Breves ponderações sobre a Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020 e consequências por desrespeitá-la

Leia nesta página:

Diante do alerta internacional promovido pela OMS, a Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020 para proteção da coletividade

 

 

Vários países vivem epidemias pelos coronavírus (COVID-19). Das epidemias, a pandemia, por atingir mais de um continente.

Diante da gravidade mundial — "mundial", não, mas do "grãos de areia" que é a Terra, conjuntamente com a espécie humana, muito frágil —, o chefe de governo e chefe de estado, o Excelentíssimo Senhor presidente da República Jair Messias Bolsonaro decretou a Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020.

Segundo o texto da norma contida no art. 1º, a lei trata de "enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus responsável pelo surto de 2019".

"Para enfrentamento da emergência de saúde pública" (art. 3º):

I - isolamento;

II - quarentena;

III - determinação de realização compulsória de:

a) exames médicos;

b) testes laboratoriais;

c) coleta de amostras clínicas;

d) vacinação e outras medidas profiláticas; ou

e) tratamentos médicos específicos;

Os cidadãos, sejam agentes ou não agentes públicos, brasileiros natos ou naturalizados, turistas estrangeiros, "deverão sujeitar-se ao cumprimento das medidas previstas neste artigo, e o descumprimento delas acarretará responsabilização, nos termos previstos em lei" (§ 3º, do art. 3º).

A lei em comento afirma que há "realização compulsória" de "exames médicos, vacinação e outras medidas profiláticas", "tratamento médicos específicos". Do descumprimento, de cidadão brasileiro, ou de turista estrangeiro, a "responsabilização, nos termos previstos em lei". Ou seja, o Estado criou lei "coagindo os cidadãos" — "coagindo", como gostam de dizer os defensores de "não intervenção do Estado na autonomia da vontade e autopossessão dos cidadãos".

INFELIZMENTE, há campanhas, no Brasil e nos EUA, e outros países, contra vacinações para se evitarem pandemias. Os pais se dizem os "legítimos responsáveis" por seus filhos, enquanto o Estado nada teria de "legitimidade" para ditar como devem as crianças e os adolescentes serem "educados", "cuidados". Ora, dizer que o Pátrio Poder é o "legitimador" dos pais sobre os filhos, e os pais "sabem" o que é melhor para seus próprios filhos, também é possível admitir que o Estado está se "intrometendo" no Pátrio Poder quando criar lei e proíbe que fumantes fumem quando há criança (s) dentro de transportes público ou particular. Também é de se considerar como "verdadeiro", algo como "lei natural", de os pais, biológicos ou não, permitirem que os seus filhos consumam bebidas alcoólicas, fumem quando quiserem, até com cinco anos de idade.

Outra questão que fomentou discussões calorosos sobre internação compulsória de dependentes químicos. Pode o Estado "coagir" dependente químico para ser internado? Trata-se de usuários de crack. A respeito, o artigo Cracolândia, autonomia da vontade, internação compulsória e direitos humanos. Em síntese, não se pode falar em "autonomia da vontade" quando se está sob efeito de droga, qualquer, e não se tem discernimento.

Na questão da obrigatoriedade de teste etilômetro, o famoso "bafômetro", não há constitucionalidade quando o condutor é coagido passar pelo teste de "assoprar no bafômetro". A CRFB de 1988 é solar:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

(...)

X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;

Na questão dos Direitos Humanos:

CONVENÇÃO AMERICANA DE DIREITOS HUMANOS (1969)— (PACTO DE SAN JOSÉ DA COSTA RICA)

Artigo 8º - Garantias judiciais

(...)

g) direito de não ser obrigada a depor contra si mesma, nem a confessar-se culpada; e

3. A confissão do acusado só é válida se feita sem coação de nenhuma natureza.

Assim, nenhum ser humano é obrigado a deixar que se introduza agulha em qualquer parte de seu corpo, que seja coagido para o teste etilômetro. Temos, aqui, a plenitude da autonomia da vontade e autopossessão contra qualquer arbítrio estatal.

No caso em tela, a Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020, a "determinação de realização compulsória de: a) exames médicos; b) testes laboratoriais; c) coleta de amostras clínicas; d) vacinação e outras medidas profiláticas; ou e) tratamentos médicos específicos".

Como visto, a recusa pode ensejar "responsabilização, nos termos previstos em lei". "Em lei", a possibilidade da aplicação da Lei nº 6.437, de 20 de agosto de 1977:

Art. 10 - São infrações sanitárias:

(...)

VII - impedir ou dificultar a aplicação de medidas sanitárias relativas às doenças transmissíveis e ao sacrifício de animais domésticos considerados perigosos pelas autoridades sanitárias:

pena - advertência, e/ou multa;

IX - opor-se à exigência de provas imunológicas ou à sua execução pelas autoridades sanitárias:

pena - advertência, e/ou multa;

As tipificações quanto aos crimes se encontram no Decreto-lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940:

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No caso de "pessoas doentes ou contaminadas" (art. 2º, I, da Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020, o qual trata de"isolamento"):

Art. 267 - Causar epidemia, mediante a propagação de germes patogênicos:

Pena - reclusão, de dez a quinze anos. (Redação dada pela Lei nº 8.072, de 25.7.1990)

§ 1º - Se do fato resulta morte, a pena é aplicada em dobro.

§ 2º - No caso de culpa, a pena é de detenção, de um a dois anos, ou, se resulta morte, de dois a quatro anos.

Já em relação às "pessoas suspeitas de contaminação das pessoas que não estejam doentes (art. 2º, II, da Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020, o qual trata de"quarentena":

Art. 268 - Infringir determinação do poder público, destinada a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa:

Pena - detenção, de um mês a um ano, e multa.

Parágrafo único - A pena é aumentada de um terço, se o agente é funcionário da saúde pública ou exerce a profissão de médico, farmacêutico, dentista ou enfermeiro.

Todavia, como abordado, pode o Estado determinar" isolamento "ou" quarentena "contra o direito de ir e vir? O que normatiza a CRFB de 1988 em relação a dignidade humana no direito deambulatório? Veremos:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

(...)

XV - e livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens;

Ainda na CRFB de 1988:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

(...)

II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;

Parece que há antinomias entre a dignidade humana do direito de"ir e vir"(art. 5º, XV, da CRFB de 1988), e a"coação estatal"pelo"enfrentamento da emergência de saúde pública"(art. 3º) como"I - isolamento"ou"II - quarentena", da Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020. Para resolver isso, a redação do caput do art. 5º, da CRFB de 1988:"Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade". (grifo do autor)

Não há de se falar em"coação estatal", pela aplicabilidade da Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020, quando o Estado está protegendo justamente"a inviolabilidade do direito à vida". Além disso, a própria Constituição da Republica Federativa do Brasil de 1988 (CRFB de 1988) possui a classificação"dogmática", isto é, a elaboração — modo de elaboração — da CRFB de 1988 se fez pela Assembleia Nacional Constituinte. A participação do povo na confecção da nova Constituição Federal (CRFB de 1988) teve participação do povo brasileiro — quanto à participação do povo, a CRFB de 1988 é classificada como"democrática". E qual foi a vontade do povo para a CRFB de 1988?"Construir uma sociedade livre, justa e solidária"(art. 3º, I, da CRFB de 1988).

Ora, não se pode falar em" direito à vida "quando se permite que o coronavírus (COVID-19) se dissemine pela simples defesa de" autonomia da vontade e autopossessão ". É individualismo, melhor dizendo, direto," egoísmo "com os demais seres humanos sejam brasileiros, natos ou naturalizados, e turistas estrangeiros. Também é egoísta o turista estrangeiro que braveja" autonomia da vontade e autopossessão ". Não há fundamento nenhum, pois coloca os demais seres humanos em risco; e não se pode dizer que há" direito à vida ".

A Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020 em nada"constrange"os cidadãos brasileiros, pela própria solidariedade dos brasileiros (art. 3º, da CRFB de 1988). No tocante"determinação de realização compulsória de"— art. 3º, III e alíneas, da Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020) —, pelo princípio constitucional"são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação", que é cláusula pétrea (art. 60, § 4º, IV, da CRFB de 1988), cogita-se o ato de recusar"determinação de realização compulsória de", conquanto terá que se responsabilizar pelo próprio ato de recusa, pois não há de se asseverar o direito de"autonomia da vontade e autopossessão"quando este direito viola direito alheio, o direito à vida.

Sobre o autor
Sérgio Henrique da Silva Pereira

Articulista/colunista nos sites: Academia Brasileira de Direito (ABDIR), Âmbito Jurídico, Conteúdo Jurídico, Editora JC, Governet Editora [Revista Governet – A Revista do Administrador Público], JusBrasil, JusNavigandi, JurisWay, Portal Educação, Revista do Portal Jurídico Investidura. Participação na Rádio Justiça. Podcast SHSPJORNAL

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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