Precisamos falar sobre a morte

17/03/2020 às 13:59
Leia nesta página:

Como dar início ao seu planejamento sucessório.

Planejamento sucessório: o que isso significa?

 

Falar sobre a morte é o assunto que nós brasileiros sempre evitamos. Protegidos pela desculpa que o assunto atrai maus fluídos, não temos enraizado em nós o costume de planejar a nossa sucessão, ou seja, como e para quem ficarão nossos bens e nossos projetos de vida quando não estivermos mais aqui.

 

Planejar a sua vida para quando você não estiver mais aqui é fundamental. É comum ver diariamente familiares tendo que lidar com problemas homéricos depois da partida do seu ente querido, justamente pela desordem que muitas vezes o patrimônio se encontra.

 

Planejar a sua sucessão pode acontecer antes mesmo do seu casamento, por exemplo, ao definir o melhor regime de bens que vigorará durante a união.
 

Outra forma de planejamento consiste da doação de bens em vida, garantindo é claro o mínimo para sua subsistência, respeitando sempre a legítima (metade do patrimônio é assegurado por lei aos herdeiros necessários, ou seja, quem possuir ascendente, descendente, cônjuge ou companheiro, obrigatoriamente deve reservar 50% do patrimônio, podendo dispor somente da parte disponível).

 

E por último e não menos importante, a elaboração de um testamento, que apesar de não estarmos acostumados, é um meio muito eficaz de planejar a sucessão, desde que estejamos atentados às formalidades que o ato exige. 


 

O que é um testamento?

 

O testamento nada mais é do que um documento formal, expresso, que através da sua declaração de vontade (expressa e personalíssima), você destina seus bens patrimoniais ou extrapatrimoniais para quem você desejar.

 

Dito isso, vamos falar da legítima e dos herdeiros necessários.

 

No Brasil, desde 1907, com a Lei Feliciano Pena, existe a obrigatoriedade de resguardar 50% do patrimônio para a divisão entre os herdeiros necessários, quais sejam: ascendentes (pai, avô, bisavô), descendentes (filho, neto, bisneto) e cônjuge ou companheiro.

 

Essa reserva se chama legítima, montante que não pode ser invadido ou desconsiderado quando você planejar a destinação dos seus bens.

 

Quem possui herdeiros necessários poderá dispor da outra metade, chamada de parte disponível, para beneficiar quem bem entender, sejam pessoas físicas, pessoas jurídicas de direito privado, igrejas, associações, etc.

 

Quais as formas mais utilizadas de testamento?

 

Dentre as formas de testar, usualmente podemos considerar a figura do testamento particular e do testamento público.

 

O testamento particular é aquele que você faz, sem custo, na sua casa, a próprio punho ou por meio mecânico (digitado em seu computador), na presença de 3 testemunhas. Esse documento precisa ter a qualificação completa do autor da herança e das testemunhas que, ao final, deverão rubricar e assinar todas as folhas. O documento precisa também ser datado.

Essa forma de testamento corre um risco maior, uma vez que você precisa contar para alguém de sua extrema confiança que ele existe, sob pena de quando você falecer ninguém souber da existência desse documento. 

Porém, a forma mais utilizada e mais indicada é através do testamento público. Nessa modalidade é preciso se dirigir até um cartório de notas (de sua livre escolha e em qualquer estado do país), na presença do Tabelião e acompanhado de 2 testemunhas.

Aqui também é preciso a qualificação completa de todos, leitura pelo Tabelião em voz alta e, ao final, rubrica e assinatura de todos os presentes.

Fala-se em maior segurança porque o Tabelião de notas possui fé pública, fato que por si só torna o documento com menos risco de existir algum vício de forma ou de consentimento.

Nessa modalidade existem custos do cartório, que são tabelados por Estado. 

 

É obrigatório a presença de advogado?

 

Não, seja para elaboração do testamento particular quanto do público. Mas é aconselhável, uma vez que o profissional do Direito poderá alertar sobre as obrigatoriedades impostas por lei e deixar o documento com maiores chances de ser executado.

 

Quem pode testar? Existe idade máxima?

 

Qualquer pessoa maior de 16 anos e em plenas capacidades mentais pode testar, não existindo limite de idade para o ato.

Pessoas com deficiência também possuem esse direito assegurado pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei 13.146/2015). Aqui, cabe a observação que o analfabeto e ao cego a única forma possível de testar é através do testamento público.

 

Meus irmãos podem ser meus herdeiros?

 

Os irmãos são parentes colaterais e não integram o rol de herdeiros necessários. Contudo, na falta de pais vivos, filhos e cônjuge/companheiro, a herança será direcionada aos irmãos (e na falta deles sobrinhos, tios, etc..).

 

A única forma de não ter o irmão como beneficiário é através de um testamento, dispondo de todos os seus bens da forma e para quem você desejar. Pode ser para um grande amigo, para uma instituição de caridade, etc.


 

Eu sou obrigado a aceitar a herança?

 

Seguramente não. O Direito sucessório garante o direito de renúncia, exigindo que para tanto, aconteça através de uma escritura pública ou termo judicial homologado.

A renúncia pode ser simplesmente pura, momento em que a sua quota parte na herança será automaticamente transmitida aos demais herdeiros necessários, ou pode ser o que o Direito chama de renúncia translativa, que nada mais é do que você renunciar a herança mas indicar uma pessoa que receba a parte que caberia à você. 

 

Eu posso herdar apenas dívidas?

 

O Código Civil prevê em seu artigo 1.792 que os herdeiros só assumem as dívidas no limite da herança e cada um na proporção de suas cotas.

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Para exemplificar, se o pai possuía uma dívida de R$20 mil reais e deixou uma herança avaliada em R$40 mil, a dívida será integralmente paga e o restante dividido entre os herdeiros.

Em situações que o falecido não deixar bens, o ideal é que os herdeiros realizem um inventário negativo, comprovando que não existem bens para a partilha dos herdeiros. Isso é importante para comprovador aos credores, caso existam, que não há nada de patrimônio para quitar dívidas contraídas por aquele que faleceu.

 

E se eu me arrepender?

 

Um dos benefícios de se fazer um testamento é o fato de ele ser REVOGÁVEL, ou seja, enquanto vivo eu estiver posso modificá-lo a qualquer tempo. 


Se o testamento for particular, basta que eu o rasgue e faça outro no lugar observando os mesmos requisitos. Se for público, basta ir até o tabelião e refazer conforme sua nova vontade.

 

A única coisa que não posso modificar no testamento é o RECONHECIMENTO DE FILHOS. Isso é ato irrevogável.

 

Posso abrir mão da herança em vida?

 

Não tem nenhuma validade a renúncia de herança de pessoa que ainda está viva.


Um detalhe importante para o autor da herança é que, em testamento, ele pode estabelecer que se um filho renunciar a sua parte, os bens objetos da renúncia irão para o neto (por exemplo).

 

Previdência privada faz parte da herança?

 

Não, por ter caráter de seguro de vida. Quando alguém contrata uma previdência privada pode indicar os beneficiários que bem quiser, ainda que seja algum membro da família (o que não precisa ser necessariamente).

 

Estatísticas

 

No Brasil estima-se que apenas 8% da população lavra testamento e que São Paulo, seguido do Rio Grande do Sul, é o estado que mais utiliza essa forma de planejamento sucessório, segundo uma pesquisa realizada pelo Colégio Notarial do Brasil em 2017.

 

Sobre a autora
Carolini Cigolini

Advogada com atuação exclusiva em Direito das Famílias e Sucessões e Direito Homoafetivo. Advogada associada ao Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM). Experiência na condução de ações judiciais envolvendo temas complexos e controvertidos. Tem expertise no aconselhamento e condução de assessoria preventiva, além de atuação destacada em litígios, especialmente em São Paulo e Rio Grande do Sul.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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