Período de isolamento social e o direito de covnivência familiar

24/03/2020 às 17:43
Leia nesta página:

A pandemia alterou a forma de exercer o direito de convivência. Ele pode ser suspenso se não preservar o melhor interesse da criança.

No primeiro dia em vigor da medida preventiva para a contenção do COVID-19 que suspendeu as aulas das redes pública e privada, recebi um questionamento de uma antiga cliente. De forma muito prudente, ela explicava que a criança estava em casa, que o pai queria buscá-la para passar um período consigo, mas que a filha é asmática e o ex-cônjuge estava se recuperando de uma gripe. O que poderia ser feito em uma situação tão inusitada?

Em um primeiro momento, lhe respondi que este “é um momento sem precedentes. A criança não está em período de férias. O que deve prevalecer é o bom senso”.

O direito ao período de convivência familiar está previsto no art. 1.589 do Código Civil, que preconiza que “o pai ou a mãe, em cuja guarda não estejam os filhos, poderá visitá-los e tê-los em sua companhia, segundo o que acordar com o outro cônjuge, ou for fixado pelo juiz, bem como fiscalizar sua manutenção e educação”.

Ocorre que o art. 227 da Constituição Federal instituiu o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente quando regulamenta ser “dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”.

Por uma questão que excede a hierarquia das normas, deve prevalecer o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente. Assim, o direito de convivência pode ser suspenso quando não houver formato e opção viáveis para manutenção do bem estar da criança.

No estado de São Paulo, caso semelhante precisou ser judicializado para que fosse solucionado. No processo 1014033-60.2018.8.26.0482, de Presidente Prudente, o magistrado Eduardo Gesse suspendeu pelo período inicial de quatorze dias o que ele chama de “direito-dever de visitas”, sob o seguinte argumento:

[...] em razão da pandemia mundial decorrente da propagação do Coronavirus é realmente recomendável, por força da profissão exercida pelo requerido, por algum tempo, deixe de manter contatos com seus filhos. É algo que no momento e infelizmente o bom senso nos impõe. Não sendo assim, involuntariamente seus filhos correrão maior risco de contaminação, o que há de ser evitado.  

O caso em questão é atípico, o genitor, piloto de avião, “em razão de sua profissão mantém contatos com incontável número de pessoas em países e em condições climáticas e sociais das mais diversas e variadas” (extraído da decisão judicial).

Assim, colocaria em risco de exposição ao vírus pandêmico não somente a si, como sua filha, e posteriormente a mãe da criança e outros com quem tivessem contato.

Todavia, questiona-se como resolver os casos corriqueiros, onde ambos os genitores vivem na mesma cidade, estão reclusos em suas residências, tomando os devidos cuidados e poderiam alternar períodos com a criança.

Reitera-se, não há precedentes e este é um momento para demonstrar todo o cuidado com a criança. Caso exista a possibilidade de ser assegurada a saúde de todos, pode-se utilizar, por analogia, o convencionado ao período de férias, dada a importância do período de convivência.

“O direito de convivência não é assegurado somente ao pai ou à mãe, é direito do próprio filho de com eles conviver, o que reforça os vínculos paternos e materno-filial” (DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias – São Paulo: RT, 2013, p. 459).

Os olhares devem estar voltados à criança, o bom senso deve prevalecer em tais situações e, os meios eletrônicos de contato podem ser aliados para que os familiares continuem presentes no dia-a-dia.

 

Ana Carolina Zanini. Advogada. Mediadora. Especialista em Direito das Famílias e Sucessões. Especialista em Direito Processual Civil. Presidente da Comissão de Mediação e Práticas Colaborativas do IBDFAM/SC. Membro Comissão de Mediação e Conciliação da OAB/SC. Membro do IBDFAM. Mediadora credenciada pelo TJSC e TJSP. Mediadora cadastrada junto ao Conselho Nacional de Justiça – CNJ.

Sobre a autora
Ana Carolina Zanini

Sócia fundadora do escritório Zanini Advogados Associados. Formada pelo Complexo de Ensino Superior de Santa Catarina (CESUSC) no ano de 2014. Especialista em Direito de Família e das Sucessões. Especialista em Direito Processual Civil. Membro da Comissão de Direito de Família da Ordem dos Advogados do Brasil - Seccional Santa Catarina. Associada ao Instituto Brasileiro de Direito de Família. E-mail: [email protected] - Telefone: (48) 99936-1030.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos