A aplicação do princípio da insignificância aos crimes ambientais

21/03/2020 às 18:00
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O bem jurídico tutelado pela Lei nº. 9.605/98 (Lei de Crimes Ambientais) é o meio ambiente em sentido amplo e genérico, contudo, pondera-se acerca da possibilidade de aplicação do princípio da insignificância a tais tipos penais.

A Lei Federal nº. 9.605/98 tipifica as condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, definindo crime ambiental como todo e qualquer dano ou prejuízo ocasionado a algum dos elementos integradores que compõem o ambiente: fauna, flora, recursos naturais e patrimônio cultural.

 

O bem jurídico tutelado pela Lei nº. 9.605/98 é o meio ambiente em sentido amplo e genérico, vez esse é bem jurídico difuso.

 

Contudo, pondera-se acerca da possibilidade de aplicação do princípio da insignificância a tais tipos penais, pois ainda que a tutela jurídica resguardada pela Lei dos Crimes Ambientais seja ampla e genérica, a ofensa praticada pelo individuo pode não representar lesividade suficiente a romper a tipicidade material, e portanto podendo tornar o fato atípico, dado que,  a conduta pode não representar uma mínima  ofensividade ao direito penal, visto que a lesão produzida naquele bem jurídico(fauna, flora, etc...) é insignificante do ponto de vista de material pelo fato de não prejudicar a manutenção do equilíbrio ecológico.

 

A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que é aplicável o princípio da insignificância aos crimes ambientais, desde que presentes os pressupostos que o mesmo exige, que segundo jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, são, a mínima ofensividade da conduta do agente, nenhuma periculosidade social da ação, o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e a inexpressividade da lesão jurídica provocada.

 

Neste sentido, trago a jurisprudência:

 

HABEAS CORPUS. AÇÃO PENAL. CRIME AMBIENTAL. ART. 34 DA LEI N. 9.605/98. AUSÊNCIA DE DANO AO MEIO AMBIENTE. CONDUTA DE MÍNIMA OFENSIVIDADE PARA O DIREITO PENAL. ATIPICIDADE MATERIAL. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. APLICAÇÃO. TRANCAMENTO. ORDEM CONCEDIDA. 1. Segundo a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, o princípio da insignificância tem como vetores a mínima ofensividade da conduta do agente, a nenhuma periculosidade social da ação, o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e a inexpressividade da lesão jurídica provocada. 2. Hipótese em que, com os acusados do crime de pesca em local interditado pelo órgão competente, não foi apreendido qualquer espécie de pescado, não havendo notícia de dano provocado ao meio-ambiente, mostrando-se desproporcional a imposição de sanção penal no caso, pois o resultado jurídico, ou seja, a lesão produzida, mostra-se absolutamente irrelevante. 3. Embora a conduta dos pacientes se amolde à tipicidade formal e subjetiva, ausente no caso a tipicidade material, que consiste na relevância penal da conduta e do resultado típicos em face da significância da lesão produzida no bem jurídico tutelado pelo Estado. 4. Ordem concedida para, aplicando-se o princípio da insignificância, trancar a Ação Penal n. 2009.72.00.002143-8, movida em desfavor dos pacientes perante a Vara Federal Ambiental de Florianópolis/SC.(STJ - HC: 143208 SC 2009/0144855-4, Relator: Ministro JORGE MUSSI, Data de Julgamento: 25/05/2010, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 14/06/2010)

 

EMENTA: AÇÃO PENAL. Crime ambiental. Pescador flagrado com doze camarões e rede de pesca, em desacordo com a Portaria 84/02, do IBAMA. Art. 34, parágrafo único, II, da Lei nº 9.605/98. Rei furtivae de valor insignificante. Periculosidade não considerável do agente. Crime de bagatela. Caracterização. Aplicação do princípio da insignificância. Atipicidade reconhecida. Absolvição decretada. HC concedido para esse fim. Voto vencido. Verificada a objetiva insignificância jurídica do ato tido por delituoso, à luz das suas circunstâncias, deve o réu, em recurso ou habeas corpus, ser absolvido por atipicidade do comportamento.(HC 112563, Relator(a):  Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Relator(a) p/ Acórdão:  Min. CEZAR PELUSO, Segunda Turma, julgado em 21/08/2012, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-241 DIVULG 07-12-2012 PUBLIC 10-12-2012)

 

Em linhas gerais é inequívoca a aplicação do princípio da insignificância aos crimes ambientais, devendo se ponderar caso a caso, qual fora a proporção da ofensividade da conduta, assim como se a lesão jurídica é inexpressiva.

 

Apenas a título de exemplo, cita-se o fictício caso do pescador, que ciente do período do defeso, adentra em lagoa ou rio com intuito de pescar e acaba sendo detido após ter pego 2 (dois) espécimes de peixe cuja pesca estava proibida naquele período.

 

É nítido que a conduta daquele pescador, citado no exemplo acima, é formalmente típica, já que incorre nas vias do art. 34 da Lei Federal nº. 9.605/98 (Crimes Ambientais), contudo, ante a inexpressividade da lesão ao bem jurídico meio ambiente, o fato se torna materialmente atípico, visto que a manutenção do ecossistema por obvio não fica prejudicada pela ação do pescador.

 

O próprio Superior Tribunal de Justiça já reconheceu a atipicidade da conduta em virtude do princípio da insignificância em caso que envolvia a pesca de apenas um quilo de peixe:

 

[…] CRIME AMBIENTAL. PESCA MEDIANTE PETRECHOS NÃO PERMITIDOS. MÍNIMA OFENSIVIDADE AO BEM JURÍDICO TUTELADO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. ATIPICIDADE MATERIAL DA CONDUTA. […] 2. Aplica-se o princípio da insignificância, reconhecendo a atipicidade material da conduta, consubstanciada em pescar mediante a utilização de petrechos não permitidos, se foi apreendida a ínfima quantidade de um quilo de peixe, o que denota ausência de ofensividade ao bem jurídico tutelado. 3. Flagrante ilegalidade reconhecida. […] (STJ, Sexta Turma, HC 178.208/SP, Rel. Ministra Maria Thereza De Assis Moura, julgado em 20/06/2013)

 

Por outro lado, em entendimento recente, a 4ª turma do Tribunal Regional Federal, da 1ª Região em julgamento ao recurso em sentido estrito nº.0000763-53.2017.4.01.3908/PA, entendeu não ser aplicável o princípio da insignificância no caso de dano ambiental recorrente, argumentando em suma que a insignificância não deve ser aplicada quando há a repetição da conduta criminosa, o que já seria inclusive sedimentado pela jurisprudência tanto do STF quanto do STJ.

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Por tudo quanto posto, embora seja inegável que a própria Constituição garante a todos o direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado (art. 225, CRFB/1988), a ocorrência de crime ambiental que se quer venha ofender/lesionar efetivamente o bem jurídico tutelado autoriza a aplicação do princípio da insignificância, já que a própria fragmentariedade do direito penal não  aconselha   a utilização da maquina estatal para o fim de se punir fatos ínfimos.

Sobre o autor
Lucas Menegussi Medeiros

Advogado OAB/ES 32.271, Pós-graduando em ciências criminais.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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