Retratação da retratação

13/03/2020 às 09:33
Leia nesta página:

Trata do instituto da Retratação da Retratação nas ações penais públicas condicionadas à representação do ofendido.

Curioso instituto que gera muitas dúvidas.

Diz o art. Art. 5º, §4º Código de Processo Penal - CPP:

Nos crimes de ação pública o inquérito policial será iniciado:

§ 4º O inquérito, nos crimes em que a ação pública depender de representação, não poderá sem ela ser iniciado.

Logo, a REPRESENTAÇÃO é condição de procedibilidade para a ação penal e nada mais é que uma autorização dada pela vítima para que o titular da ação penal, o Ministério Público, a promova.

Por sua vez o art. 38 do mesmo diploma legal assim preleciona quanto ao prazo para REPRESENTAÇÃO:

Art. 38.  Salvo disposição em contrário, o ofendido, ou seu representante legal, decairá no direito de queixa ou de representação, se não o exercer dentro do prazo de seis meses, contado do dia em que vier a saber quem é o autor do crime, ou, no caso do art. 29, do dia em que se esgotar o prazo para o oferecimento da denúncia.

Portanto, caso transcorrido o prazo decadencial de seis meses sem a devida REPRESENTAÇÃO implicará na extinção da punibilidade, vide art. 107 do Código Penal, in verbis:

Extinção da punibilidade

Art. 107 - Extingue-se a punibilidade:  

I - pela morte do agente;

II - pela anistia, graça ou indulto;

III - pela retroatividade de lei que não mais considera o fato como criminoso;

IV - pela prescrição, decadência ou perempção;

V - pela renúncia do direito de queixa ou pelo perdão aceito, nos crimes de ação privada;

VI - pela retratação do agente, nos casos em que a lei a admite;

VII - pelo casamento do agente com a vítima, nos crimes contra os costumes, definidos nos Capítulos I, II e III do Título VI da Parte Especial deste Código;             (Revogado pela Lei nº 11.106, de 2005)

VIII - pelo casamento da vítima com terceiro, nos crimes referidos no inciso anterior, se cometidos sem violência real ou grave ameaça e desde que a ofendida não requeira o prosseguimento do inquérito policial ou da ação penal no prazo de 60 (sessenta) dias a contar da celebração;             (Revogado pela Lei nº 11.106, de 2005)

IX - pelo perdão judicial, nos casos previstos em lei.

Importante lembrar que diferente da prescrição, a decadência não se interrompe e não se suspende. Conta-se em dias corridos - tal qual a prescrição - a partir da ciência da autoria da infração na forma do art. 10 do mesmo Código Penal - CP:

Contagem de prazo        

Art. 10 - O dia do começo inclui-se no cômputo do prazo. Contam-se os dias, os meses e os anos pelo calendário comum. 

Trata-se de prazo material que inclui o dia do começo e exclui o dia do vencimento. Também não se prorroga caso vença num sábado, domingo ou feriado.

Ainda no Código de Processo, prevê o art. 25 que a RETRATAÇÃO DA REPRESENTAÇÃO será possível se feita antes do oferecimento da Denúncia.

A rigor do que consta na lei, preferiu o legislador falar de modo inverso para o mesmo efeito:

Art. 25.  A representação será irretratável, depois de oferecida a denúncia.

De igual redação prevê art. 102 do Código Penal acerca da Irretratabilidade da Representação:

Irretratabilidade da representação

Art. 102 - A representação será irretratável depois de oferecida a denúncia. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

Carece observar que nos crimes no âmbito da Lei Maria da Penha - Lei 11.340/06 - há uma pequena diferença quanto a esse prazo final: 

Art. 16. Nas ações penais públicas condicionadas à representação da ofendida de que trata esta Lei, só será admitida a renúncia à representação perante o juiz, em audiência especialmente designada com tal finalidade, antes do recebimento da denúncia e ouvido o Ministério Público.

Para ambos os casos não estabeleceu o legislador um prazo fixado em dias ou meses; apenas previu um marco temporal: até o oferecimento da denúncia, como regra geral, ou antes do recebimento da denúncia se for crime que envolva violência doméstica ou familiar contra a mulher.

Assim, não tendo sido estabelecido um prazo definido em uma unidade de tempo, tal qual o da representação - de seis meses, poderá a RETRATAÇÃO ser feita até mesmo depois de transcorrido aquele prazo decadencial citado, pois, o marco final é até o oferecimento ou recebimento da denúncia, conforme o caso como já exposto retro.

Vejamos o exemplo:

Infração praticada no dia 02 de janeiro de 2019 e tendo sido conhecida sua autoria no mesmo dia. Logo a vítima teve até o dia 01 de julho de 2019 pra oferecer a REPRESENTAÇÃO.

Porém, a denúncia foi proposta pelo MP no dia 12 de dezembro de 2019.

Assim poderia a vítima desistir de prosseguir na contenda, retratando-se da representação, até o dia 11 de dezembro de 2019, pois este é o prazo na forma definida no art. 25 CPP como regra geral.

Maiores dúvidas surgem quando se fala em RETRATAÇÃO DA RETRATAÇÃO, ou seja, na renovação da representação, que é o escopo deste artigo: a vítima representou depois se arrependeu e se retratou, retirando a representação. Ato contínuo arrependeu-se de novo cancelando a retratação anterior e renovando o desejo de representar e prosseguir na lide.

Segundo a jurisprudência majoritária adotada pelo STJ – não há previsão em lei sobre o assunto, sendo a lacuna preenchida pela Doutrina e também pela Jurisprudência - a Retratação da Retratação será permitida somente se ocorrer dentro do prazo decadencial de seis meses.

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Vejamos o que expôs Ramon Estancial, in “A retratação da retratação nas Ações Penais Públicas condicionadas à representação do ofendido”[1]:

“A primeira corrente, adotada pelo STJ, defende a possibilidade do desfazimento da retratação, desde que feito dentro do prazo decadencial que o ofendido possuía para oferecê-la, a saber, seis meses, a contar da data em que o ofendido vier a saber a identidade de seu ofensor. Nesse sentido:

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. DIREITO PENAL. ART. 303 DA LEI Nº 9.503/1997. CTB. LESÕES CORPORAIS CULPOSAS. AÇÃO PÚBLICA CONDICIONADA À REPRESENTAÇÃO DA VÍTIMA. PEDIDO DE ARQUIVAMENTO SEGUIDO DE RENOVAÇÃO DA REPRESENTAÇÃO DENTRO DO PRAZO DECADENCIAL. POSSIBILIDADE. ACÓRDÃO A QUO EM CONSONÂNCIA COM A JURISPRUDÊNCIA DESTE TRIBUNAL. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 83/STJ.  (AgRg no RECURSO ESPECIAL Nº 1.131.357 – DF (2009/0140788-5), Relator: Exmo. Sr. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR. STJ. SEXTA TURMA. DJe 18/11/2013)

É essa a corrente defendida também por Guilherme de Souza Nucci, Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo e doutrinador consagrado: “não há vedação legal para isso, razão pela qual, dentro dos limites do razoável, sem que se valha a vítima da lei para extorquir o autor da infração penal, enfim, dentro do que se afigura justo, é possível que haja a retratação da retratação”. (grifo) Manual de Processo Penal e Execução Penal, pg. 134”.

Nessa toada, a REPRESENTAÇÃO, a RETRATAÇÃO DA REPRESENTAÇÃO e a RETRATAÇÃO DA RETRATAÇÃO deverão operar-se, os três institutos, dentro do prazo de seis meses e não até o oferecimento da denúncia, tal como prevê o art. 25 do CPP para a Retratação da Representação.

De modo diverso, estar-se-ia prorrogando o prazo decadencial de representação prejudicando sobremaneira o autor do fato em clara violação à política penal despenalizante prevista na Lei 9.099/95, afinal a retratação da retratação é apenas uma nova representação feita após mudança de desidério da vitima.

Mantendo-se o prazo fixado no art. 38 CPP e tendo sido essa nova representação intempestiva, implicará em decadência e por conseqüência a extinção da punibilidade.

Trata-se de uma garantia do cidadão contra o Jus Puniendi estatal. Aliás, é também uma das finalidades do processo penal limitar o poder de punir do estado, evitando o uso arbitrário da força e garantindo ao réu a disponibilidade dos mesmos instrumentos utilizados pela acusação a fim de equilibrar a relação essencialmente desigual que existe entre o Estado e o particular.

Portanto, parecem razoáveis a doutrina e a jurisprudência em fixar o prazo de seis meses conforme art. 38 CPP em uma clara reafirmação do garantismo penal em oposição ao uso indiscriminado do direito repressor, que somente deverá ser usado em estrita observação a sua mínima intervenção e a sua natureza fragmentária e subsidiária, incumbindo ao Estado se valer, primeiramente, de outros meios de controle social.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

REFERÊNCIAS

BRASIL. DECRETO-LEI Nº 3.689, DE 3 DE OUTUBRO DE 1941. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689compilado.htm>. Acesso em 02 mar. 2020.

BRASIL. DECRETO-LEI Nº 2.848, DE 7 DE DEZEMBRO DE 1940. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848 compilado.htm>. Acesso em 02 mar. 2020.

BRASIL. LEI Nº 9.099, DE 26 DE SETEMBRO DE 1995. Disponível em:                 <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9099.htm>. Acesso em 02 mar. 2020.

BRASIL. A RETRATAÇÃO DA RETRATAÇÃO NAS AÇÕES PENAIS PÚBLICAS CONDICIONADAS À REPRESENTAÇÃO DO OFENDIDO. Disponível em: <https://www.megajuridico.com/a-retratacao-da-retratacao-nas-acoes-penais-publicas-condicionadas-a-representacao-do-ofendido/>. Acesso em 02 mar. 2020.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


[1] https://www.megajuridico.com/a-retratacao-da-retratacao-nas-acoes-penais-publicas-condicionadas-a-representacao-do-ofendido/

 

Sobre o autor
Weder Grassi

Formação: Bacharel em Direito formado pela Universidade Federal do Espírito Santo - UFES. Tecnólogo em Mecânica formado pela Universidade Federal do Espírito Santo - UFES. Técnico em Metalurgia formado pela Escola Técnica Federal do Espírito Santo - ETFES, atual Instituto Federal do Espírito Santo - IFES. Pós Graduado "lato sensu" (especialista): 1 - Segurança Pública - ACADEPOL PCES; 2 - Direito Processual Civil com Habilitação em Docência no Ensino Superior - RADIANTE CENTRO EDUCACIONAL; 3 - Direito Penal e Processual Penal - Faculdade Nacional - FINAC; 4 - Inteligência de Segurança Pública - Universidade Vila Velha - UVV/SENASP; 5 - Direito Público - Faculdade de Vila Velha - UNIVILA; 6 - Trânsito - Faculdade Cândido Mendes de Vitória - FCMV. Pós Graduado em nível de Aperfeiçoamento em Metalografia e Tratamentos Térmicos - Recobrimento de Ferro Fundido Cinzento com cromo e molibdênio via técnica do plasma transferido - Universidade de Pádova, Itália. Pós Graduado em nível de Atualização em Gestão de Segurança - Universidade Vila Velha - UVV. Pós Graduado em nível de Atualização em Direito Constitucional - EDUHOT Cursos Livres. Proficiente em língua italiana reconhecido pelo Governo Italiano. Diplomado em Política e Estratégia pela Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra no Estado do Espírito Santo - ADESG/ES. Experiências na área jurídica: Presidente da 1ª Comissão Processante Permanente do Depto. de Controle Interno (Corregedoria) da Guarda Civil Municipal de Vitória em 2004, onde também participou das elaborações dos Decretos Municipais PMV 11.877/04, 11.878/04 e 11.946/04. Integrante como Vogal da 1ª Câmara Processante da Corregedoria da Procuradoria Geral do Município de Vitória em 2005. Aprovado no Exame de Ordem/OAB. Outras Experiências: Trabalhador Portuário Avulso do OGMO/ES - Órgão de Gestão de Mão-de-Obra do Trabalho Portuário Avulso - de 2006 a 2010. Professor do CEDTEC em 2007. Analista de Trânsito da Prefeitura Municipal de Vitória entre 2000 e 2006. Fiscal do CREA-ES em 2000. Professor do CEFETES - Centro Federal de Educação Tecnológica do Espírito Santo, atual IFES, entre 1998 e 1999. Chefe da Seção de Transporte Escolar do DETRAN/ES entre 1996 e 1997. Assessor Parlamentar e Chefe de Gabinete na Câmara dos Deputados, Brasília, DF, de 1993 a 1995. Representante técnico-comercial da Falk Moto-redutores de Velocidade em 1992. Técnico de Desenvolvimento Técnico Refratário da Cia. Siderúrgica de Tubarão - CST de 1986 a 1992. Supervisor de Manutenção Refratária da Cia. Siderúrgica Paulista - COSIPA em 1986. Técnico em Metalurgia da Cia. Vale do Rio Doce - CVRD de 1985 a 1986. Escrivão de Polícia Civil, PC/ES, desde março de 2007.

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