Responsabilidade do Poder Público na Implantação de Loteamentos e Desmembramentos Urbanos

A importância e responsabilidade da municipalidade em obras de infraestrutura de loteamentos e desmembramentos

19/03/2020 às 12:03
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Diante da divergência jurisprudencial no C. STJ, busca-se a análise doutrinária e sistemática do ordenamento jurídico nacional sobre o tema, opinando quanto a possibilidade ou dever da municipalidade na conclusão de obras de infraestrutura em loteamentos.

1 INTRODUÇÃO

A propriedade privada existe desde o início da humanidade, com as primeiras relações interpessoais. Surge a partir do momento que um determinado bem, inicialmente corpóreo, é reconhecido como pertencente a alguém com exclusividade.

Sobre o tema, explana Fábio Ulhoa Coelho (2013, p. 70).

“Uma coisa é certa, porém: a noção de propriedade (isto é, a de que homens e mulheres são donos de algumas coisas) antecede em muito a mais embrionária forma de organização social a que se pode chamar de ordem jurídica. A história não registra nenhuma etapa da evolução humana que houvesse Direito, mas não o direito de propriedade. Mesmo as experiências inspiradas na utopia marxista – como a da estrutura econômica vivenciada na União Soviética entre a Revolução Russa (1917) e a queda do Muro de Berlim (1989) – não implicaram a completa abolição da propriedade privada. Marx acreditava que o exame científico da história possibilitava antever a superação do capitalismo por meio da revolução social patrocinada pela classe proletária – ou, como defendido pelas variações leninistas do marxismo, liderada pelo partido político proletário -, que conduziria ao fim da propriedade privada dos meios de produção (fábricas, terras produtivas, bancos, etc.), mas não nos de consumo. Pelo menos enquanto a humanidade não pudesse escrever suas bandeiras ‘de cada um segundo sua potencialidade a cada um segundo sua necessidade’, moradia, roupas, alimentos e outros bens continuariam objeto da propriedade privada. As experiências históricas inspiradas no marxismo não conseguiram extinguir sequer a propriedade privada de todos os bens de produção. Não há, enfim, registro de sociedade juridicamente organizada que desconheça o direito de propriedade”.

 Inicialmente a terra não possuía caráter de propriedade privada, sendo considerada apenas um elemento do ambiente. Entretanto, a partir do abandono do nomadismo e adoção dos primeiros modelos agrários, houve a valoração dos locais férteis usados para plantio, nascendo, assim, a necessidade de ser determinado o que pertencia a cada indivíduo ou grupo de pessoas.

Na atualidade a propriedade, seja intelectual, mobiliária ou imobiliária, constitui direito e garantia fundamental de todo brasileiro, tendo previsão na Carta Magna de 1988.

Em virtude do direito constitucionalmente previsto, uma das possibilidades prevista ao proprietário de um bem, aqui com enfoque ao bem imóvel, é o dar destinação conforme entenda conveniente. Diante disto, ao possuir uma grande gleba, é dada a opção do parcelamento em áreas menores, desde que respeitadas as exigências legais.

A Lei 6.766, foi promulgada aos 19 de dezembro de 1979, tendo como objetivo disciplinar as divisões do solo urbano, estabelecendo condições para elaboração, aprovação e registro do projeto, bem como para estipulação dos contratos de venda dos respectivos lotes.

Entre diversas disposições, a aludida lei define, em seu art. 40, que a Prefeitura Municipal, ou o Distrito Federal quando o caso, poderá regularizar o loteamento ou desmembramento, quando não realizado pelo proprietário.

Ocorre que a utilização do verbo “poderá” em sentido permissivo, e não obrigatório, acarretou e ainda acarreta várias demandas judiciais, discutindo se tratar de atividade vinculada ou discricionária.

Diante da importância jurídica e social, neste trabalho buscar-se-á, inicialmente, conceituar propriedade e sua função social, prevista constitucionalmente.

Em seguida, tratar-se-á do parcelamento do solo, seja rural ou urbano, para, posteriormente, ser analisada a Lei 6.766/79, destinada especialmente para este último tipo de divisão imobiliária, com as previsões e definições de loteamento e desmembramento, além dos aspectos registrais e, ainda, criminais.

Finalmente, apresentar-se-á a análise da responsabilidade do poder público municipal quanto a estes empreendimentos, quer no momento da aprovação, quer na fiscalização e, eventualmente, execução das obras de infraestrutura. Nesta senda, será analisada a jurisprudência dos tribunais, em especial do C. Superior Tribunal de Justiça, notadamente com a análise do julgamento do Recurso Especial nº 859.905 – RS, buscando traçar um paralelo entre a interpretação dos tribunais antes e depois da referida decisão, bem como seu alinhamento ao ordenamento jurídico brasileiro.

2 DA PROPRIEDADE E SUA FUNÇÃO SOCIAL

A propriedade se trata do direito real por excelência, pois engloba todos os direitos que o indivíduo possa exercer sobre um bem.

Maria Helena Diniz (2015, p. 134) define a propriedade como:

“o direito que a pessoa natural ou jurídica tem, dentro dos limites normativos, de usar, gozar e dispor de um bem, corpóreo ou incorpóreo, bem como de reinvindicá-lo de quem injustamente o detenha”.

Já Cunha Gonçalves (apud GONÇALVES, 2017, p. 241) define o direito de propriedade como:

“aquele que uma pessoa singular ou coletiva efetivamente exerce numa coisa determinada em regra perpetuamente, de modo normalmente absoluto, sempre exclusivo, e que todas as outras pessoas são obrigadas a respeitar”.

Na visão de Pontes de Miranda (2012, p. 66), conceitua-se a propriedade:

“Em sentido amplíssimo, propriedade é o domínio ou qualquer direito patrimonial. Tal conceito transborda o direito das coisas. O crédito é propriedade. Em sentido amplo, propriedade é todo direito irradiado em virtude de ter incidido regra de direito das coisas (cp. arts. 484, 524 e 862). Em sentido quase coincidente, é todo o direito sôbre as coisas corpóreas e a propriedade literária, científica, artística e industrial. Em sentido estritíssimo, é só o domínio. O primeiro sentido é o de propriedade, no art. 141, § 16, da Constituição de 1946. O segundo é o que corresponde aos art. 524-530 do Código Civil. O terceiro é o menos usado nas leis, e mais em ciência. O quarto é mesclado aos outros e quase sempre é o que se emprega quando se fala de proprietário, em relação a outro titular de direito real (e. g., arts. 713 e 730). Costuma-se distinguir o domínio, que é o mais amplo direito sôbre a coisa, e os direitos reais limitados. Isso não significa que o domínio não tenha limites; apenas significa que os seus contornos não cabem dentro dos contornos de outro direito. O próprio domínio tem o seu conteúdo normal, que as leis determinam. Não há conteúdo a priori, jusnaturalístico, de domínio”.

Nesta senda, é de grande valia diferenciar o termo “propriedade” do termo “posse” sobre determinado bem.

Para referida distinção, demonstra Benedito Silvério Ribeiro (2010, p. 668-689):

Porquanto muitas vezes estivesse a palavra ‘propriedade’ contida no termo ‘posse’ (interdum proprietatis quoque verbum possessiones continere), fazia-se a distinção, ressaltando que o domínio fica e a posse se perde: inter dominium et possessionem differentia haec est quod dominium nihilominus eius manet qui dominus esse non vult; possessio autem recedit ut quisque constitut nolle possidere (entre o domínio e a posse há esta diferença, que o domínio permanece, mesmo que o proprietário não o queira; a posse, porém, desaparece desde que alguém não queira possuir.

A posse, poder de fato, é a base da propriedade, constituindo um degrau para o poder de direito.

[...]

O direito que tem uma pessoa de exercer posse sobre a coisa cujo domínio já ostente é denominado jus possidendi, traduzido como direito de possuir. É o caso do proprietário, que ostenta título aquisitivo registrado, decorrendo sua posse de um jus possidendi.

O jus possessionis emerge do próprio fato da posse, sem relacionamento anterior, isto é, ausente título para possuir – possideo quod possideo. Assim, o possuidor, mesmo sem o jus possidendi, encontra na lei defesas para o estado de posse (interditos possessórios) e ainda, sendo a posse qualificada, com os componentes que direcionam à usucapião (ad usucapionem), conduzirá à propriedade (jus possidendi)”.

Nitidamente entre os bens de maior importância para o ser humano, desde a antiguidade e, principalmente, na modernidade, a propriedade imobiliária sempre possuiu espaço.

Conforme definição de Pontes de Miranda (1983, v. XIII, p.4):

“A todo espaço, na superfície da Terra, de limites determinados ou determináveis, chama-se terreno. Não se costuma dizer terreno o que é de grande extensão, como a fazenda, a estância; mas são terrenos, porque são terras individualizadas”.

No início, em virtude do abandono do nomadismo, se fez importante para o cultivo de alimentos, sendo extremamente valorada, pois se tratava do único modo de garantir a subsistência. Atualmente, além do caráter produtivo, possui extrema importância para moradia, sendo um dos maiores desejos no mundo capitalista.

Diante de tais fatos, o proprietário, comumente, escolhe o modo de exploração econômica do imóvel a partir da melhor forma de renda, com a utilização para cultivo, cria de animais, extrai materiais necessários para o mercado, entre outros fins agrícolas.

Pode, ainda, destiná-lo para fins urbanos, em virtude da conveniência pela localização deste ou outros motivos, com a destinação comercial, residencial ou industrial; ou para fins de moradia rural, com a formação de sítios de recreio ou loteamentos rurais.

A Constituição Federal concede verdadeira “liberdade de iniciativa” ao proprietário sobre seu bem, podendo utilizá-lo por sua livre conveniência. Porém, ao passo que permite a livre iniciativa pelo proprietário, ressalva que o uso deva respeitar sempre a “função social da propriedade”.

Ensina Pontes de Miranda (apud ATHAYDES, 1984, p. 3):

“o uso da propriedade há de ser compossível com o bem-estar social; se é contra o bem-estar social, tem de ser desaprovado.... O conceito de bem-estar social é assaz largo, porém serve de pauta constitucional à obra legislativa e está implícito no de ‘função social da propriedade’”.

Em decorrência do princípio da “função social da propriedade” foram criados diversos institutos jurídicos voltados ao seu exercício, como o usucapião, a desapropriação para fins de colonização agrária, e até a imposição de multas pela inutilização da propriedade.

Diante do demonstrado, nota-se que o parcelamento do solo, para quaisquer fins, representa um modo de exploração da propriedade de modo compatível com sua função social

 

3 DO PARCELAMENTO DO SOLO

O parcelamento do solo, como já explicitado, constitui uma das formas de exploração da propriedade imobiliária privada, embora também possa ser utilizado na propriedade imobiliária pública.

Define Pontes de Miranda (1983, v. XIII, p.8):

Parcelamento [...] é a transformação do terreno em dois ou mais de dois: o terreno velho desaparece, surgindo os novos; a diferença do que acontece nas uniões de terrenos em que desaparece um deles ou todos menos um, e aparece o novo terreno”.

Entretanto, é necessário analisar referido parcelamento sobre dois aspectos, o físico e o jurídico. Neste sentido, lecionam Olmiro Athaydes e Lisete Athaydes (ATHAYDES, 1984, p. 5):

“[...] o físico, que nada mais é do que a divisão geodésica de um terreno, e o jurídico, de que resulta a divisão da propriedade, com a consequente formação de nos direitos autônomos de domínio sobre cada unidade em que a área for dividida”.

E continuam os autores, ao conceituar o parcelamento do solo:

“Pode-se, assim, conceituar o parcelamento como a divisão geodésico-jurídica de um terreno, uma vez que por meio dele se divide o solo e, concomitantemente, o direito respectivo de propriedade, formando-se novas unidades, propriedades fisicamente menores, mas juridicamente idênticas”.

A divisão do solo pode ocorrer de maneiras distintas, a considerar a destinação (sendo rural ou urbano) da propriedade e o modo de realização da divisão (desmembramento ou loteamento).

3.1 Parcelamento de Solo Rural

Inúmeras controvérsias existem sobre o parcelamento do solo na zona rural. Referidas discussões são travadas por motivos diversos, mas principalmente pela pouca utilização do referido recurso, bem como pela legislação vaga e esparsa sobre o tema.

Inicialmente, insta destacar que o imóvel rural possui particularidades em relação ao imóvel urbano.

Para definição de imóvel rural existem duas previsões, sendo ambas válidas, mas com sentidos e alcances diversos.

O Estatuto da Terra (Lei 4.504/64), em seu art. 4º, I, descreve o imóvel rural como:

o prédio rústico, de área contínua qualquer que seja a sua localização que se destina à exploração extrativa agrícola, pecuária ou agro-industrial, quer através de planos públicos de valorização, quer através de iniciativa privada”.

De igual forma, a Lei 8.629/93 que dispõe sobre a regulamentação dos dispositivos constitucionais relativos à reforma agrária, em seu art. 4º, I, conceitua o imóvel rural como:

o prédio rústico de área contínua, qualquer que seja a sua localização, que se destine ou possa se destinar à exploração agrícola, pecuária, extrativa vegetal, florestal ou agro-industrial”.

Ambas as definições, com grande semelhança, consideram o critério da destinação para determinar se determinado imóvel é rural ou urbano, de modo que basta o bem ser utilizado com destinação rural para assim ser considerado.

A partir de tal premissa, conclui-se que é possível a existência de um imóvel rural em um centro urbano.

Porém, a legislação nacional também prevê outra definição, a qual pode ser encontrada no Código Tributário Nacional, em seu art. 29:

“O imposto, de competência da União, sobre a propriedade territorial rural tem como fato gerador a propriedade, o domínio útil ou a posse de imóvel por natureza, como definido na lei civil, localização fora da zona urbana do Município”.

Referida Lei adota método diverso do restante da legislação, pois define imóvel rural a partir do critério geográfico/espacial/topográfico, onde o que importa é sua localização, e não sua destinação.

A partir do mencionado texto legal, apura-se que somente são imóveis rurais aqueles localizados na zona rural, a qual é definida por legislação municipal. Porém, esta classificação é utilizada apenas para aspectos fiscais.

A adoção majoritária do conceito de imóvel rural a partir de sua destinação reporta a tradição do Direito Romano, que já previa a destinação como fator principal para a atribuição do título rural ou urbano ao imóvel.

Superada a questão da definição, é devido definir como a legislação pátria rege o tema de parcelamento nos referidos imóveis.

O Decreto-Lei 58/37 foi o marco inicial da legislação sobre o parcelamento do solo no âmbito federal. Até a sua promulgação existiam poucas previsões na esfera da legislação municipal das grandes cidades, como Rio de Janeiro e São Paulo.

Nessa normativa federal fora prevista a forma pela qual as Serventias de Registro Imobiliário, na época denominados Cartórios (denominação, inclusive, popularmente utilizada até a atualidade), deveriam atuar para inscrição dos loteamentos.

Seu art. 1º prevê:

“Art. 1º Os proprietários ou co-proprietários de terras rurais ou terrenos urbanos, que pretendam vendê-los, divididos em lotes e por oferta pública, mediante pagamento do preço a prazo em prestações sucessivas e periódicas, são obrigados, antes de anunciar a venda, a depositar no cartório do registo de imóveis da circunscrição respectiva:

I, um memorial por eles assinado ou por procuradores com poderes especiais, contendo:

a) denominação, área, limites, situação e outros característicos do imóvel;

b) relação cronológica dos títulos de domínio, desde 30 anos, com indicação da natureza e data de cada um, e do número e data das transcrições, ou cópia autêntica dos títulos e prova de que se acham devidamente transcritos;

c) plano de loteamento, de que conste o programa de desenvolvimento urbano, ou de aproveitamento industrial ou agrícola; nesta última hipótese, informações sobre a qualidade das terras, águas, servidões ativas e passivas, estradas e caminhos, distância de sede do município e das estações de transporte de acesso mais fácil;

II, planta do imóvel, assinada também pelo engenheiro que haja efetuado a mediação e o loteamento e com todos os requisitos técnicos e legais; indicadas a situação, as dimensões e a numeração dos lotes, as dimensões e a nomenclatura das vias de comunicação e espaços livres, as construções e benfeitorias, e as vias públicas de comunicação;

III, exemplar de caderneta ou do contrato-tipo de compromisso de venda dos lotes;

IV, certidão negativa de impostos e de ônus reais;

V, certidão dos documentos referidos na letra b do nº I.

§ 1º Tratando-se de propriedade urbana, o plano e a planta de loteamento devem ser previamente aprovados pela Prefeitura Municipal, ouvidas, quanto ao que lhes disser respeito, as autoridades sanitárias, militares e, desde que se trata de área total ou parcialmente florestada as autoridades florestais.

§ 2º As certidões positivas da existência de ônus reais, de impostos e de qualquer ação real ou pessoal, bem como qualquer protesto de título de dívida civil ou comercial não impedir o registro.

§ 3º Se a propriedade estiver gravada de ônus real, o memorial será acompanhado da escritura pública em que o respectivo titular estipule as condições em que se obriga a liberar os lotes no ato do instrumento definitivo de compra e venda.

§ 4º O plano de loteamento poderá ser modificado quanto aos lotes não comprometidos e o de arruamento desde que a modificação não prejudique os lotes comprometidos ou definitivamente adquiridos, si a Prefeitura Municipal aprovar a modificação.

A planta e o memorial assim aprovados serão depositados no cartório do registo para nova inscrição, observando o disposto no art. 2º e parágrafos.

§ 5º O memorial, o plano de loteamento e os documentos depositados serão franqueados, pelo oficial do registo, ao exame de qualquer interessado, independentemente do pagamento de emolumentos, ainda que a título de busca.

O oficial, neste caso, receberá apenas as custas regimentais das certidões que fornecer.

§ 6º Sob pena de incorrerem em crime de fraude, os vendedores, se quiserem invocar, como argumento de propaganda, a proximidade do terreno com algum acidente geográfico, cidade, fonte hidromineral ou termal ou qualquer outro motivo de atração ou valorização, serão obrigados a declarar no memorial descritivo e a mencionar nas divulgações, anúncios e prospectos de propaganda, a distância métrica a que se situa o imóvel do ponto invocado ou tomado como referência”.

Mesmo após a promulgação da Lei 6.766/79, o Decreto-Lei de 1937 continua em vigência para a o tratamento dos loteamentos rurais, visto que o novo diploma legal trata, apenas, dos loteamentos urbanos.

O Estatuto da Terra institui por seu art. 65 a previsão do módulo mínimo de área:

“O imóvel rural não é divisível em áreas de dimensão inferior à constitutiva do módulo de propriedade rural”.

O Decreto 59.428/66 prevê em seu bojo as primeiras regras destinadas à colonização agrária.

Em seu art. 94 descreve as formas que poderão ser procedidos os parcelamentos, in verbis:

“Art 94. De acordo com o art. 13 do presente Regulamento, serão permitidos desmembramentos de imóveis rurais desde que objetivem:

        I - A formação de loteamentos destinados à urbanização, industrialização e formação de sitios de recreio;

        II - A formação de loteamentos destinados à utilização econômica da terra;

        Parágrafo único. Desmembramentos de imóveis rurais, respeitadas as dimensões do módulo da propriedade familiar, poderão também ocorrer em consequência de:

        a) sucessão por "mortis causa";

        b) partilhas judiciais amigáveis”.

No artigo seguinte estipula que a aprovação será realizada pelo IBRA ou INDA, atualmente INCRA:

“Art 95. O. proprietário de terras próprias para a lavoura ou pecuária, interessado em loteá-las para fins de urbanização, industrialização ou formação de sítios de recreio, deverá submeter o respectivo projeto à prévia aprovação e fiscalização do IBRA ou do INDA, conforme o caso”.

Para definir a forma que os pedidos seriam tratados e aprovados, o INCRA expediu a Instrução Normativa 17-B, de 22 de dezembro de 1980, a qual previa a forma de tratamento para parcelamento, com finalidade urbana, de imóveis rurais situados fora da zona urbana ou de expansão urbana.

Em seu item 3 traz as principais informações quanto à aprovação:

“3. PARCELAMENTO, PARA FINS URBANOS, DE IMÓVEL RURAL LOCALIZADO FORA DA ZONA URBANA OU DE EXPANSÃO URBANA

3.1 O parcelamento, para fins urbanos, de imóvel rural localizado fora de zona urbana ou de expansão urbana, assim definidas por lei municipal, rege-se pelas disposições do art. 96, do Decreto n.º 59.428, de 27/l0/66, e do art. 53, da Lei n.º 6.766, de 19/12/79.

3.2 Em tal hipótese de parcelamento, caberá, quanto ao INCRA, unicamente sua prévia audiência.

3.3 Os parcelamentos com vistas à formação de núcleos urbanos, ou à formação de sítios de recreio, ou à industrialização, somente poderão ser executados em área que:

a) por suas características e situação, seja própria para a localização de serviços comunitários das áreas rurais circunvizinhas;

b) seja oficialmente declarada zona de turismo ou caracterizada como de estância hidromineral ou balnearia;

c) comprovadamente tenha perdido suas características produtivas, tornando antieconômico o seu aproveitamento.

3.4 A comprovação será feita pelo proprietário, através de declaração da Municipalidade e/ou através de circunstanciado laudo assinado por técnico habilitado.

3.5 Verificada uma das condições especificadas no item 33, o INCRA, em atendimento a requerimento do interessado, declarará nada ter a opor ao parcelamento.

3.6 Aprovado o projeto de parcelamento, pela Prefeitura Municipal ou pelo Governo do Distrito Federal, e registrado no Registro de Imóveis, o INCRA, a requerimento do interessado, procederá à atualização cadastral, conforme o disposto no item 2.3”.

Quanto aos projetos de parcelamento com finalidades agrícolas, dispõe o item 4 da mesma IN:

“4. PARCELAMENTO, PARA FINS AGRÍCOLAS, DE IMÓVEL RURAL LOCALIZADO FORA DE ZONA URBANA OU DE EXPANSÃO URBANA

4.1 O parcelamento, para fins agrícolas, de imóvel rural localizado fora de zona urbana ou de expansão urbana, assim definidas por lei municipal, rege-se pelas disposições do art.6l da Lei n.º 4.504, de 30/11/64, do art. 10 da Lei n.º 4.947, de 06/04/66, dos arts. 93 e seguintes do Decreto nº 59.428, de 27/10/66 e do art. 8º da Lei nº 5.868, de 12/12/72.

4.2 Em tal hipótese de parcelamento, caberá ao INCRA a prévia aprovação do projeto”.

Os demais subitens determinam a forma que os procedimentos devem ser instruídos para tornar possível a aprovação.

Ocorre que, em 2015, com a expedição da IN nº 82/2015, houve a revogação expressa da IN nº 17B, a qual renova o debate sobre o tema, pois retira a base até então existente para tratamento da matéria.

Com relação aos desmembramentos, os Tribunais já afastavam, mesmo antes da revogação, a aplicação da Instrução Normativa, desde que respeitada a fração mínima de parcelamento (FMP), senão vejamos:

“Outrossim, observando-se que se cuida de desmembramento (não loteamento) de imóvel rural, não há que se falar, no caso, em aprovação do INCRA (CSM-SP, Ap. Civ. nº 12.189-0/4, já referido)”.

Ocorre que nos casos de loteamentos rurais não há atualmente previsão legal expressa do modo de aprovação dos referidos projetos.

Houve a expedição de Nota Técnica (INCRA/DF/DFC 02/2016) pelo INCRA, esclarecendo como deveriam ocorrer os procedimentos após a revogação da IN 17B, informando que os procedimentos deveriam obedecer apenas à FMP. Porém, não houve qualquer alteração na Lei 4.947/66, a qual em seu art. 10 prevê:

“fica vedada a inscrição de loteamentos rurais no registro de imóveis, sem prova de prévia aprovação pela autoridade pública competente a que se refere o art. 61 da Lei n.º 4.504...”.

Diante do ocorrido, nota-se o impasse da atual legislação, ao passo que revoga a disposição legal que impõe a forma de aprovação dos loteamentos pelo INCRA, porém não retira a imposição legal aos Oficiais de Registro de Imóveis da exigência da referida aprovação.

3.2 Parcelamento de Solo Urbano

A partir da demonstração dos motivos ensejadores da definição de imóvel como urbano, pode-se chegar a uma conclusão lógica, por exclusão, do conceito de imóvel urbano.

Ensinam Olmiro Athaydes e Lisete Athaydes (ATHAYDES, 1984, p. 9):

“Mas nenhuma lei brasileira define o imóvel urbano; contudo, indiretamente, por exclusão, infere-se, da conceituação de imóvel rural, que é urbano todo prédio que não for rural por destinação. E, para efeitos tributários, também, o imóvel situado em zona rural, e mesmo que rural por destinação do proprietário, será considerado urbano quando “não tenha área superior a um hectare” (Lei n. 5.868/72, art. 6.º).

Não há, portanto, que se confundir na distinção: se não é rural, pelo critério da destinação preponderante e da área, é urbano o imóvel. Desconhecem nossas leis outras classes”.

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Diante do demonstrado, imóvel urbano pode ser definido como aquele que não possui destinação rural, ou seja, não é utilizado para fins agrícolas, pecuários, agroindustrial, extrativa ou mista (mais de uma das opções anteriores).

Como já citado, o marco inicial da legislação no âmbito nacional quanto as divisões do solo foi o Decreto-Lei 58, de 10 de dezembro de 1937.

Ocorre que essa normativa ainda era vaga, em especial nos parcelamentos urbanos, era vaga, pois previa apenas situações dos loteamentos, mas não de desmembramentos. Por tal fato, várias divisões eram disfarçadas de desmembramentos pois utilizavam parte do sistema viário já existente sua realização, o que permitia a não observação das exigências legais.

Tal problema foi solucionado com o Decreto-Lei 271/67, o qual trouxe a distinção entre desmembramento e loteamento, de modo a permitir melhor aplicação da legislação e evitar meios para “burlar” as determinações da lei.

Atualmente, a Lei 6.766/79 prevê a forma pela qual os loteamentos e desmembramentos de imóveis urbanos serão tratadas.

O novo diploma legal trouxe inovações no tratamento do parcelamento do solo urbano. Dentre elas, visando a proteção da sociedade e em respeito ao princípio da primazia do interesse público sobre o particular, referida Lei prevê em seu bojo, no art. 3º, par. único, restrições para o parcelamento:

“Art. 3o Somente será admitido o parcelamento do solo para fins urbanos em zonas urbanas, de expansão urbana ou de urbanização específica, assim definidas pelo plano diretor ou aprovadas por lei municipal.

Parágrafo único - Não será permitido o parcelamento do solo:

I - em terrenos alagadiços e sujeitos a inundações, antes de tomadas as providências para assegurar o escoamento das águas;

Il - em terrenos que tenham sido aterrados com material nocivo à saúde pública, sem que sejam previamente saneados;

III - em terrenos com declividade igual ou superior a 30% (trinta por cento), salvo se atendidas exigências específicas das autoridades competentes;

IV - em terrenos onde as condições geológicas não aconselham a edificação;

V - em áreas de preservação ecológica ou naquelas onde a poluição impeça condições sanitárias suportáveis, até a sua correção” (grifo nosso).

Outra questão apresentada (no mesmo artigo, inclusive) é a estipulação de que os referidos parcelamentos somente poderiam ser aprovados em zonas urbanas, de expansão urbana ou urbanização específica, definidas pela lei municipal.

Embora se deixe a cargo do município a estipulação das áreas urbanas no plano diretor do município, a legislação nacional não deixa de prever situações a serem respeitadas.

Como exemplo, o Código Tributário Nacional reconhece a competência dos municípios para determinar a zona urbana, mas impõe requisitos mínimos para seu reconhecimento:

“Art. 32. O imposto, de competência dos Municípios, sobre a propriedade predial e territorial urbana tem como fato gerador a propriedade, o domínio útil ou a posse de bem imóvel por natureza ou por acessão física, como definido na lei civil, localizado na zona urbana do Município.

        § 1º Para os efeitos deste imposto, entende-se como zona urbana a definida em lei municipal; observado o requisito mínimo da existência de melhoramentos indicados em pelo menos 2 (dois) dos incisos seguintes, construídos ou mantidos pelo Poder Público:

        I - meio-fio ou calçamento, com canalização de águas pluviais;

        II - abastecimento de água;

        III - sistema de esgotos sanitários;

        IV - rede de iluminação pública, com ou sem posteamento para distribuição domiciliar;

        V - escola primária ou posto de saúde a uma distância máxima de 3 (três) quilômetros do imóvel considerado.

        § 2º A lei municipal pode considerar urbanas as áreas urbanizáveis, ou de expansão urbana, constantes de loteamentos aprovados pelos órgãos competentes, destinados à habitação, à indústria ou ao comércio, mesmo que localizados fora das zonas definidas nos termos do parágrafo anterior” (grifo nosso).

Neste ponto, vale apontar crítica de Olmiro Athaydes e Lisete Athaydes (ATHAYDES, 1984, p. 11

“Por assim ser, a lei do parcelamento do solo não devia declarar que o parcelamento para fins urbanos só pode ser autorizado pela Prefeitura nas zonas urbanas ou de expansão urbana, porque, bem analisado o fenômeno jurídico da urbanização, vê-se que não é da zona, mas da classificação do imóvel por destino que depende a competência para autorizar seu parcelamento para fins urbanos. Por exemplo, em terreno situado na zona urbana ou de expansão urbana, não explorado por atividades rurais, somente a Prefeitura pode autorizar o seu parcelamento. Entretanto, se o terreno for explorado por atividade rural, embora localizado na zona urbana ou de expansão urbana, só o INCRA pode autorizar seu parcelamento para fins urbanos. Note-se, contudo, que uma vez autorizado, a Prefeitura passa a ter competência para aprovar o parcelamento, porque esta matéria não é agrária, mas de urbanização”.

Em que pese o pensamento dos referidos autores, neste ponto ousa-se discordar do posicionamento.

Uma vez que o imóvel esteja situado em zona urbana, porém com características rurais, rural será considerado. Deste modo, em caso de parcelamento para fins rurais, de fato compete ao INCRA a aprovação do parcelamento.

Ocorre que se o parcelamento é destinado para finalidade urbana, compete ao INCRA apenas realizar o descadastramento do imóvel como rural (uma vez que sendo desejo do proprietário, o referido pedido não poderia ser negado, salvo exigência de adimplemento de eventuais tributos em mora), sendo de competência do Município a aprovação ou não do parcelamento.

 

4 DA LEI 6.766/79

Como já detalhado, a legislação sobre o parcelamento do solo teve seu início no âmbito nacional com o Decreto-Lei 58/37, o qual previa o regramento para os loteamentos e a venda de terrenos com pagamento em prestações.

A referida legislação surgiu da necessidade da normatização e regulação das divisões imobiliárias, considerando o início do movimento por moradias no país.

Durante o século XIX o Brasil viveu importante momento político, com sua efetiva independência do governo português. A partir de tal momento, precisamente ao final do século XIX iniciou-se um período de transição nacional.

O momento de estagnação começou a mudar. A partir do início do século XX iniciaram as primeiras indústrias, comércios e a intensificação da formação de centros urbanos.

Com as mudanças ocorridas, o Decreto-Lei mencionado foi promulgado para disciplinar movimentos que se intensificavam: os parcelamentos de solo.

A partir do crescimento da sociedade brasileira, com forte crescimento da população e, posteriormente, o movimento de transição do campo para os centros urbanos, se viu necessária a adequação da legislação.

Neste cenário foi promulgado o Decreto-Lei 271/67, o qual trouxe a disciplina do desmembramento como forma de parcelamento do solo a ser regulado de modo especial.

Todavia o novo diploma legal não solucionou os conflitos legais, tampouco garantiu a segurança jurídica devida.

Diante dos acontecimentos sociais, que geraram a necessidade de resposta pelo poder público, foi sancionada a Lei 6.766/79, a qual surgiu em um momento que os negócios imobiliários iniciavam seu grande ápice.

Votada a regular as divisões do solo de modo amplo, apresentou requisitos para todas as etapas de divisão de propriedades, tratando desde a elaboração do projeto, passando pelo modo de aprovação municipal, arquivamento na Serventia de Registro Imobiliário competente, até a efetiva venda das unidades.

4.1 Do loteamento

As divisões do solo podem ocorrer de duas formas: pelo loteamento e pelo desmembramento.

Pontes de Miranda (1983, p.10) nos ensina a origem do termo loteamento:

“IDEIA DE LOTEAMENTO – o étimo de lote é o mesmo de los, donde loteria (através da língua italiana). Mas o los germânico tem muitas significações, a que corresponderam escritas diferentes (e. g., no gótico, klauts, sorte, quota de herança, lauss, vazio, como o velho nórdico, lauss, livre, desprovido de alguma coisa, como perdura no -les inglês e no -los­ alemão). À base está o dissociar, trata-se de lote, de loteria ou de Lösung, alemão, que é “solução”. Cortar em porções e tirar à sorte são dois elementos que permanecem, através das formas que as palavras, para designar os pedaços, os lotes, tomaram nas línguas antigas. A dosagem chega aos extremos em lotar, que é operação rigorosa, em  lotear, que também o é, e em lôto, loteria, em que o azar passa à frente, sem se apagar a noção primitiva de medir, raiar, distribuir.

[...] Em lote e loteamento não há mais a ideia de sorte, de jogo. Sorteio de lotes já é combinação de dois conceitos: o de lote, que é anterior, e nele se alude a algum terreno, ou quantidade, de que tiraram lotes; e o de tiragem à sorte, que perdurou em lote, loteria, e não em lotar e lotear. Quando DIOGO DO COUTO, nas Décadas, falou em lote, referiu-se ao prêmio que sai nas rifas; mas já se usava, de muito, lote, bando, rancho, porção. O vinho superior, o vinho excelente, era dito “vinho do melhor lote””.

Pela legislação nacional, definem Cláudio Fioranti e Afonso Celso F. Rezende (1995, p.346):

“LOTEAMENTO – é a subdivisão de glebas em lotes, destinados à edificação, com abertura de novas vias de circulação, de logradouros públicos ou prolongamento, modificação ou ampliação das vias existentes, tudo por conta do loteador. É um processo de urbanização que envolve aspectos urbanísticos, administrativos, civis e penais”.

Assim, podemos notar que o loteamento é a divisão de um imóvel em outros menores, a partir da modificação da malha viária pré-existente, com a ampliação, modificação ou criação de vias.

Outra não é a definição apresentada na legislação (art. 2º, §1º, da Lei 6.766/79):

"Considera-se loteamento a subdivisão de gleba em lotes destinados a edificação, com abertura de novas vias de circulação, de logradouros públicos ou prolongamento, modificação ou ampliação das vias existentes”.

4.2 Do desmembramento

De modo divergente ao loteamento, existe, ainda, a previsão da divisão de imóveis a partir do desmembramento.

Cláudio Fioranti e Afonso Celso F. Rezende (1995, p.346) conceituam o desmembramento:

“DESMEMBRAMENTO – é a subdivisão de glebas em lotes destinados à edificação, com aproveitamento do sistema viário existente, desde que não implique na abertura de novas ruas e logradouros públicos, nem no prolongamento, modificação ou ampliação das já existentes. É um processo sem urbanização e sem qualquer transferência de área ao domínio público, com aproveitamento do sistema viário local e existência de todo equipamento urbano, tais como rede de água, luz, esgoto, guias e sarjetas (art. 5º, § único e 11 da Lei)”.

Os mesmos autores continuam o ensinamento, prevendo as hipóteses de inexistência dos equipamentos urbanos:

“Para o registro do DESMEMBRAMENTO em cartório, a existência dos equipamentos urbanos deve ser comprovada por termo de verificação efetuado pelo Poder Público Municipal. Não existindo os equipamentos urbanos, cabe ao Poder Público exigir do proprietário o cronograma de execução das obras, com prazo máximo de dois (2) anos, mediante lavratura de instrumento de garantia, nos termos da legislação vigente ou  então, se for o caso, se responsabilizar pela sua execução, assumindo-a através do referido termo de verificação”.

Diante do demonstrado, nota-se que a diferença primordial do parcelamento ser considerado como loteamento ou desmembramento é a existência ou não da modificação da malha viária pré-existente. Não havendo qualquer modificação do sistema viário, não há que se falar em loteamento, mas sim em desmembramento.

Ousa-se discordar, apenas, na definição dos autores, quanto à transferência de propriedade ao Poder Público.

Embora não haja no desmembramento a abertura de vias públicas, as quais passam a pertencer no ato do registro, em automático, à municipalidade, a legislação municipal pode exigir a transferência de parte da propriedade desmembrada para o poder público.

A título exemplificativo, a Lei 2.943/06 do Município de Serra Negra prevê que, nos desmembramentos de imóveis urbanos com área superior a 10.000,00 metros quadrados, deve ser destinado, ao menos, 10% da área do desmembramento à municipalidade, a fim de poder constituir bens públicos para atender aos moradores da localidade.

4.3 Dos documentos exigidos para registro

A Lei 6.766/79 traz previsão, dentre outras situações do parcelamento do solo urbano, sobre o procedimento para registro perante o Oficial de Registro de Imóveis competente.

O art. 18 da referida Lei dispõe:

Art. 18. Aprovado o projeto de loteamento ou de desmembramento, o loteador deverá submetê-lo ao registro imobiliário dentro de 180 (cento e oitenta) dias, sob pena de caducidade da aprovação, acompanhado dos seguintes documentos:

I - título de propriedade do imóvel ou certidão da matrícula, ressalvado o disposto nos §§ 4o e 5o;

II - histórico dos títulos de propriedade do imóvel, abrangendo os últimos 20 (vintes anos), acompanhados dos respectivos comprovantes;

III - certidões negativas:

a) de tributos federais, estaduais e municipais incidentes sobre o imóvel;

b) de ações reais referentes ao imóvel, pelo período de 10 (dez) anos;

c) de ações penais com respeito ao crime contra o patrimônio e contra a Administração Pública.

IV - certidões:

a) dos cartórios de protestos de títulos, em nome do loteador, pelo período de 10 (dez) anos;

b) de ações pessoais relativas ao loteador, pelo período de 10 (dez) anos;

c) de ônus reais relativos ao imóvel;

d) de ações penais contra o loteador, pelo período de 10 (dez) anos.

V - cópia do ato de aprovação do loteamento e comprovante do termo de verificação pela Prefeitura Municipal ou pelo Distrito Federal, da execução das obras exigidas por legislação municipal, que incluirão, no mínimo, a execução das vias de circulação do loteamento, demarcação dos lotes, quadras e logradouros e das obras de escoamento das águas pluviais ou da aprovação de um cronograma, com a duração máxima de quatro anos, acompanhado de competente instrumento de garantia para a execução das obras;

VI - exemplar do contrato padrão de promessa de venda, ou de cessão ou de promessa de cessão, do qual constarão obrigatoriamente as indicações previstas no art. 26 desta Lei;

VII - declaração do cônjuge do requerente de que consente no registro do loteamento.

§ 1o - Os períodos referidos nos incisos III, alínea b e IV, alíneas a, e d, tomarão por base a data do pedido de registro do loteamento, devendo todas elas serem extraídas em nome daqueles que, nos mencionados períodos, tenham sido titulares de direitos reais sobre o imóvel.

§ 2o - A existência de protestos, de ações pessoais ou de ações penais, exceto as referentes a crime contra o patrimônio e contra a administração, não impedirá o registro do loteamento se o requerente comprovar que esses protestos ou ações não poderão prejudicar os adquirentes dos lotes. Se o Oficial do Registro de Imóveis julgar insuficiente a comprovação feita, suscitará a dúvida perante o juiz competente.

§ 3º - A declaração a que se refere o inciso VII deste artigo não dispensará o consentimento do declarante para os atos de alienação ou promessa de alienação de lotes, ou de direitos a eles relativos, que venham a ser praticados pelo seu cônjuge.

§ 4o O título de propriedade será dispensado quando se tratar de parcelamento popular, destinado às classes de menor renda, em imóvel declarado de utilidade pública, com processo de desapropriação judicial em curso e imissão provisória na posse, desde que promovido pela União, Estados, Distrito Federal, Municípios ou suas entidades delegadas, autorizadas por lei a implantar projetos de habitação. 

§ 5o No caso de que trata o § 4o, o pedido de registro do parcelamento, além dos documentos mencionados nos incisos V e VI deste artigo, será instruído com cópias autênticas da decisão que tenha concedido a imissão provisória na posse, do decreto de desapropriação, do comprovante de sua publicação na imprensa oficial e, quando formulado por entidades delegadas, da lei de criação e de seus atos constitutivos.

Como pode-se notar, é vasta a lista de documentos a serem apresentados perante a Serventia Registral, porém de sua análise é de fácil conclusão que todos os documentos visam permitir que os futuros adquirentes dos lotes não sejam prejudicados, ou, ao menos, tenham os menores riscos possíveis.

Além dos documentos elencados na legislação nacional, existem, ainda, as previsões estipuladas em cada Estado.

No Estado de São Paulo há previsão nas Normas de Serviço dos Cartórios Extrajudiciais – Tomo II, criada pelo Provimento nº 58/89 da Corregedoria Geral de Justiça do Estado de São Paulo, de outros documentos a serem exigidos, como o estipulado no item 186, Cap. XX:

“Para o registro dos loteamentos e desmembramentos sujeitos ao art. 18, da Lei 6.766/79, o oficial exigirá:

a) nos loteamentos e desmembramentos habitacionais, o Certificado de Aprovação do GRAPROHAB, podendo ser aceita prova de dispensa de análise para os desmembramentos não enquadrados nos critérios de análise previstos no art. 5º do Decreto Estadual 52.053/2007;

b) nos loteamentos industriais, prova de licença prévia por parte da CETESB - Companhia Estadual de Tecnologia de Saneamento Básico e de Defesa do Meio Ambiente, ou prova de dispensa de análise por esta” (grifo nosso).

Buscando sempre a atualização da legislação, de modo a atender a necessidade da sociedade, recentemente houve o acréscimo do art. 26-A, o qual fora incluído em virtude da Lei 13.786/18, que prevê:

“Art. 26-A. Os contratos de compra e venda, cessão ou promessa de cessão de loteamento devem ser iniciados por quadro-resumo, que deverá conter, além das indicações constantes do art. 26 desta Lei:

I - o preço total a ser pago pelo imóvel;

II - o valor referente à corretagem, suas condições de pagamento e a identificação precisa de seu beneficiário;

III - a forma de pagamento do preço, com indicação clara dos valores e vencimentos das parcelas;

IV - os índices de correção monetária aplicáveis ao contrato e, quando houver pluralidade de índices, o período de aplicação de cada um;

V - as consequências do desfazimento do contrato, seja mediante distrato, seja por meio de resolução contratual motivada por inadimplemento de obrigação do adquirente ou do loteador, com destaque negritado para as penalidades aplicáveis e para os prazos para devolução de valores ao adquirente;

VI - as taxas de juros eventualmente aplicadas, se mensais ou anuais, se nominais ou efetivas, o seu período de incidência e o sistema de amortização;

VII - as informações acerca da possibilidade do exercício, por parte do adquirente do imóvel, do direito de arrependimento previsto no art. 49 da Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990 (Código de Defesa do Consumidor), em todos os contratos firmados em estandes de vendas e fora da sede do loteador ou do estabelecimento comercial;

VIII - o prazo para quitação das obrigações pelo adquirente após a obtenção do termo de vistoria de obras;

IX - informações acerca dos ônus que recaiam sobre o imóvel;

X - o número do registro do loteamento ou do desmembramento, a matrícula do imóvel e a identificação do cartório de registro de imóveis competente;

XI - o termo final para a execução do projeto referido no § 1º do art. 12 desta Lei e a data do protocolo do pedido de emissão do termo de vistoria de obras.

§ 1o  Identificada a ausência de quaisquer das informações previstas no caput deste artigo, será concedido prazo de 30 (trinta) dias para aditamento do contrato e saneamento da omissão, findo o qual, essa omissão, se não sanada, caracterizará justa causa para rescisão contratual por parte do adquirente.

§ 2o  A efetivação das consequências do desfazimento do contrato, mencionadas no inciso V do caput deste artigo, dependerá de anuência prévia e específica do adquirente a seu respeito, mediante assinatura junto a essas cláusulas, que deverão ser redigidas conforme o disposto no § 4º do art. 54 da Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990 (Código de Defesa do Consumidor)”. 

Nitidamente a alteração da legislação visa a proteção do consumidor, exigindo a elaboração de um quadro resumo para apresentação das informações mais importantes para o adquirente de forma clara.

4.3.1 Da dispensa de documentos

Em determinadas situações é possível a dispensa da apresentação de determinados documentos, a fim de possibilitar o registro de modo mais simples, porém não menos protecionista ao futuro adquirente.

Referida dispensa não é prevista na legislação nacional, mas decorre do entendimento das Corregedorias Gerais de casa Estado.

No Estado de São Paulo a dispensa ocorre, por exemplo, nos casos de Conjuntos Habitacionais, onde não se deve observar a disposição do art. 18 da Lei 6.766/79, mas sim o estipulado nos itens 172 e seguintes do Cap. XX das Normas de Serviço.

Além desta, existem outras previsões de dispensa nos itens 170 e seguintes do mesmo Capítulo, os quais tratam, basicamente, de situações já realizadas antes da promulgação da Lei 6.766/79 ou nos desmembramentos que não ultrapassem 20 (vinte) lotes.

4.4 Da responsabilidade criminal

Além das disposições já comentadas, a Lei de Parcelamento de Solo Urbano institui os crimes que podem ser praticados pela irregularidade das divisões do solo.

Inicialmente, prevê o crime a ser praticado pelo proprietário da área:

Art. 50. Constitui crime contra a Administração Pública.

I - dar início, de qualquer modo, ou efetuar loteamento ou desmembramento do solo para fins urbanos, sem autorização do órgão público competente, ou em desacordo com as disposições desta Lei ou das normas pertinentes do Distrito Federal, Estados e Municípios;

II - dar início, de qualquer modo, ou efetuar loteamento ou desmembramento do solo para fins urbanos sem observância das determinações constantes do ato administrativo de licença;

III - fazer ou veicular em proposta, contrato, prospecto ou comunicação ao público ou a interessados, afirmação falsa sobre a legalidade de loteamento ou desmembramento do solo para fins urbanos, ou ocultar fraudulentamente fato a ele relativo.

Pena: Reclusão, de 1(um) a 4 (quatro) anos, e multa de 5 (cinco) a 50 (cinquenta) vezes o maior salário mínimo vigente no País.

Parágrafo único - O crime definido neste artigo é qualificado, se cometido.

I - por meio de venda, promessa de venda, reserva de lote ou quaisquer outros instrumentos que manifestem a intenção de vender lote em loteamento ou desmembramento não registrado no Registro de Imóveis competente.

II - com inexistência de título legítimo de propriedade do imóvel loteado ou desmembrado, ressalvado o disposto no art. 18, §§ 4o e 5o, desta Lei, ou com omissão fraudulenta de fato a ele relativo, se o fato não constituir crime mais grave.

Pena: Reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, e multa de 10 (dez) a 100 (cem) vezes o maior salário mínimo vigente no País.

Art. 51. Quem, de qualquer modo, concorra para a prática dos crimes previstos no artigo anterior desta Lei incide nas penas a estes cominadas, considerados em especial os atos praticados na qualidade de mandatário de loteador, diretor ou gerente de sociedade” (grifo nosso).

Em seguida, prevê, ainda, o crime que poderá incorrer o Oficial Registrador que não agir em conformidade com a referida Lei:

“Art. 52. Registrar loteamento ou desmembramento não aprovado pelos órgãos competentes, registrar o compromisso de compra e venda, a cessão ou promessa de cessão de direitos, ou efetuar registro de contrato de venda de loteamento ou desmembramento não registrado.

Pena: Detenção, de 1 (um) a 2 (dois) anos, e multa de 5 (cinco) a 50 (cinquenta) vezes o maior salário mínimo vigente no País, sem prejuízo das sanções administrativas cabíveis” (grifo nosso).

Os crimes descritos são em consonância com o maior intuito da legislação, qual seja, a proteção dos eventuais e futuros compradores.

 

5. da responsabilidade municipal

5.1 Da aprovação do projeto de parcelamento e exigência de caução

Como já visto acima, entre outros documentos necessários para o registro do parcelamento pretendido perante o Registro de Imóveis, é necessária a apresentação de cópia do ato de aprovação do loteamento.

A aprovação necessária será realizada de acordo com a legislação federal, mas, também, de acordo com as disposições da legislação municipal.

Independentemente de qualquer caso, a aprovação somente poderá se dar se o projeto for apresentado em respeito à legislação e com a execução das obras realizadas ou com a apresentação do cronograma de obras, conforme se vê:

“Art. 18. Aprovado o projeto de loteamento ou de desmembramento, o loteador deverá submetê-lo ao registro imobiliário dentro de 180 (cento e oitenta) dias, sob pena de caducidade da aprovação, acompanhado dos seguintes documentos:

[...]

V - cópia do ato de aprovação do loteamento e comprovante do termo de verificação pela Prefeitura Municipal ou pelo Distrito Federal, da execução das obras exigidas por legislação municipal, que incluirão, no mínimo, a execução das vias de circulação do loteamento, demarcação dos lotes, quadras e logradouros e das obras de escoamento das águas pluviais ou da aprovação de um cronograma, com a duração máxima de quatro anos, acompanhado de competente instrumento de garantia para a execução das obras” (grifo nosso).

Assim, conclui-se que, nos casos em que a totalidade das obras ainda não tenha sido realizada, é obrigatória a apresentação do instrumento de garantia.

A garantia deverá ser prestada nos termos exigidos pelo Poder Público, com a quantidade de lotes suficiente para suprir o valor estimado das obras pendentes de execução, cabendo ao órgão aprovador a escolha da modalidade de garantia a ser adotada (sendo a mais comum a hipoteca).

Neste tema, ensinam Cláudio Fioranti e Afonso Celso F. Rezende (1995, p.346):

“[...] Não existindo os equipamentos urbanos, cabe ao Poder Público exigir do proprietário o cronograma de execução das obras, [...] mediante lavratura de instrumento de garantia, nos termos da legislação vigente ou então, se for o caso, se responsabilizar pela sua execução, assumindo-a através do referido termo de verificação” (grifo nosso).

Diante do posicionamento dos autores, no caso da dispensa da garantia das obras pelo Poder Público, este se torna garantidor de sua execução. Tal premissa é embasada na intenção legal de minimizar qualquer eventual prejuízo ao futuro adquirente.

5.2 Consequências da inexecução das obras

Como já mencionado, sendo desejo do proprietário do imóvel promover o parcelamento do imóvel, seja como desmembramento ou loteamento, deve promover todas as obras necessárias, como abertura das vias públicas, rede de águas pluviais, abastecimento de água e coleta de resíduos, posteamento, entre outras.

No caso do desmembramento tais obras são devidas em casos que, embora exista a via pública já exista, não existam os melhoramentos públicos necessários.

Diferentemente, nos loteamentos sempre será devida a realização das obras, considerando que a via pública não existe ou, existindo, será ampliada ou modificada. Em qualquer dos casos, será necessária a execução das obras às expensas do proprietário.

Independentemente do tipo de parcelamento realizado, é obrigatória a apresentação do cronograma de obras a serem realizadas, o qual deve ser acompanhado do termo de garantia, com prazo máximo de quatro anos.

Dentro do Estado de São Paulo, uma vez efetivado o registro perante o Serviço Registral, compete ao Oficial de Registro de Imóveis verificar o decurso do prazo estipulado no cronograma. Não tem o Oficial dever de vistoriar in loco a realização das obras, tampouco se o prazo para cada tipo de serviço é respeitado, seja por incompetência legal ou técnica.

Porém, uma vez atingido o prazo estipulado no cronograma para realização das obras, o Oficial deve exigir do loteador o termo de verificação e aprovação das obras pelo Poder Público, com o consequente cancelamento das garantias prestadas.

Não apresentado o referido termo, deve o Oficial noticiar o vencimento do prazo das obras à municipalidade, a fim de que possam ser tomadas as medidas cabíveis, nos termos do item 187.1 das Normas de Serviço dos Cartórios Extrajudiciais:

“187.1. Decorrido o prazo do cronograma de obras e eventual prorrogação, sem que o loteador tenha apresentado o termo de verificação de execução das obras, o oficial comunicará a omissão à Prefeitura Municipal e ao Curador de Registros Públicos, para as providências cabíveis”.

Nesta hipótese, o Poder Público deve providenciar a notificação do loteador para que efetue a conclusão das obras, sendo que o pagamento das prestações deve ser suspenso pelos adquirentes, os quais passarão a adimplir as parcelas diretamente ao Oficial de Registro de Imóveis competente.

Tal situação é necessária sob dois aspectos: o primeiro, como modo coercitivo para que o loteador conclua as obras devidas, pois restará privado de receber as prestações devidas; o segundo, como método garantidor, pois prevê a destinação das referidas parcelas à municipalidade, a título de ressarcimento, quando esta regularizar, as suas expensas, as obras devidas.

Neste ponto nasce uma grande discussão, sobre a obrigatoriedade ou não da conclusão das obras pelo Poder Público, sobrando argumentos para ambos os posicionamentos.

5.3 Previsão legal – art. 40

A Lei 6.766/79 traz em seu conteúdo a seguinte previsão legal:

“Art. 40. A Prefeitura Municipal, ou o Distrito Federal quando for o caso, se desatendida pelo loteador a notificação, poderá regularizar loteamento ou desmembramento não autorizado ou executado sem observância das determinações do ato administrativo de licença, para evitar lesão aos seus padrões de desenvolvimento urbano e na defesa dos direitos dos adquirentes de lotes.

§ 1º A Prefeitura Municipal, ou o Distrito Federal quando for o caso, que promover a regularização, na forma deste artigo, obterá judicialmente o levantamento das prestações depositadas, com os respectivos acréscimos de correção monetária e juros, nos termos do § 1º do art. 38 desta Lei, a título de ressarcimento das importâncias despendidas com equipamentos urbanos ou expropriações necessárias para regularizar o loteamento ou desmembramento.

§ 2º As importâncias despendidas pela Prefeitura Municipal, ou pelo Distrito Federal quando for o caso, para regularizar o loteamento ou desmembramento, caso não sejam integralmente ressarcidas conforme o disposto no parágrafo anterior, serão exigidas na parte faltante do loteador, aplicando-se o disposto no art. 47 desta Lei.

§ 3º No caso de o loteador não cumprir o estabelecido no parágrafo anterior, a Prefeitura Municipal, ou o Distrito Federal quando for o caso, poderá receber as prestações dos adquirentes, até o valor devido.

§ 4º A Prefeitura Municipal, ou o Distrito Federal quando for o caso, para assegurar a regularização do loteamento ou desmembramento, bem como o ressarcimento integral de importâncias despendidas, ou a despender, poderá promover judicialmente os procedimentos cautelares necessários aos fins colimados.

§ 5o A regularização de um parcelamento pela Prefeitura Municipal, ou Distrito Federal, quando for o caso, não poderá contrariar o disposto nos arts. 3o e 4o desta Lei, ressalvado o disposto no § 1o desse último” (grifo nosso).

A polêmica quanto a execução das obras pelo Poder Público nasce justamente em virtude do termo utilizado pela legislação, o qual, em tese, apresenta uma permissão, mas não uma imposição.

Ocorre que há entendimentos de que, na realidade, o referido artigo traz um poder-dever, pois traz a previsão de um ato vinculado, considerando que o intuito da legislação seria a intenção de “deverá” e não “poderá”.

5.4 Entendimentos dos Tribunais

Por muitos anos o entendimento mantido pelo C. Superior Tribunal de Justiça foi o de que a interpretação correta a ser aplicada prevê que, ocorrendo inexecução das obras pelo loteador, o Poder Público fica obrigado a concluir as obras de infraestrutura, conforme julgados abaixo:

“ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LOTEAMENTO IRREGULAR. ÁREA DE MANANCIAIS. RESPONSABILIDADE DO MUNICÍPIO E DO ESTADO. PODER-DEVER. ARTS. 13 E 40 DA LEI N. 6.766/79.

1. As determinações contidas no art. 40 da Lei n. 6.766/99 consistem num dever-poder do Município, pois, consoante dispõe o art. 30, VIII, da Constituição da República, compete-lhe "promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano".

2. Da interpretação sistemática dos arts. 13 da Lei nº 6.766/79 e 225 da CF, extrai-se necessidade de o Estado interferir, repressiva ou preventivamente, quando o loteamento for edificado em áreas tidas como de interesse especial, tais como as de proteção aos mananciais.

3. Recurso especial provido” (grifo nosso).

(REsp 333.056/SP, Rel. Min. Castro Meira, DJ de 06.02.06)

“PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LOTEAMENTO PARA FINS SOCIAIS IRREGULAR. RESPONSABILIDADE DO MUNICÍPIO. PODER-DEVER. ART. 40 DA LEI N. 6.766/79. LEGITIMIDADE PASSIVA DO MUNICÍPIO.

1. As exigências contidas no art. 40 da Lei n. 6. 766/99 encerram um dever da municipalidade de, mesmo que para fins sociais, regularizar loteamento urbano, visto que, nos termos do art. 30, VIII, da Constituição Federal, compete-lhe promover o adequado ordenamento territorial mediante planejamento, controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano.

2. Recurso especial parcialmente conhecido e não-provido" (grifo nosso).

(REsp 131697/SP, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJ 13.06.05)

"PROCESSUAL CIVIL - ADMINISTRATIVO - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - PARCELAMENTO DE SOLO - REGULARIZAÇÃO PELO MUNICÍPIO - PODER-DEVER - LEI 6.766/79, ART.40 - LEGITIMIDADE PASSIVA DO MUNICÍPIO. - O Município tem o poder-dever de agir no sentido de regularizar loteamento urbano ocorrido de modo clandestino, sem que a Prefeitura Municipal tenha usado do seu poder de polícia ou das vias judiciais próprias, para impedir o uso ilegal do solo. O exercício desta atividade é vinculada.

- Recurso não conhecido” (grifo nosso).

(REsp n. 124.714-SP, Rel. Min. Francisco Peçanha Martins, DJ de 25.09.00)

“RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. REGULARIZAÇÃO DO SOLO URBANO. ART. 40 DA LEI N. 6.766/79. MUNICÍPIO. COMPETÊNCIA VINCULADA.

No que concerne à alegação de que a Lei n. 6.766/79 não se aplica aos conjuntos habitacionais de interesse social, o recurso não merece prosperar. Com efeito, como bem salientou o Ministério Público Federal, 'a Lei 6.766/79 é aplicável a toda e qualquer forma de parcelamento do solo para fins urbanos (art. 1º da Lei), independentemente de haver vinculação ou não com os programas habitacionais de interesse social' (fl. 517). Por outro lado, nos termos da Constituição Federal, em seu artigo 30, inciso VIII, compete aos Municípios 'promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano.' Cumpre, pois, ao Município regularizar o parcelamento, as edificações, o uso e a ocupação do solo, sendo pacífico nesta Corte o entendimento segundo o qual esta competência é vinculada. Destarte, 'se o Município omite-se no dever de controlar loteamentos e parcelamentos de terras, o Poder Judiciário pode compeli-lo ao cumprimento de tal dever' (REsp 292.846/SP, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, DJ 15.04.2002). No mesmo diapasão, sustentou o Ministério Público Federal que 'o Município não pode se furtar do poder-dever de agir vinculado e constitucionalmente previsto com vistas à regularização do solo urbano, sob pena de responsabilização, como sucedeu no caso por intermédio da via judicial adequada que é a ação civil pública' (fl. 518). Recurso especial improvido” (grifo nosso).

(REsp 259.982-SP, Rel. Min. Franciulli Netto, DJ de 27.09.04).

Conforme se depreende das decisões, era pacífico o entendimento de que o art. 40 traz um poder-dever ao Estado.

Os votos dos ministros traziam uma análise do conjunto legislativo, a partir da premissa apresentada no art. 30, VIII, da Constituição Federal de 1988, determinando a competência do município em “promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano”, acompanhada do intuito da legislação de preservar os direitos dos adquirentes dos futuros lotes

Ocorre que a partir do julgamento do REsp nº 859.905 – RS (2006/0124817-0), tendo o julgamento apresentado resultado não unânime, onde fora vencedor o voto do Ministro Cesar Asfor Rocha, houve mudança na interpretação legal, in verbis:

“RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE DO MUNICÍPIO. LOTEAMENTO. OBRAS DE INFRA-ESTRUTURA. EXEGESE DO ART. 40 DA LEI N. 6.766/79.

– O art. 40 da Lei n. 6.766/1979 confere ao município a faculdade de promover a realização de obras de infra-estrutura em loteamento, sob seu o critério de oportunidade e conveniência. Recurso especial não conhecido.

Trata-se de ação declaratória de nulidade dos Decretos ns. 9.518/99 e 9.781, cumulada com pedido de condenação do Município de Caxias do Sul "a concluir as obras do loteamento que restaram inacabadas".

Com a revogação dos referidos decretos expropriatórios pelo Município réu, foi declarada, em audiência de conciliação, a perda do objeto da lide nesse aspecto.

Após instrução do feito, sobreveio sentença extinguindo o processo sem julgamento do mérito com base no art. 267, inciso VI, do CPC, por ilegitimidade passiva, sob a seguinte motivação:

"Conforme o artigo 32 da Lei Municipal n. 3.300, de 29 de novembro de 1988 (folha 167), a obrigação de realizar as obras necessárias à implantação do loteamento é do loteador. Assim, a empresa Multi-Terra Comércio e Indústria Ltda. é legitimada passiva para o feito.

[...]

Quanto ao Município, o artigo 40 da Lei Municipal n. 3.300, de 29 de novembro de 1988 (folha 169) determina que, caso o loteador não cumpra com sua obrigação de construir as obras de infra-estrutura, o Município poderá executá-las. Assim, o requerido não tem obrigação de realizar tais serviços e obras, inexistindo dever legal. A expressão poderá indica que o administrador tem poder discricionário para optar pela realização das obras, caso não venham a ser efetivadas pelo obrigado. Desta forma, o demandado não tem obrigação solidária nem subsidiária em relação ao loteador. A única obrigada a realizar as obras é a empresa Multi-Terra Comércio e Indústria Ltda.

A lei autoriza o Município a realizar as obras por conta do loteador. Contudo, não o obriga, uma vez que a responsabilidade é exclusiva da empresa.

[...]

Assim, o Município é ilegitimado passivo para o feito, uma vez que a lei não lhe obriga a realizar as obras de infra-estrutura do loteamento.

O egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, em juízo apelatório, manteve integralmente a decisão de primeiro grau, adotando os seus fundamentos. Incorporou, outrossim, a manifestação do Ministério Público, assim lançada:

"A questão trazida em sede recursal limita-se à extinção do feito em relação ao requerido, face ao reconhecimento da ilegitimidade passiva. Entendeu o juízo a quo que não há responsabilidade do ente público pela realização de obras de infra-estrutura do loteamento, as quais devem ser postuladas junto ao loteado.

Argumentam os autores, ora apelantes, que o loteamento foi aprovado em 1981 e, em razão do Termo de Compromisso firmado entre o loteador e o Município, este deveria ter tomado as medidas cabíveis para que as obras fossem realizadas.

Entretanto, os próprios apelantes afirmam que o Município tem o dever de fiscalizar e supervisionar as obras. Não está, todavia, obrigado a executá-las.

Por outro lado, a referida Lei n. 6.766/99, em seu artigo 40, é expressa ao referir que a Prefeitura poderá realizar loteamento ou desmembramento não autorizado ou executado sem observância das determinações do ato administrativo de licença. Ou seja, trata-se, conforme reconhecido pela sentença, de poder discricionário da Administração, não cabendo ao Judiciário determinar a realização das obras a que a municipalidade não está obrigada.

Assim sendo, mostra-se acertada a decisão que extinguiu o feito, eis que evidente a ilegitimidade passiva do ente municipal no que se refere ao pedido de implementação de obras de infra-estrutura" (fls. 468-469).

O recurso especial aponta ofensa ao art. 40 da Lei n. 6.766/1979 (Lei de Parcelamento de Solo Urbano), que assim dispõe:

"Art. 40 - A Prefeitura Municipal, ou o Distrito Federal quando for o caso, se desatendida pelo loteador a notificação, poderá regularizar loteamento ou desmembramento não autorizado ou executado sem observância das determinações do ato administrativo de licença, para evitar lesão aos seus padrões de desenvolvimento urbano e na defesa dos direitos dos adquirentes de lotes".

Correta, no meu entender, a exegese conferida pelos juízos ordinários ao referido dispositivo legal.

Com efeito, a norma transcrita concede ao município o direito, não a obrigação, de realização de obras de infra-estrutura em loteamento. O verbo utilizado pelo legislador, revela uma faculdade da municipalidade. Quer dizer que esta empreenderá nos loteamentos quando considerar, por razões superiores, de interesse social, que tem condições de fazê-lo.

Não cabe outra interpretação ao preceito legal, não só diante da clareza do texto como dos princípios informadores da administração pública, não se mostrando razoável impor ao município a realização de obras que eventualmente não sejam do interesse da coletividade ou obrigá-lo a assumir encargos que não tenha condições de cumprir.

Nesse contexto, tenho por inafastável a ilegitimidade passiva ad causam do Município, ora recorrido, que não tem obrigação legal de atuar em substituição ao loteador, como se responsável solidário fosse, estando os seus atos estão vinculados ao bem comum.

Assim, data venia do entendimento do eminente relator, que se ampara em precedentes anteriores desta Turma, ouso dele discordar por considerar, como os juízos ordinários, que o art. 40 da Lei 6.766/79 confere ao Município a faculdade de poder intervir, sob o critério de conveniência e oportunidade.

Diante disso, não conheço do recurso especial”.

(REsp n. 859.905-RS, Rel. Min. Cesar Asfor Rocha, DJ de 01.09.11)

Nota-se a mudança de interpretação do referido artigo, deixando o entendimento de ato vinculado para ato discricionário, considerando a literalidade do texto da Lei.

Em que pese a mudança de entendimento o C. Superior Tribunal de Justiça, considera-se o melhor entendimento aquele inicialmente aplicado pelo Tribunal, não só pelos motivos ali expostos, mas, ainda, pelos demais abaixo elencados.

Conforme demonstrado nos acórdãos já citados, o C. STJ entendeu pela obrigatoriedade da complementação e conclusão das obras de infraestrutura por considerar que o art. 40 traz um poder-dever, ato vinculado da administração.

Como base para o referido entendimento, citam o art. 30 da Constituição Federal, o qual prevê como dever dos municípios promover o adequado ordenamento territorial.

Entretanto, é possível ir além da análise dos dois artigos mais utilizados pela jurisprudência.

Em estudo ainda mais amplo da legislação, nota-se que esta busca de todos os modos proteger o consumidor (adquirente dos futuros terrenos). O art. 18 da Lei 6.766/19 traz inúmeros documentos de apresentação obrigatória com a finalidade de apurar a atuação do loteador na sociedade.

Como exemplo, os incisos III e IV estipulam a exigência de diversas certidões que atestaram a existência de dívidas, pendências judiciais cíveis e até criminais, as quais devem ser expedidas não apenas com referência ao proprietário, mas também de todos que, no período exigido, tenham sido titulares de direitos reais sobre o imóvel.

Tal previsão demonstra a preocupação do legislador em, na forma possível, verificar a solvência do empreendedor e sua condição de cumprir com a obrigação assumida de implantar o empreendimento, bem como evitar que dívidas existentes possam tornar as vendas ineficazes ou reconhecidas como fraude.

A legislação mantém o mesmo intuito ao prever a necessidade de, nos empreendimentos não concluídos, ser elaborado e apresentado cronograma das obras a serem realizadas, com período máximo de duração de quatro anos, as quais deverão estar devidamente garantidas.

A garantia, que comumente é oferecida com a caução de parte dos lotes, é a segurança ofertada pelo empreendedor de que suas obrigações assumidas serão cumpridas.

Diante destes fatores, resta clara a visão protecionista da legislação, não possuindo lógica jurídica outra interpretação do art. 40 da Lei 6.766/79 que não seja no poder-dever do município.

Embora haja infelicidade na aplicação do verbo “poderá” no referido artigo, este não pode ser suficiente para afastar a obrigação. A interpretação atendendo à literalidade do texto vai à contramão da análise jurídica como conjunto legal.

Adotado o sentido de permissão como correto não se vê a subsistência da obrigatoriedade da prestação da garantia das obras ao poder público, senão vejamos.

A garantia prestada visa, como já salientado, dar segurança de que as obrigações do loteador serão cumpridas. Uma vez existindo o descumprimento, há necessidade de promover-se a execução da garantia pelo Poder Público.

A partir do ato executório concluído, o bem garantidor passará ao domínio público como forma de pagamento dos serviços que ainda necessitam ser realizados. Assim, bastará que a municipalidade promova a transformação do bem em pecúnia (nos casos em que sejam ofertados lotes em garantia tal transformação ocorrerá com a alienação dos bens) para arcar com as despesas.

Com a possibilidade de levantamento da quantia, não se vê outra alternativa a não ser a de executar as obras devidas. Diante de tal fato, não pode subsistir eventual alegação de que compete ao poder público analisar a viabilidade de investimento na conclusão do empreendimento em detrimento de outros serviços públicos necessários, haja vista que o valor aplicado é oriundo do próprio inadimplemento do empreendedor.

Ao permitir a execução da garantia com a expropriação do bem sem tornar obrigatória a conclusão da implantação gera o enriquecimento sem causa para o Poder Público, vedada pela legislação pátria.

De modo diverso, a não promoção da execução da garantia ofertada ocasionará, com decurso do tempo, a provável invasão dos imóveis por particulares; possível venda irregular pela proprietária; ou, de modo drástico, nos casos em que imóveis sejam hipotecados (caso de maior incidência), a perempção da garantia. Em qualquer das hipóteses, haveria ainda maior prejuízo para a sociedade.

 

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este texto/artigo tem o intuito de apresentar o estudo, reflexões jurídicas sobre a legislação nacional e olhar crítico e análise lógico-jurídica a partir de anos de prática no serviço extrajudicial de registro imobiliário.

Iniciou-se o presente trabalho buscando apresentar o conceito de propriedade e a importância de sua função social, sendo este preceito constitucional. Demonstrou-se, ainda, os conceitos de parcelamento do solo, seja rural ou urbano, com o intuito de aproximar qualquer interessado do tema debatido.

Posteriormente, buscou-se aprofundar no tema ora tratado, com as especificações legais da Lei 6.766/79, inclusive com os reflexos criminais existentes.

Por fim, passou-se a análise da responsabilidade municipal na implantação dos parcelamentos de solo urbano, com abordagem principal ao disposto no art. 40 da lei supracitada, mas sem desconsiderar todo o ordenamento jurídico pátrio.

A partir desta premissa, foi possível o debate sobre os posicionamentos do C. Superior Tribunal de Justiça, o qual possui duas vertentes sobre a interpretação legal, sendo uma prevendo a obrigação legal e outra com tom permissivo, como ato discricionário.

Como já alegado e por todo o demonstrado, para este autor, é acertado o entendimento inicial do tribunal, ao prever que a real intenção da lei é prever um ato vinculado da municipalidade, não simples permissão.

Não se pode olvidar que, com a consideração única e exclusivamente do texto legal do art. 40, é de fácil conclusão que o texto legal prevê apenas uma permissão, a qual será analisada a partir do interesse social e conveniência pública.

Porém, a análise jurídica deve partir da previsão expressa da lei sem deixar a parte o conjunto normativo. Como ensina Norberto Bobbio, as normas jurídicas não existem no contexto jurídico de forma isolada, solitária, sem qualquer conexão, mas sim em conjunto, com relações entre si, em um grande ordenamento jurídico, o qual pode, por vezes, pode ser adotada como a própria definição de direito.

Deste modo, com a apuração de toda a legislação nacional, como ordenamento, não se pode chegar a outra conclusão jurídica senão o reconhecimento da infelicidade do termo “poderá” utilizado, com a consequente determinação da execução das obras pelo poder público nos casos de inexecução pelo loteador.

Além do aspecto legal, permitir o contrário traz grande insegurança jurídica à sociedade, haja vista a vulnerabilidade dos adquirentes dos futuros imóveis, os quais comumente investem a quantia que arduamente fora poupada durante anos, quiçá por toda uma vida, para compra do bem e, por diversas vezes, se veem em situações de privação de utilização do produto comprado ou sua imensa desvalorização, pela falta de conclusão das obras.

Neste momento, restam-se incapacitados de praticar qualquer ato para solução. Todavia, tal solução encontra-se nas mãos do poder público, o qual, se aprovado e registrado o parcelamento do solo de modo regular, terá o valor necessário, através da garantia que lhe foi prestada, para conclusão da implantação.

E visando a regularização e adequação dos imóveis, de modo a permitir que seus, até o momento, posseiros, que não conseguem a escrituração e registro dos imóveis por falha e irregularidade de terceiros (loteadores) possam, finalmente, ter a tranquilidade de serem reconhecidos como proprietários dos imóveis, fora sancionada a Lei 13.465/17, que cria, entre outros institutos, a Regularização Fundiária de Imóveis Urbanos -  REURB.

A referida legislação faz-se necessária em face dos inúmeros loteamentos e desmembramentos clandestinos existentes, que foram executados devido a inércia do poder público de fiscalização por anos, mas que não podem deixar de serem encarados como uma realidade, a qual necessita de tratamento adequado.

Com tal finalidade, a lei prevê grande responsabilidade ao poder público, ao estabelecer sua competência para realizar a demarcação urbanística (art. 19 e seguintes), bem como processar o pedido de REURB e, ao final, indicar a área a ser regularizada, sua aprovação, e a indicação dos proprietários de cada imóvel integrante do procedimento.

Nesta senda, inegável o dever do poder público na adequação e regularização de seus espaços urbanos. Entendimento diverso, no sentido de permitir que o município se exima de concluir as obras de infraestrutura dos parcelamentos, nas situações em que possui a garantia de tal execução, vai em sentido contrário a todo o ordenamento jurídico.

O conjunto legal nacional visa, cada vez mais, proteger sua população. Não é crível, após a criação da REURB - a qual traz grande importância ao poder público na regularização imobiliária, prevendo a realização de procedimentos que, em boa parte, serão às expensas dos cofres públicos -, entender que nas situações em que não haverá, em tese, prejuízo ao erário, seja permitido ato discricionário do poder púbico.

Portanto, com toda a demonstração e argumentação apresentada, conclui-se que a tese inicial do C.STJ aparenta maior coerência com a legislação nacional, sendo grande a espera de que o entendimento volte a ser adotado em seus julgamentos, não só pelos motivos já utilizados pelo Tribunal, mas também pelos argumentos aqui expostos.

Referências

ATHAYDES, O. G.; ATHAYDES, L. A. D. G. Teoria e prática do parcelamento do solo. São Paulo: Saraiva, 1984.

BOBBIO, Norberto; tradução Denise Agostinetti; revisão da tradução Silvana Cobucci Leite. Teoria geral do direito. 3. Ed. São Paulo: Martins Fontes, 2010.

COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito civil. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2013.

DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro, vol. 4: Direito das Coisas. 30ª ed. São Paulo: Saraiva, 2015.

FIORANTI, C.; REZENDE, A. C. F. A prática nos processos e registro de incorporação imobiliária, instituição de condomínio e loteamentos urbanos. Campinas: Conan, 1995.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro, vol. 5: Direito das Coisas. 12ª ed. São Paulo: Saraiva, 2017.

MIRANDA, Francisco Cavalcante Pontes de. Tratado de direito privado - Direito das coisas: propriedade. Atualizado por Luiz Edson Fachin. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012.

MIRANDA, Francisco Cavalcante Pontes de. Tratado de direito privado, vol. XIII: Direito das coisas: loteamento – Direitos de vizinhança. 4. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1983.

RIBEIRO, Benedito Silvério. Tratado de usucapião. 7. ed. rev. e atual. v.1. São Paulo: Saraiva, 2010.


Sobre o autor
Danilo Camargo Cordeiro

Advogado no escritório Danilo Cordeiro Advocacia. Formado pelo Centro Universitário de Jaguariúna - UNIFAJ. Foi Oficial Substituto do Oficial de Registro de Imóveis de Serra Negra-SP. Especializado em Direito Imobiliário. Atua, ainda, nas áreas de Direito Empresarial, Direito do Consumidor e Direito Civil, com enfoque para áreas de Família, Sucessões, Contratos, Responsabilidade Civil, Obrigações e Propriedades.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Artigo elaborado visando trazer análise doutrinária e sistemática do ordenamento jurídico pátrio, haja vista que, na opinião do autor, é acertado o entendimento inicial apresentado pelo C. STJ, ao entender pelo poder/dever da municipalidade na implantação das obras de infraestrutura nos parcelamentos de solo urbano.

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