FIFA 20 (Electronic Arts) e o licenciamento dos jogadores dos times brasileiros: uma análise sobre o direito de imagem dos atletas no Brasil.

14/03/2020 às 18:14
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Com o lançamento da Libertadores no Fifa 20, uma grande dúvida pairava sobre os fãs dos games de futebol: por que os atletas brasileiros possuem nomes e imagens genéricas?

Com o lançamento da Libertadores no Fifa 20, uma grande dúvida pairava sobre os fãs dos games de futebol: por que os atletas brasileiros possuem nomes e imagens genéricas?

Pois bem, nos casos dos jogos digitais aonde utilizam-se de uma figura real (como os jogadores de futebol), o uso de seu nome e imagem devem ser autorizados expressamente. Nesse caso, a autorização se refere ao Direito de Imagem e não exatamente ao Direito Autoral.

Caso haja a utilização dos nomes fictícios não há Direitos Autorais e nem mesmo de imagem, e é nesse aspecto em que o FIFA 20 se pauta para a utilização dos nomes e imagens genéricos dos jogadores nos times brasileiros.

 MAS O QUE É DIREITO DE IMAGEM?

O direito à imagem, atualmente, considerado como direito autônomo, faz parte do grupo dos direitos da personalidade que são universais. Isto quer dizer que todos os seres humanos, indistintamente, gozam desse direito, estando-lhes facultado o controle do uso de sua imagem, seja através da representação fiel de seus aspectos físicos (fotos, retratos pintados, gravuras etc.), seja por meio do usufruto da representação de sua aparência individual e distinguível, concreta e abstrata.

No Brasil, o direito à imagem possui previsão legal expressa no art. 5º, incisos V, X e XXVIII, da Constituição Federal:

Art. 5º […] […] V- é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem; […]  X- são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação; […] XXVIII - são assegurados, nos termos da lei: a) a proteção às participações individuais em obras coletivas e à reprodução da imagem e voz humanas, inclusive nas atividades desportivas;          

No mesmo sentido, o Código Civil, classificando o direito de imagem no rol dos direitos da personalidade (onde também se encontram o direito à vida, ao nome e à privacidade), confere-lhe proteção especial contra a sua violação em seus artigos 11, 12 e, de forma mais específica, no artigo 20. Nesse sentido, transcreve-se os artigos mencionados:

Art. 11. Com exceção dos casos previstos em lei, os direitos da personalidade são intransmissíveis e irrenunciáveis, não podendo o seu exercício sofrer limitação voluntária. Art. 12. Pode-se exigir que cesse a ameaça, ou a lesão, a direito da personalidade, e reclamar perdas e danos, sem prejuízo de outras sanções previstas em lei. Parágrafo único. Em se tratando de morto, terá legitimação para requerer a medida prevista neste artigo o cônjuge sobrevivente, ou qualquer parente em linha reta, ou colateral até o quarto grau. […]

Art. 20. Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais.

Entretanto, o direito de imagem deve ser utilizado com grande parcimônia, um exemplo disso é enunciado 279 da IV Jornada de Direito Civil que diz que “A proteção à imagem deve ser ponderada com outros interesses constitucionalmente tutelados, especialmente em face do direito de amplo acesso à informação e da liberdade de imprensa. Em caso de colisão, levar-se-á em conta a notoriedade do retratado e dos fatos abordados, bem como a veracidade destes e, ainda, as características de sua utilização (comercial, informativa, biográfica), privilegiando-se medidas que não restrinjam a divulgação de informações.”.

Sendo assim nota-se que o dispositivo rechaça a busca de alguns jogadores pelo cerceamento ao direito de amplo acesso à informação, além de visar minimizar as restrições à divulgação de informações, logo, o direito de imagem possui suas limitações quando tratamos de informações necessárias ao público.

 COMO FUNCIONA O LICENCIAMENTO DO DIREITO DE IMAGEM DOS ATLETAS E CLUBES BRASILEIROS?

Devido a essa realidade, tornou-se comum a realização de contratos entre atletas e empresas nos quais aqueles, muitas vezes por vultosas quantias, cedem a estas o uso comercial de suas imagens.

Desde que se respeitem os princípios constitucionais e legais, tais cessões são válidas e aptas a produzirem efeitos, já que o ordenamento jurídico brasileiro admite que o direito à imagem seja cedido voluntariamente pelo seu titular a terceiros.

A Lei n.º 9.615/98, de 24 de março de 1998, mais conhecida como Lei Pelé, prevê no art. 87-A, o seguinte: “O direito ao uso da imagem do atleta pode ser por ele cedido ou explorado, mediante ajuste contratual de natureza civil e com fixação de direitos, deveres e condições inconfundíveis com o contrato especial de trabalho desportivo”.

Logo, com essa previsão legislativa, os atletas são livres para negociar a cessão de suas imagens, pelo valor que bem entenderem.

Portanto, o que acaba acontecendo na prática, é que cada atleta negocia a sua cessão de imagem individualmente, diante desse cenário, fica à encargo das produtoras dos jogos irem atrás de cada jogador para negociar os seus contratos.

Como essa negociação tende a ser individual, é algo que se torna complicado, pois, nem todos os atletas querem seu nome vinculado ao jogo, bem como também tendem a cobrar valores muita mais elevados do que a realização de uma acordo coletivo, que é o que normalmente acontece em outros países.

Na justiça brasileira existem muitos casos de jogadores de futebol que ajuizaram ações contra a produtora do jogo digital por utilizar suas imagens sem a devida autorização.

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O caso que mais chama atenção ocorreu na 3ª Vara Cível da Comarca de São Paulo/SP.

Em ação em conjunto feita pelo Sindicato dos Atletas de Futebol do Estado de Minas Gerais, o SAFEMG, mais de 200 atletas fizeram parte da requisição por uso indevido de seus direitos nos jogos de FIFA 2005 ao FIFA 16 e FIFA Manager 2006 ao 14.

Fazem parte da lista de jogadores nomes como Alecsandro, Alex, Dagoberto, Diego Tardelli, Edu Dracena, Egídio, Éverton Ribeiro, Fred, Marcos Rocha, Ricardo Goulart, Wellington Paulista e outros.

A empresa terá de pagar mais de R$ 7 milhões por uso indevido de imagem de atletas que atuaram por equipes mineiras, sendo que a juíza fixou o valor de R$ 5 mil, por aparição de cada atleta nos jogos.

DIREITO DE IMAGEM NO ÂMBITO INTERNACIONAL

A entidade que regulamenta o Direito de Imagem na Europa e em grande parte dos países do mundo é a FIFPRO "A Fédération internationale des Associations de footballeurs professionnels", Federação Internacional dos Futebolistas Profissionais, que tem como Slogan "Wold Players' Union".

Diante disso, qualquer tipo de produtora de jogos digitais que caso queira a permissão para uso de imagens de jogadores de futebol atuantes em grande parte do mundo, deve requerer a autorização e negociar valores com essa entidade, pois é ela que representa os direitos dos jogadores profissionais, sendo assim, não é necessário negociar individualmente com cada jogador.

Entretanto, em alguns casos, países ou ligas se desvinculam da FIFPRO, normalmente o motivo é a divergência dos valores repassados para os atletas.

Recentemente a AUF - Selección Uruguaya de Fútbol desvinculou-se da FIFPRO, porém eles criaram e possuem um departamento que lida diretamente com o uso das imagens de seus jogadores locais, assim como a DFL - Deutsche Fußball Liga GmbH (Bundesliga Official) que também não é vinculada ao FIFPRO, mas possuí uma área específica para negociar o direito de imagem de todos os atletas de sua liga.

Em síntese, se você quer licenciar direitos de imagens você entra em contato diretamente com essas entidades, que negociam o direito de imagem de todos os jogadores associados, sendo infinitamente mais fácil, rápido e menos oneroso.

Logo, verifica-se que o Brasil larga atrás no quesito de licença dos atletas, em praticamente em todas as ligas mais competitivas do futebol mundial, possuem mecanismos práticos para adquirir as suas licenças.

Isto posto, apesar do entendimento sedimentado de que o uso comercial de imagem condiciona-se imprescindivelmente à autorização expressa, é válida a reflexão no sentido de que tal exposição não prejudica os atletas, além de que poderá trazer frutos ainda mais generosos para os mesmos, não só em questão financeira, mas também na questão da imagem, visto que os jogos digitais sempre são criados aqueles grandes “mitos” que no futebol profissional não se destacam tanto, como exemplo podemos citar atletas como o colombiano Victor Ibarbo e o inglês Adebayo Akinfenwa, que apesar de nunca terem grande feitos no futebol profissional, ficaram muito conhecidos pelas suas características nos games.

Logo, não cabe discussão o fato de o direito de imagem dever ser respeitado, porém, o anseio por indenizações robustas faz-se uma “relativização” do mesmo em prol de uma exposição que só seria benéfica para os atletas.

A solução mais correta para se tomar, seria a criação de uma entidade que representasse os direitos de imagem dos jogadores para serem cedidos aos jogos digitais, como é nos demais campeonatos pelo mundo, no qual sempre funcionou muito bem, gerando lucro e exibição aos jogadores de futebol.

REFERÊNCIAS:

 NUNES, Maria Augusta Silveira Netto. Propriedade intelectual e industrial em jogos e noções sobre prospecção de tecnologia: em direção à apropriação nacional/internacional dos ativos brasileiros desenvolvidos para jogos. Disponível em: <http://ebooks.pucrs.br/edipucrs/tutoriais-sbgames-2014/capitulo6.html#por-3>. Acesso em 02 de março de 2020.

SILVA, Rodrigo. O Direito de Imagem e os atletas profissionais. Disponível em: <http://www.rodrigoreis.adv.br/o-direito-de-imagem-e-os-atletas-profissionais/>. Acesso em 02 de março de 2020.

ROCHA, Thiago. Jogos eletrônicos, direito do consumidor e princípio da fraternidade. Disponível em: <https://rafaelscaini.jusbrasil.com.br/artigos/199816531/direito-de-imagem-do-jogador-profissional-de-futebol>. Acesso em 02 de março de 2020.

ESPN. <https://www.espn.com.br/esports/artigo/_/id/5496471>. Acesso em 02 de março de 2020.

SCHIAVI, Mauro - Aspectos controvertidos do direito de imagem e direito de arena do atleta profissional de futebol. Disponível em http://mauroschiavi.com.br/wp-content/uploads/2015/08/Aspectos-controvertidos-do-direito-de-imagem-e-arena-do-jogador-de-futebol.pdf. Acesso em 02 de março de 2020.

Sobre o autor
Keiffer Becker

Possuo graduação em Direito pela Universidade do Sul de Santa Catarina - UNISUL. Pós-graduado em Direito Empresarial pelo Escola Brasileira de Direito - EBRADI. Fui membro titular da Comissão de Direito Securitário da Ordem dos Advogados do Brasil Seccional de Santa Catarina. Sou o atual presidente da Comissão de Direito Administrativo, Vice-presidente da Comissão de Moralidade Pública e membro da Comissão de Negócios Internacionais, Tecnologia e Investimentos em Startups, todas da OAB Subseção Palhoça. Tenho experiência nas áreas do Direito Empresarial, Propriedade Intelectual, Contratos, e atuação efetiva em demandas complexas de Direito Administrativo e Direito Público em geral.

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Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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