns tipos de câncer possam ser).

III – O EXERCÍCIO DO PODER DE POLÍCIA

Trata-se de um exercício de poder de polícia.

Atende-se aos casos de relevância e urgência na aplicação do modelo legislativo no que concerne ao exercício da autoexecutoriedade do ato administrativo para que se possa ter o poder de polícia.

Trata-se de executoriedade dos atos administrativos unilaterais. Através dele a Administração pode modificar, por sua única vontade, situações jurídicas, sem o consentimento dos atingidos pelo ato.

É a chamada execução forçada na via administrativa, que consiste em uma via jurídica especial, própria do ato administrativo, fazendo a Administração prescindir da declaratio iuris do Poder Judiciário.

A executoriedade, pois, por sua importância, é a manifestação do poder de autotutela da Administração Pública, pelo qual esta tem a possibilidade de realizar, de forma coativa, o provimento no caso de oposição do sujeito passivo.

Pois a executoriedade dos atos administrativos tem fundamental importância no exercício do poder de polícia administrativo, na faculdade que tem a Administração Pública de disciplinar e limitar, em prol de interesse público adequado, os direitos e liberdades individuais, como já ensinou Caio Tácito (O poder de polícia seus limites. in Rev. De Dir. Adm., volume 27, páginas 1 e seguintes).

Nessa linha de pensar, as decisões administrativas de polícia são, por sua natureza, executórias. A Administração tem a faculdade de recorrer a meios coercitivos para compelir ao cumprimento de suas determinações. Mas entenda-se que essa coação administrativa, desde que exercida, de forma moderada, e dentro de quadros legais, é permite, nos limites da proporcionalidade.

A providência legislativa adotada precisa ser enquadra em parâmetros de razoabilidade e proporcionalidade.

A razoabilidade é vista na seguinte tipologia:

a)razoabilidade como equidade: exige-se a harmonização da norma geral com o caso individual;

b)razoabilidade como congruência: exige-se a harmonização das normas com suas condições externas de aplicação;

c)a razoabilidade por equivalência: exige-se uma relação de equivalência entre a medida adotada e o critério que a dimensiona.

Há ainda o que se chama de proporcionalidade em sentido estrito, onde se cuida de uma verificação da relação custo-benefício da medida, isto é, da ponderação entre os danos causados e os resultados a serem obtidos. Pesam-se as desvantagens dos meios em relação ás vantagens do fim.

Em resumo, a providência deve atender aos  seguintes requisitos: a) da adequação, que exige que as medidas adotadas pelo Poder Público se mostrem aptas a atingir os objetivos pretendidos; b) da necessidade ou exigibilidade, que impõe a verificação da inexistência de meio menos gravoso para atingimento de  fins visados; c) da proporcionalidade em sentido estrito, que é a ponderação entre o ônus imposto e o benefício trazido para constatar se é justificável a interferência na esfera dos direitos dos cidadãos.

O artigo 78, da lei 5.172, de 25 de outubro de 1966 cita que:

"Art. 78. Considera-se poder de polícia atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranquilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos.

Parágrafo único. Considera-se regular o exercício do poder de polícia quando desempenhado pelo órgão competente nos limites da lei aplicável, com observância do processo legal e, tratando-se de atividade que a lei tenha como discricionária, sem abuso ou desvio de poder."

O paciente poderá contestar a medida ajuizando o remédio heroico do habeas corpus.

IV – A INTERNAÇÃO PARA DEPENDENTES QUÍMICOS

Recentemente a medida de internação compulsória foi aplicada para dependentes químicos.

O presidente Jair Bolsonaro sancionou, com vetos, a lei que autoriza a internação involuntária (sem consentimento) de dependentes químicos. O texto, aprovado em 15 de maio pelo Senado, está publicado na edição do dia 6 de junho de 2019 do Diário Oficial da União.

A Lei 13.840 de 2019 altera diversos pontos do Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas (Sisnad), que coordena medidas relacionadas à prevenção do uso de psicoativos, à atenção à saúde de usuários e à repressão ao tráfico. O texto define as condições de atenção aos dependentes químicos e trata do financiamento das políticas sobre drogas.

Pois bem: trata-se de providência a ser tomada, no estrito interesse da salvaguarda da saúde pública, para o exercício de poder de policia.

V – O CASO DA VACINAÇÃO OBRIGATÓRIA

No passado, houve o caso da vacina obrigatória.

Determinada a vacinação compulsória, como meio preventivo contra a varíola, ex vi da Lei nº 1.251, de 31 de outubro de 1904, suscitou essa providência alguns descontentamentos, culminando com ameaças de surtos revolucionários.

Cerca de 19 horas do dia 14 de novembro de 1904, o General de Brigada Silvestre Rodrigues da Rocha Travassos, sublevando a Escola Militar da Praia Vermelha, no Rio de Janeiro, assumiu-lhe o comando. Prendendo ato continuo o General José Alípio Macedo da Fontoura Contaliat, comandante deste estabelecimento de ensino militar, marchou para o centro da cidade, à frente da tropa, com o fim, segundo ficaria mais tarde apurado, de depor o chefe do Governo, Presidente Rodrigues Alves e entregar a suprema direção do País a um governo de fato.

Em mensagem de 16 de novembro de 1904, pediu o Presidente Rodrigues Alves a decretação do estado de sítio para a Capital Federal e Niterói, apontando ao mesmo tempo ao Congresso os nomes do senador Tte-Cel Lauro Sodré e deputados Major Alexandre José Barbosa Lima e Alfredo Varela(Civil) como implicados no movimento.

Foi autorizada a decretação do estado de sítio, consoante os termos do decreto nº 1.270, de 18 de novembro, sendo encarregado do inquérito o bacharel Antônio Augusto Cardoso de Castro, chefe de polícia do Distrito Federal, vindo o relatório a ser publicado em suplemento ao Diário Oficial de 23 de dezembro de 1904.

Aliás, é mister lembrar a Lei nº 1.152, de 5 de janeiro de 1904, que, no artigo 1º, § 20, dispôs:

"Não podem a justiça sanitária, nem as autoridades judiciárias, quer federais, quer locais, conceder interditos possessórios contra atos da autoridade sanitária, exercidos rationie imperii, nem modificar ou revogar os atos administrativos, medidas de higiene e salubridade por ela determinadas a nesta mesma qualidade. Fica salvo à pessoa lesada as perdas e danos que lhe couberem, perante a justiça federal, de autoridade sanitária, tiver sido ilegal e promover a punição, se houver sido criminosa. Em caso de desapropriação, esta se fará segundo a Constituição e as leis respectivas".

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

Por certo, o ministro Pedro Lessa fez crítica com relação a esse dispositivo legal, pois "permite que um funcionário administrativo, um agente do Poder Executivo, sem recurso para autoridade judiciária alguma, prive injustificável, absurda, caprichosa ou criminosa que seja a ordem da autoridade sanitária, esta, segundo a lei, deve ser cumprida, para depois se processar criminalmente a autoridade arbitrária e criminosa e pedirem-se perdas e danos(Rev. de Dir., volume 17, pág. 114).

No mesmo voto, sustentava o insigne juiz a inconstitucionalidade do dispositivo, em face das garantias outorgadas à propriedade pelo art. 72, 17 §, da Constituição de 1891.

Em 1902, a Lei nº 939, em seu artigo 16 estatuiu:

"Não podem as autoridades judiciárias, quer federais quer locais, modificar ou revogar as medidas e atos administrativos, nem conceder interditos possessórios contra atos do governo municipal, exercidos ratione imperii".

Com o Código Civil, cujos artigos 499, 501 e 506 não fazem restrição alguma à proteção possessória, cessou essa lei de ser vigente.

Em menos de uma semana a oposição ao presidente Rodrigues Alves lançaria a Liga contra a Vacina Obrigatória. Organizava-se a revolta popular que contaria com o apoio dos positivistas, misto de filosofia e religião secular muito influente na época, sobretudo entre militares. Até Rui Barbosa discursava contra a vacina.

Em 1907 a febre amarela estava erradicada do Rio (em sua forma urbana a doença desapareceria do Brasil em 1942). No surto seguinte de varíola, em 1908, a população correu para os postos de vacinação -como faz agora com a febre amarela.

Hoje a população encara com naturalidade a penetração em imóveis onde há o perigo de doenças graves, como dengue, por exemplo, a funcionários da saúde para combater o mal com remédios apropriados.

VI – O STF E A MEDIDA

Segundo o Globo Analítico, em 11 de março do corrente ano,  ali se diz:

“A proposta do governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, de permitir por decreto que municípios do Rio realizem internações compulsórias de suspeitos de contaminação pelo vírus, pode ter a legalidade questionada no Supremo Tribunal Federal. A internação compulsória é um tema que está indefinido no tribunal.

Já há uma lei recentemente sancionada que regula a quarentena e o isolamento e estas duas medidas têm apoio unânime entre juristas. “É um problema de saúde pública, de bem coletivo”, observou o ministro Marco Aurélio Mello, quando o governo trouxe de volta brasileiros que estavam na China, no início das transmissões do Covid-19.

Mas em relação à internação compulsória, há mais de uma visão no Supremo. Pelo menos um ministro do STF interpreta que a precaução tem aspectos em comum com a quarentena, dando a entender que não haveria empecilho jurídico à ideia de Witzel.

Outro ministro vê a questão de forma mais cuidadosa. “Faz uma analogia com a vacinação compulsória, que levou à Revolta da Vacina”, comparou, lembrando os tumultos que sacudiram o Rio de Janeiro em 1904. Era discutida, na época, a exigência de comprovante de vacinação para matricular crianças nas escolas, obtenção de emprego, realização de viagens e hospedagens e até para o registro de casamentos. Também haveria cobrança de multa de quem resistisse à vacinação.

Um terceiro ministro do STF lembra que o decreto poderia cercear o direito fundamental de ir e vir, garantido na Constituição. "Uma restrição de direitos dessa ordem, a princípio, só poderia ser imposta na vigência do Estado de Defesa ou do Estado de Calamidade Pública. Em tese, caberia até um habeas corpus”, explicou.”

De toda sorte, trata-se de medida de saúde pública onde, em nome do bem comum, poderá ser necessária a bem da sociedade

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Leia seus artigos favoritos sem distrações, em qualquer lugar e como quiser

Assine o JusPlus e tenha recursos exclusivos

  • Baixe arquivos PDF: imprima ou leia depois
  • Navegue sem anúncios: concentre-se mais
  • Esteja na frente: descubra novas ferramentas
Economize 17%
Logo JusPlus
JusPlus
de R$
29,50
por

R$ 2,95

No primeiro mês

Cobrança mensal, cancele quando quiser
Assinar
Já é assinante? Faça login
Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Colabore
Publique seus artigos
Fique sempre informado! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos