Publicidade médica: 10 regras de ouro

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É impossível negar que estamos vivendo em uma era digital. Quem não está na internet, para muitas pessoas, não está no mundo. O que isso implica na vida dos médicos? O artigo abrange as 10 principais dúvidas sobre publicidade médica.

É impossível negar que estamos vivendo em uma era digital. Quem não está na internet, para muitas pessoas, não está no mundo. O que isso implica na vida dos médicos? Para atrair pacientes não é mais suficiente ser um ótimo profissional entre quatro paredes. É preciso fazer com que as pessoas da cidade, ou até mesmo do país, saibam onde é seu consultório, quais procedimentos você faz, o que você estuda, levar informação de qualidade, etc.

É a reinvenção da publicidade médica, antes feita exclusivamente por meio de indicações. Porém, essa reinvenção deve acontecer de forma legal e ética, seguindo as normas do legislativo e dos conselhos de classe. Como isso é possível?

Não é de hoje que há preocupação com o regramento da publicidade médica. Em 1932 foi publicado o Decreto 20.931 regulando o exercício de profissões da área da saúde. Nele, já era previsto que o médico deveria, em seus anúncios, fazer constar os títulos científicos e sua especialidade.

O Decreto-Lei 4.113/42, por sua vez, foi o primeiro a regular a propaganda dos profissionais da saúde. Nele, consta uma série de proibições aos médicos, porém, há também permissão para que o médico anuncie o preço da consulta, faça referências genéricas à aparelhos e dê conselhos gerais de medicina.

Em 1957, com a criação dos Conselhos de Medicina (Lei 3.267/57) começaram a vigorar as normas éticas da profissão, aí inclusos regramentos sobre publicidade. Hoje, está em vigor a Resolução 1.974/2011 do Conselho Federal de Medicina que trata sobre o tema.

É importante ter em mente o que as normas pretendem ao regular a publicidade médica, que é, em primeiro lugar, evitar a mercantilização da medicina. A mercantilização pode ser entendida como a prática médica que visa exclusivamente o lucro e isso vai contra o principal princípio da prática médica que é estar à serviço da saúde do ser humano. A medicina não pode, portanto, ser exercida como comércio.[1][1]

Como bem pontuou o CFM na Introdução do seu Manual de Publicidade Médica[2][2]: Numa sociedade consumista, na qual valores, infelizmente, se diluem, a medicina deve atuar como guardiã de princípios e valores, impedindo que os excessos do sensacionalismo, da autopromoção e da mercantilização do ato médico comprometam a própria existência daqueles que dele dependem.

Preparamos, de forma prática e clara, algumas perguntas e respostas sobre o tema, a fim de sanar as principais dúvidas:

1 - POSSO TER UM PERFIL PROFISSIONAL EM UMA REDE SOCIAL COMO INSTAGRAM, YOUTUBE, FACEBOOK E LINKEDIN?

Sim. Não há vedações jurídicas para a criação de redes sociais profissionais de médicos. Entretanto, o fim dessa plataforma não pode ser a autopromoção, mas sim o repasse de informações importantes ao público.

Essas informações devem ter fundamentos técnicos-científicos, não podem ser sensacionalistas e tampouco depreciar colegas direta ou indiretamente. Ainda, é necessário ter cuidado para não repassar informações falsas ou que induzam os pacientes à erro, sendo vedada a promessa de resultado.

Ainda, é essencial que haja a correta identificação do profissional, com o seu número de CRM e suas especialidades – lembrando que apenas podem ser divulgadas até duas especialidades e que essas devem ser registradas no Conselho Regional de Medicina.

Quanto ao endereço e telefone da clínica onde o médico atua, na Resolução de 2011 o CFM vetava que fossem divulgados em redes sociais. Entretanto, a Resolução 2.113/2015 alterou o entendimento, só não sendo possível a divulgação de endereço e telefone pelo profissional quando for dar entrevistas, na participação em eventos e em materiais de cunho jornalístico nas redes sociais. No perfil do profissional, portanto, é possível que constem esses dados.

2 - POSSO POSTAR NAS REDES SOCIAIS UMA “SELFIE” COM MEU PACIENTE OU UMA IMAGEM DO SEU TRATAMENTO/PROCEDIMENTO?

O Conselho Federal de Medicina[3][3] veda a publicação de "selfies” ou qualquer tipo de imagem ou áudio que caracterize autopromoção[4][4], sensacionalismo[5][5] ou concorrência desleal.

Desta forma, postagem de selfies no perfil profissional do médico devem ser evitadas quando incorrerem nos casos citados acima[6][6]. Caso não se configure nenhuma dessas hipóteses, é necessário que haja um termo de autorização assinado pelo paciente para uso de sua imagem, redigido de forma clara e explicado pelo médico para que o paciente possa entender exatamente como a imagem será utilizada.

Já no caso de divulgação de tratamento/procedimento, não é possível a divulgação do tratamento/procedimento enquanto ele é realizado e tampouco imagens de “antes e depois” do tratamento/procedimento. Ainda que haja autorização do paciente essas práticas são vedadas[7][7].

A única autorização para divulgação desse tipo de imagem é quando imprescindível em trabalhos e eventos científicos, desde que com autorização expressa do paciente ou seu representante legal[8][8].

Importante lembrar que, juridicamente, a postagem de imagens de “antes e depois” constituem promessa de resultado. Sendo assim, o profissional fica sujeito a ser responsabilizado civilmente pelo paciente caso o resultado não seja o mesmo do divulgado, ficando em posição muito frágil, uma vez que cada corpo reage de uma determinada maneira ao mesmo tratamento/procedimento.

3 - MEU PACIENTE ELOGIOU MINHA TÉCNICA, ME AGRADECEU OU POSTOU FOTOS DE SEU RESULTADO EM SUAS REDES SOCIAIS. POSSO REPOSTAR?

Reprodução de posts de pacientes inclui-se na vedação de autopromoção e concorrência desleal prevista no Código de Ética Médica. Assim, imagens de “antes e depois”, elogios a técnicas e resultados de procedimentos, ainda que realizados primariamente por um paciente, quando repostados pelo profissional caracterizam descumprimentos aos preceitos éticos da medicina.

Igualmente, a postagem com elogios realizada por pacientes de forma reiterada, ainda que não repostada pelo médico, será investigada pelo Conselho Regional competente para averiguar se o profissional não está burlando as normas[9][9].

4 - POSSO DIVULGAR O VALOR DA MINHA CONSULTA?

Sim. O Decreto-Lei 4.113/42 e o Código de Ética Médica permitem que o profissional divulgue em suas redes sociais o valor da sua consulta.

O que é vedado expressamente é a publicidade acerca os valores dos procedimentos, modalidades aceitas de pagamento ou eventuais concessões de desconto[10][10].

Nesta vedação enquadra-se também a realização dos chamados “botox day”, “peeling day”, etc., diante da flagrante concorrência desleal e divulgação indireta de desconto.

5 - POSSO CONTRATAR ATORES E/OU CELEBRIDADES PARA ATUAR NA PUBLICIDADE DOS MEUS SERVIÇOS?

Sim, desde que essas pessoas não afirmem ou sugiram que utilizam os seus serviços ou recomendem o seu uso. A propaganda deve se limitar a apresentar o serviço do profissional ou do estabelecimento[11][11].

Dessa forma, atualmente, é preciso ter muita cautela com as publicações de pessoas famosas quando essas recomendam o serviço do médico, falam que é o melhor da região, etc. Esses posts não podem ser repostados pelo profissional e, caso sejam postados com frequência pelo paciente podem ser investigados pelo CRM.

Ainda, é proibida a isenção de pagamento de consultas/procedimentos em troca dessas postagens no perfil do famoso, vez que o médico, nesse caso, estaria contratando publicidade vedada pelo CFM.

A melhor saída, nesse caso, é orientar os pacientes famosos sobre as regras de publicidade médica, deixando claro que qualquer publicação nas redes sociais indicando o profissional é realizada por livre e espontânea vontade e que não poderá haver repostagem dos conteúdos.

6 - POSSO ANUNCIAR CURSOS DE ESPECIALIZAÇÃO, MESTRADO, DOUTORADO, PARTICIPAÇÕES EM CONGRESSOS, ETC.?

Sim, desde que seja relacionado à especialidade registrada no CRM. Ou seja, não posso, sendo um neurologista, anunciar que fiz um mestrado na área cardiológica. O Conselho Federal de Medicina entende que esse tipo de divulgação confundiria os pacientes, dando a entender que o médico também tem especialidade de cardiologia registrada no CRM, conforme exemplo citado.

Da mesma forma, não é possível anunciar que é especialista em determinada área que não é considerada especialidade médica pelo CFM. Especialista, no âmbito da publicidade médica, é apenas aquele que tem a especialidade registrada no CRM – esse registro é concedido apenas para quem faz programa de residência médica ou passa por avaliação de sociedade de especialidade reconhecida pelo CFM[12][12].

7 - POSSO RESPONDER MENSAGENS ENVIADAS POR REDES SOCIAIS OU E-MAILS ENVIADOS PELO SITE?

Sim, é possível responder desde que seja para esclarecimento de alguma informação dada ou ate mesmo para agendamento de consultas. Entretanto, não é possível orientações pessoais sobre determinado caso clínico sem consulta presencial anterior.

Ou seja, de forma exemplificativa, é possível que o médico esclareça algum termo técnico que usou na rede social, mas não é possível que analise se o paciente que está com determinado sintoma está com ou não com a doença sobre a qual postou.

É indicado, nos casos em que o paciente entra em contato com o médico procurando orientações, que o médico sempre oriente o paciente a buscar o médico de sua confiança, sem aproveitar para se autopromover.

8 - AS REGRAS DE PUBLICIDADE DEVEM SER SEGUIDAS POR CLÍNICAS E HOSPITAIS?

Sim, as regras valem para clínicas e hospitais públicos e particulares.

Toda pessoa jurídica que presta serviços médicos deve ter um responsável técnico médico que responderá ao CRM em caso de violação às normas de publicidade.

O Manual de Publicidade Médica divulgado pelo CFM contém, inclusive, detalhamento de como o nome do responsável técnico deve ser citado nos diversos meios de comunicação, com inclusão de exemplos para melhor compreensão.

No caso de redes sociais, é vedada a divulgação do nome/logomarca da clínica/hospital sem o nome do responsável técnico abaixo ou ao lado, de forma legível.

As clínicas podem, por outro lado, apresentar seu corpo clínico, desde que façam referência apenas ao nome do profissional, seu registro no CRM e suas especialidades registradas no mesmo órgão. De igual forma, é permitido mencionar quais aparelhos a clínica dispõe, desde que não prometa resultados em razão desses aparelhos ou dê a entender que o aparelho dá algum tipo de capacidade privilegiada.

Para as clínicas de abrangência nacional, deve haver menção ao responsável técnico nacional se a publicidade atingir o Brasil como um todo, mas se for publicidade local deve haver menção ao responsável técnico vinculado ao CRM local. 

9 - POSSO DAR ENTREVISTAS PARA JORNAIS, REVISTAS OU PROGRAMAS TELEVISIVOS?

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Sim, desde que a entrevista seja de conteúdo informativo.

Sabemos que é essencial que sejam repassadas para a população informações sobre a área da saúde. O médico pode fazer esclarecimento, por exemplo, de como funciona uma determinada doença no nosso organismo, mas não pode utilizar dessa entrevista para se autopromover.

É vedado, portanto, que o profissional utilize termos como “eu sou muito bom nessa técnica” ou “a minha clínica é excelente nesse tratamento”, bem como não é possível depreciar outras técnicas reconhecidas dizendo que estão ultrapassadas ou não dão bom resultado.

De igual forma, é vedada a divulgação de endereço e telefone do local de atuação do médico.

10 - QUAIS OS RISCOS DE UMA PUBLICIDADE IRREGULAR?

O Código de Defesa do Consumidor, aplicado à relação médico-paciente, proíbe as propagandas abusivas e enganosas[13][13]. A enganosa é a publicidade parcial/inteiramente falsa ou a que, de qualquer modo, mesmo que por omissão, induz o consumidor a erro sobre o serviço. A abusiva é a que é discriminatória, incita medo, superstição, se aproveita das crianças, desrespeita valores ambientais ou que induz o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou segurança.

O CDC classifica como crime a prática desses tipos de propaganda[14][14], podendo o médico, portanto, responder por processo criminal, bem como multas administrativas e até mesmo responsabilidade civil por danos morais se induzir o seu paciente à erro, prometendo um certo resultado.

Na esfera ética, por sua vez, o profissional que não segue as regras estabelecidas pelo Conselho Federal de Medicina e pelo seu Conselho Regional pode responder à processo ético profissional, que tem como possíveis penas[15][15]: advertência confidencial, censura confidencial, censura pública, suspensão do exercício profissional e cassação.

Em resumo, é importante que o médico, antes de qualquer publicidade, indague se está atingindo seu público de maneira ética, verdadeira, transparente e sem expor o paciente. O tratamento da medicina como comércio é vedado pelo ordenamento jurídico, razão pela qual se impõe a edição de regras diferenciadas de publicidade para esses profissionais.

Obviamente que as regras limitam o profissional e, por vezes, geram descontentamento. Em razão dessas objeções da classe, o CFM está planejando atualização das suas Resoluções atuais, e, inclusive, abriu consulta pública para que os médicos pudessem dar suas opiniões sobre o tema e propor mudanças. Lembramos, entretanto, que as Resoluções do CFM não têm força normativa para alterar as Leis editadas sobre o assunto.

Esperamos que as atualizações venham logo e que a classe médica continue atuando com ética e diligência na informação sobre seus serviços. Também almejamos que os pacientes reconheçam que a qualidade do trabalho de um profissional não é medida pela sua propaganda, valorizando os médicos que seguem a legislação, que atuam com ética e que primam pela saúde do paciente em primeiro lugar.

Autoras: Ana Beatriz Nieto Martins (OAB/SP 356.287) e Erika Evangelista Dantas (OAB/SP 434.502), sócias do escritório de advocacia Dantas & Martins Advogadas Associadas, especializado em Direito da Saúde (www.dantasemartins.com.br; Instagram: @adv.dantasemartins).


[1] Capítulo I do Código de Ética Médica.

[2] Disponível no link: https://portal.cfm.org.br/publicidademedica/pubpropaganda.html

[3] Resolução 2.126/2015 do CFM.

[4] Art. 9º, §1º, Resolução 1.974/2011 do CFM:

“Entende-se por autopromoção a utilização de entrevistas, informações ao público e publicações de artigos com forma ou intenção de:

a) Angariar clientela;

b) Fazer concorrência desleal;

c) Pleitear exclusividade de métodos diagnósticos e terapêuticos;

d) Auferir lucros de qualquer espécie;

e) Permitir a divulgação de endereço e telefone de consultório, clínica ou serviço.”

[5] Art. 9º, §2º, Resolução 1.974/2011 do CFM:

“Entende-se por sensacionalismo:

a) A divulgação publicitária, mesmo de procedimentos consagrados, feita de maneira exagerada e fugindo de conceitos técnicos, para individualizar e priorizar sua atuação ou a instituição onde atua ou tem interesse pessoal;

b) Utilização da mídia, pelo médico, para divulgar métodos e meios que não tenham reconhecimento científico;

c) A adulteração de dados estatísticos visando beneficiar-se individualmente ou à instituição que representa, integra ou o financia;

d) A apresentação, em público, de técnicas e métodos científicos que devem limitar-se ao ambiente médico;

e) A veiculação pública de informações que possam causar intranquilidade, pânico ou medo à sociedade;

f) Usar de forma abusiva, enganosa ou sedutora representações visuais e informações que possam induzir a promessas de resultados.”

[6] Um exemplo de selfie proibida seria o caso de foto com famosos para autopromoção do médico.

[7] Art. 3º, §3º da Resolução 2.126/2015 e art. 3º, alínea g) da Resolução 1.974/2011 do CFM.

[8] Art. 10 da Resolução 1.974/2011.

[9] Art. 1º, inc. VII, do Decreto-Lei 4.113/42 e Art. 3º, §4º da Resolução 2.126/2015.

[10] Item 6., XIV, do Anexo I da Resolução 1.974/2011.

[11] Item 6, IV, do Anexo I da Resolução 1.974/2011.

[12] Ressalta-se que podem ser anunciada no máximo duas especialidades pelo médico, conforme determina o Decreto-Lei 4.113/42, artigo 1º, inciso III.

[13] Art. 37 do Código de Defesa do Consumidor.

[14] Arts. 66 e seguintes do CDC.

[15] Art. 22 da Lei 3.268/1957

Sobre as autoras
Ana Beatriz Nieto Martins

Advogada (OAB/SP 356.287), sócia no escritório Dantas & Martins Advogadas Associadas, voltado o atendimento de profissionais da saúde, realizando diagnóstico de riscos jurídicos e elaborando condutas preventivas que permitam uma atuação segura e tranquila.

Erika Evangelista Dantas

Advogada (OAB/SP 434.502), sócia do escritório de advocacia Dantas & Martins Advogadas Associadas, especializado em direito da saúde.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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