BREVES COMENTÁRIOS: O DEVIDO PROCESSO LEGAL NA HISTÓRIA DA FORMAÇÃO DO DIREITO OCIDENTAL

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A presente discussão jurídica expõe ao leitor uma análise mais atualizada, sob o ponto de vista ocidental, do surgimento dos direitos fundamentais, assim como, das modernas constituições nos países ocidentais: "o princípio do devido processo legal".

Muito tem se discutido na atualidade – no âmbito das faculdades de Direito, seja em graduações ou pós-graduações – sobre a real origem do “devido processo legal”, princípio juridicamente muito cultuado nos países ocidentais.

Sem consenso, a maioria dos estudiosos sobre o tema, determinam que historicamente o conceito positivado do “devido processo legal” teve sua origem com a Magna Carta das Liberdades, em 15 de junho de 1.215, na Inglaterra. Constituição nascente, imposta pela nobreza britânica ao Rei João, aquele que ficou amplamente conhecido como “Sem Terra”, justamente porque não teria herdado, do seu pai, Henrique II, nenhuma propriedade.

João “Sem Terra”, subiu ao trono em substituição ao seu primo, Ricardo “Coração de Leão”, este um dos mais festejados reis ingleses do período de transição compreendido entre a alta idade média para a baixa idade média.

Naquele momento histórico, o Rei João, sem traquejo político, pressionado pelos maus resultados do sistema feudal, que apresentava sinais de desgaste, não conseguiu implantar suas convicções de governo – baseadas na alta política tributária. Distante da igreja Católica e sem respaldo dos nobres, o rei viu sua capital, Londres, ser invadida. Obrigado a negociar, foi forçado a assinar a Magna Carta. O documento, basicamente, determinava que os reis ingleses teriam, a partir daquele momento, seus poderes limitados, garantindo que apenas poderiam elevar os impostos ou criarem novas leis mediante aprovação de um conselho de nobres.

Sobre o ideário do “devido processo legal”, a Magna Carta descreveu, em artigo 28, que nenhum homem livre seria preso ou punido, sem antes ocorrer uma avaliação pelos seus pares, criando um Sistema Jurídico diverso do Poder Moderador representado pelo rei.

Considerando a mudança histórica da expressão “homem livre”, pelo termo “ninguém”, aquele, na ótica de grande parte da literatura histórica-jurídica, foi o ponto crucial do surgimento positivado do princípio do devido processo legal.

Não obstante a importância do postulado inglês, há o entendimento germânico, que sustenta que os primeiros traços históricos do devido processo legal fazem parte de um decreto do ano 1.037, expedido pelo então imperador alemão Conrado II, soberano do Sacro Império Romano-Germânico. O decreto teria sido editado durante uma expedição do rei à cidade italiana de Milão. A nova norma real reduziu a termo parte do direito feudal e suas práticas de transmissão da propriedade, tendo ainda, disposições de caráter universal.

O decreto de Conrado II trouxe quatro normas fundamentais ao desenvolvimento do Direito Fundamental moderno. O Édito, também conhecido como Decreto Feudal Alemão, de 28 de maio de 1037, no qual pela primeira vez se registrou de maneira positivada – por escrito – a ideia de que até mesmo o soberano do Sacro Império Romano-Germânico, também deveria se encontrar submetido a um ordenamento jurídico que limitasse o seu ímpeto de poder. Foi a primeira previsão do conceito de devido processo legal, visto o contexto de universalidade e submissão real às leis, instruindo como cláusula o primado que protegia os senhores feudais contra a possibilidade de tirania do imperador. No entendimento de Ruitemberg Nunes Pereira, merece destaque a primeira das normas positivadas por Conrado II:

Segundo a primeira ordenança do Imperador, nenhum homem seria privado de um feudo sob o domínio do Imperador ou de um senhor feudal (mesne Herr), senão pelas leis do Império (Gesetze des Reiches) e pelo julgamento de seus pares (Urteil seiner Kollegen), expressões que, reitere-se, foram escritas em 1037, e que, segundo STUBBS, foram simplesmente copiadas na Carta Magna Inglesa de 1215. [NUNES PEREIRA, 2005]

Nesse contexto, pode-se afirmar que nos antigos feudos germânicos foram lançadas as primeiras bases daquilo que, tempos depois, ficou conhecido como instrumento aos direitos fundamentais, por meio da formação do devido processo legal.

ESTRUTURA HISTÓRICA DO CONCEITO

Mesmo considerando a importância histórica das “novas regras” apontadas pelo Decreto Germânico ou pela Magna Carta Inglesa, tem-se que, há outros entendimentos mais reais – e antigos – sobre o surgir do processo legal. Primeiramente é preciso entender que o processo legalizado faz parte do conceito de “Direito Fundamental”.

Assim, na própria Inglaterra, na França e posteriormente nos Estados Unidos, o fenômeno do devido processo legal tem sua conotação histórica vinculada ao Direito Natural. Ou seja, tais direitos fundamentais são próprios do indivíduo e preexistiam mesmo anterior do próprio Estado. Nesse compasso, percebe-se que, o princípio do devido processo legal é anterior a qualquer normativa, sendo da essência íntima do próprio homem, como ser humano e ainda como ser parte de uma sociedade nascente.

Sob essa ótica, pode-se concluir que o homem, como detentor de direitos, é anterior ao próprio conceito de Direito sob a ótica da Sociologia Jurídica, pertencente a um viés filosófico. Todavia, considerando a normativa natural da antiguidade, também se percebe, com facilidade, que de nada valeria entender sobre a posse íntima e natural do Direito, mas não o tê-lo de forma compactuada à sociedade, válida entre os iguais.  

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Por outro lado, sob a percepção do desenvolvimento social, nos estados germânicos – partes da atual Alemanha – a noção de direitos fundamentais, que também engloba o conceito de processo legal, tem sua origem no pensamento que tais direitos não preexistiam, mas passaram a existir após a outorga do Estado. Nesse prisma, se percebe que, mesmo aceitando a naturalidade do Direito Fundamental, se pode afirmar que a sua existência se condiciona ao positivismo das leis pelo Estado. Assim, toda e qualquer norma positivada que tinha correlação a normas do processo, mesmo que anteriores a 1.037, devem ser consideradas como legais. Reinhold Zippelius, talvez, na atualidade o maior dos constitucionalista alemães, dissertando sobre temática similar aponta que:

As leis traduzem em palavras as ideias jurídicas. Só a expressão por meio da palavra torna tais ideias comunicáveis, dando-lhes uma forma consistente, que também é do interesse da segurança jurídica. A lei pode manter-se nos caminhos da moral social já predominante. Neste caso, as ideias de conduta digna de aprovação, que são defendidas por todos ou pela maior parte dos parceiros jurídicos e que já foram respeitadas em épocas anteriores ao direito como directivas de conduta, tornam-se juridicamente vinculativas. [ZIPPELIUS, 2016]

É justamente nesse conceito que se enxerga a configuração das primeira regras processuais – estabelecidas de forma primárias –, na Grécia antiga, com a determinação de uma fase acusatória (inclusive com a produção de provas pelas partes), que, juntamente com as regras inquisitoriais romano-canônicas que formam as bases do Inquérito Policial moderno, e que também são anteriores à Carta Magna Inglesa, é até hoje validada no processo misto, como o utilizado no Brasil.

Percebam que na caracterização germânica, a essência do direito positivado se agrupa ao próprio Direito Natural, aprimorados desde os tempos da “Vingança Pública”, época que já despontavam alguns dos primeiros conceitos normativos de sociedade como partícula formadora do estado.

Diante dos conceitos explicitados, se pode concluir que os fundamentos do princípio do devido processo legal – como Direito Fundamental – têm uma estrutura natural e positiva anterior à Magna Carta Inglesa, assim como também, ao próprio Decreto Germânico de 1.037. Essa estrutura podendo ser contextualizada naturalmente como parte cotidiana na vida do homem (ou mulher), e própria da sua essência. Ou ainda, como estrutura, apropriada ao complemento da essência pré-existente, fixando registros de normas pontualizados em cada período histórico, mesmo naqueles bem anteriores à Idade Média. 

 

Fontes Bibliográficas:

NUNES PEREIRA, Ruitemberg. O princípio do devido processo legal substantivo. Rio de Janeiro: Renovar, 2005.

ZIPPELIUS, Reinhold. Teoria do método jurídico, 11ª edição. Tradução: Antônio Franco e Antônio Francisco de Sousa. São Paulo: Saraiva, 2016.

 

 

 

 

Sobre os autores
Eder Machado Silva

Advogado. Militar da reserva da PMMG. Bacharel em Filosofia. Especialista em Direito Militar, Direito Constitucional e em Direito Processual Civil. Mestre em Direito. Doutorando em Direito Constitucional Comparado, pelo Centro Alemão de Gerenciamento de Projetos Jurídicos (ZRP) – em Leipzig na Alemanha. Membro Efetivo-Curricular da Academia de Letras João Guimarães Rosa – da PMMG. Professor universitário. Autor de livros jurídicos (E-mail: [email protected]).

Fábio Marinho dos Santos

Tenente Coronel da PMMG; Mestre em Administração; Professor de Direito Penal; Bacharel em Direito.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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