A sucumbência dos honorários

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Antes mesmo do atual Código de Processo Civil, a lei era clara em determinar, na maior parte dos litígios, honorários advocatícios sucumbenciais de, no mínimo, dez por cento sobre o valor da condenação final.  Dez por cento o teto mínimo; vinte por cento, o teto máximo. Assim se aplicava a regra para o autor que vencia litígios. O novo Código de Processo Civil a reafirmou. E em parte a corrigiu.

Quando o réu vencia, o juiz não estava tão preso assim a critérios de ordem percentual. Arbitrava os honorários com certa liberdade. Ou equidade — sempre ela. As complicações vinham exatamente disso, e junto a desvalorização nada rara do advogado do réu.

A correção se fez, e hoje não mais importa: aos patronos do vencedor, independente de quem representem, os honorários se fixarão necessariamente entre dez e vinte por cento do valor da condenação (quase sempre o valor da causa, devidamente atualizado).

Nada disso é novidade. Sabemos. No entanto, por mais que nisso o novo código seja dotado de uma extraordinária, de uma radiante clareza, os juízes, muitas vezes instigados  — vejam só — por advogados, continuam a fixá-los em valor inferior ao mínimo legal, por mais que, salvo raríssimas situações, sua atuação se veja restrita, comprimida e preordenado pelas talas objetivas da lei. Todo o resto é história, escusa e pretexto para descumpri-la.

O Superior Tribunal de Justiça não diz coisa diversa. A jurisprudência é unânime em aplicar, do ponto de vista mais objetivo possível, a regra do art. 85, § 2º do CPC, fixando entre 10% e 20% sobre o valor da condenação, do proveito econômico obtido ou sobre o valor atualizado da causa. Nem por isso a verba de sucumbência perde a harmonia com a razoabilidade e a proporcionalidade:

Os julgados, em geral, seguem a orientação deste acima. Os honorários devem ser deferidos conforme preconiza o CPC. Ponto. A fixação fora da objetividade desses parâmetros cabe em casos de excepcionalidade singular, previstos no próprio § 8ª do mesmo art. 85, em razão dos quais o magistrado poderá enfim deixar de lado a regra e fazer uso da exceção.

Insta notar que nelas o arbitramento serve para beneficiar o advogado; jamais para prejudicá-lo. O objetivo é manter viva a dignidade da advocacia, função essencial para a Justiça, tal como aponta a Constituição Federal.

Assim, em causas alheias ao § 8º, o magistrado está vinculado ao percentual estabelecido em lei, no caput e nos parágrafos precedentes. Certo. Mas, fora elas, haveria alguma outra exceção?

A resposta pede cuidado. Mas, sim. Quando a condenação ou o proveito se revelar aquilo que se convencionou chamar de exorbitante. A exorbitância porém não está imediata e necessariamente ligada a honorários gordos e robustos, apenas por sê-los.

Se o advogado atua em um caso milionário, nada há de errado em entregar-lhe também honorários milionários, até porque dotada deste belo e esverdeado adjetivo também é a responsabilidade que assume pela causa e, muito provavelmente, o nome profissional que a enlaça, até para o conforto do cliente. Porque ninguém sai entregando casos complexos, de valor elevado, nas mãos de qualquer um. É fato.

Advogados muitas vezes não recebem salário, décimo terceiro, benefícios, ajuda de custo. Nada. Pelo contrário, investem muito do que têm na profissão. Por isso os honorários, sejam os contratados com os clientes, sejam os arbitrados por sucumbência, são para ele imprescindíveis.

Quando um advogado recebe meio milhão de reais por um litígio, há na conta de sua vida todos os longos anos que lhe dedicou, que nele trabalhou, esperando pelo resultado com trêmula ansiedade. Com a divisão do valor pelos meses trabalhados, quase sempre o espanto se dissipará, e então em diversas ocasiões, menos aturdidos pelos cifrões da véspera, seremos levados a dizer: — até que não foi muito.

Nos casos em que haja uma exorbitância real, viva e estrondosa será preciso levar em conta o contexto próprio a cada qual. Naqueles em que se puder enxergá-la bem, o magistrado deverá ater-se aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, evitando confusão e respeitando a dignidade da advocacia. De modo que garanta até mesmo, à parte os exageros, a justiça de um enriquecimento real.

Já o dissemos: essa condição não se confunde com o elevado, o substancioso, o enriquecedor. Exorbitante é aquilo que ultrapassa todos os limites, que reside na estratosfera; que grita, brada e se esperneia contra tudo o que entendemos por razoável. Alguns milhões não são necessariamente exorbitantes. Tudo vai depender do caso concreto.

Um detalhe é de se lembrar: a natureza alimentar dos honorários sucumbenciais.

Essa lembrança se deve ao tratamento que o próprio Supremo Tribunal Federal lhe deu. Em edição da Súmula Vinculante 47, a Corte Suprema equiparou honorários sucumbenciais a verbas de natureza alimentar:

Se eles então possuem status de verba salarial, estão consequentemente protegidos pela Constituição Federal, no art. 7º, VI, que prevê a irredutibilidade salarial.

No momento em que o magistrado reduz os honorários a quantias ínfimas, certo de que a lide não se enquadra nas exceções previstas pelo CPC, além de agir ilegalmente, atenta contra a própria Constituição, atacando direito fundamental já considerado cláusula pétrea (art.60, §4º da CF):

A irredutibilidade também está prevista no artigo 468 da CLT, e pode servir de argumento a mais ao que aqui se defende.

Se compararmos o contrato de honorários advocatícios ao de qualquer outro trabalho, fica mais fácil notar a perversidade da minoração. Sim, perversidade. Perdão, leitor, por palavra tão dura; não nos é possível porém enxergar de outra modo.

Diante de todos esse apontamentos, eis que chegamos ao entendimento jurisprudencial da Corte Superior do Tribunal de Justiça, segundo o qual os honorários advocatícios são exceção à impenhorabilidade do salário prevista no art. 833, §2° do Código de Processo Civil, justamente por se tratar de uma prestação alimentícia, não importando se se trata de verba contratual ou de sucumbência. Ambas as verbas servem para o sustento do advogado.

AgRg no AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 201.290 - MG (2012/0146042-4)

Assim, acrescenta-se mais uma razão para valorizar os honorários: equiparados à verba de natureza salarial, estão constitucionalmente protegidos pela impenhorabilidade.

Quando é procurado pelo cliente, o advogado analisa o caso, faz a estimativa de tempo, imagina a complexidade, prevê possibilidade de êxito, reunindo na sua cabeça fatores imprescindíveis para aceitar o encargo, dentre os quais a sucumbência, parte integrante da remuneração. E muitos advogados há que trabalham justamente pelo êxito.

Há certa função social no entorno do assunto, que nos faz voltar a atenção para a necessidade prática da justeza honorária; com os olhos diante das expectativas sucumbenciais, motivado pelo futuro, o advogado cobrará menos do representado, reduzindo custos ao cliente que, levado ao litígio por vezes sem o desejar, arcará com um valor menor para resolvê-lo.

Então, estimando quanto receberá de “salário”, na eventualidade do sucesso de sua tese, não poderá o advogado, no paroxismo da causa, ser deixado ao arbítrio puro do magistrado. O juiz não pode mudar a regra do jogo como quiser. A regra é determinada pelas leis (CPC, CLT) e protegida pela Constituição. Mesmo diante da aparente exorbitância de certas fixações, fundamentação que demanda do juiz parcimônia e está adstrita a situações de desconcertante raridade, como se ele descobrisse, na concretude daquele fato, um exemplar inédito da fauna jurídica, a joia bruta da rotina judicante.

Por comparação a princípio grosseira, mas dotada lá de seus méritos ilustrativos, seria como se sentar à mesa, contratar alguém por um valor, e ao fim do serviço, prestes a se pagar e a se receber, um terceiro entrasse na sala mandando cancelar o combinado. Simplesmente, não dá.

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Há ainda uma função secundária dos honorários sucumbenciais: motivar ao acordo a parte receosa da derrota. Embora não seja sua função precípua, a sucumbência pode ser tida por um facilitador de acordos; ao vencido, um ônus a ser pesado, medido, considerado, quando na análise da disputa que perderá, sem prolongamentos desnecessários.

Para a distribuição do processo as custas se calculam pela mesma regra da sucumbência. De modo que, como não se admite o recolhimento de custas inferior à determinação legal, não se deve fixar honorários abaixo do que manda a lei.

Ao diminuir os honorários sem reta razão, o juiz fere diretamente a lei processual e a constituição, e indiretamente outras fontes legais, como a CLT, além de princípios como os da legalidade, razoabilidade, proporcionalidade, isonomia.

Em ações indenizatórias, a desobediência ao critério legal mínimo é de uma incompreensão absurda. O Código Civil, em seus artigos 186, 187 e 927, estabelece as balizas para a reparação do dano. Assim, o integrante da relação processual sabe perfeitamente dos riscos que corre, não podendo, pois, ser beneficiado com interpretações adornadas pela mais infundada novidade.

 Veja o leitor o julgamento a seguir:

Não aplicar a lei é revogá-la. Não há equidade, equiparação ou simetria que o justifique. Segundo o ordenamento jurídico, só cabe essa interpretação quando não existir um critério próprio. Só que aqui há, e muito sonoro, e muito nítido; ao contrariá-lo, o magistrado rompe o princípio fundamental supraconstitucional do Judge does not makes law.

Em ações indenizatórias interessa lembrar que a fixação correta da sucumbência, no patamar mínimo legal de 10% da condenação, integra o conceito de reparação civil ampla e integral, previsto no art. 944 do Código Civil, essencialmente equiparável a garantia constitucional fundamental.

Por isso, não menos que lamentável é a postura de colegas que, em nome de clientes (dizem), pedem redução dos honorários de sucumbência e contentam-se em deixá-los em valores francamente ridículos. Isso não é defender cliente. Em muitos casos, tudo bem, o que se deseja é só atrapalhar, impessoal e despreocupadamente, a vida daquele que o venceu. Mas não raro surgem, em detrimento dos honorários alheios, pedidos de deformação da lei cuja única motivação é — o ressentimento.

Guiados por paixões inadequadas para a disputa jurídica, tais figuras vivem de escamotear o sentido claro do texto. E de aplaudir, vigorosos, os trocados sucumbenciais deixados a quem os derrotou.

Da mesma forma, não cabem aquelas manifestações pouco inteligentes e injustas, que todos já ouvimos alguma vez, contra os vencimentos dos magistrados. Alega-se interesse público e excessiva onerosidade para o povo. Esquecem-se, porém, que poucas atividades são tão importantes, elevadas e complexas como a de judicar. Indignar-se com vencimentos de juízes é tão inadequado quanto admitir sua intromissão nos honorários de sucumbência. São advogados conspirando contra advogados. Profissionais buscando a ruína da profissão.

Sobre os autores
Paulo Henrique Cremoneze

Sócio fundador de Machado, Cremoneze, Lima e Gotas – Advogados Associados, mestre em Direito Internacional pela Universidade Católica de Santos, especialista em Direito do Seguro e em Contratos e Danos pela Universidade de Salamanca (Espanha), acadêmico da ANSP – Academia Nacional de Seguros e Previdência, autor de livros jurídicos, membro efetivo do IASP – Instituto dos Advogados de São Paulo e da AIDA – Associação Internacional de Direito do Seguro, diretor jurídico do CIST – Clube Internacional de Seguro de Transporte, membro da “Ius Civile Salmanticense” (Espanha e América Latina), associado (conselheiro) da Sociedade Visconde de São Leopoldo (entidade mantenedora da Universidade Católica de Santos), patrono do Tribunal Eclesiástico da Diocese de Santos, laureado pela OAB Santos pelo exercício ético e exemplar da advocacia, professor convidado da ENS – Escola Nacional de Seguros e colunista do Caderno Porto & Mar do Jornal A Tribuna (de Santos).

Leonardo Reis Quintanilha

Aluno da Faculdade de Direito da Universidade Católica de Santos, estagiário inscrito na OAB-Santos e vinculado ao escritório Machado, Cremoneze, Lima e Gotas - Advogado Associado.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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