DEFCON 1 – O pronunciamento do Presidente

25/03/2020 às 00:12
Leia nesta página:

Analisa o pronunciamento do Presidente da República sobre a volta a normalidade do país, apesar dos cuidados necessários com o coronavírus

Um dos sistemas de alerta para um possível conflito envolvendo o uso de artefatos bélicos nucleares, desenvolvido pelo Governo Norte-Americano durante o Período da Guerra Fria, ficou conhecido pela sigla DEFCON (Defense Condition). Que comportava cinco graus de risco de eclosão de uma guerra nuclear.

 

Sendo o DEFCON 5 o estado de alerta mais brando, e o DEFCON 1 o estado de alerta máximo, assim considerado como a iminência de um ataque com o emprego de ogivas nucleares.

 

Após o pronunciamento feito pelo Presidente da República na noite de 24 de março de 2020, não tenhamos dúvidas. Estamos, analogicamente, em alerta máximo (DEFCON 1).

 

Para contextualizar esta assertiva, abaixo é transcrito parte deste pronunciamento que, na essência, defendeu que o país volte a normalidade, não sendo mais possível permanecer em estado de paralisação por causa do denominado novo agente do coronavírus (COVID-19):

 

“...O vírus chegou, está sendo enfrentado por nós e brevemente passará. Nossa vida tem que continuar. Os empregos devem ser mantidos. O sustento das famílias deve ser preservado. Devemos, sim, voltar à normalidade.

 

Algumas poucas autoridades estaduais e municipais devem abandonar o conceito de terra arrasada, a proibição de transportes, o fechamento de comércios e o confinamento em massa.

 

O que se passa no mundo tem mostrado que o grupo de risco é o das pessoas acima dos 60 anos. Por que fechar escolas? Raros são os casos fatais de pessoas sãs com menos de 40 anos de idade. Noventa por cento de nós não teremos qualquer manifestação caso se contamine.

 

Devemos sim é ter extrema preocupação em não transmitir o vírus para os outros, em especial aos nosso queridos pais e avós, respeitando as orientações do Ministério da Saúde...” (Fonte: https://g1.globo.com/politica/noticia/2020/03/24/bolsonaro-pede-na-tv-volta-a-normalidade-e-fim-do-confinamento-em-massa.ghtml; acesso em 24 mar 2020)

 

 

Apesar deste pronunciamento ter sido feito de forma inesperada, demasiadamente fria e, talvez, com um tom acima do adequado, o fato é que a realidade que traz em si é avassaladora. E, respeitando entendimentos em contrário, inquestionável. Cuja orientação também vem sendo sinalizada (mas ainda não adotada) pelo Presidente dos Estados Unidos da América Donald Trump.

Dado que este agente viral, ao que consta, apresenta gravidade no que se refere a reduzido grupo de risco (na sua maioria decorrente de idade avançada, ou de condições de saúde debilitadas), e que os índices de fatalidade giram entre 1% a 5% (dependendo do país, do sistema de saúde existente... e da estatística utilizada), paralisar pelo menos metade da população do planeta (ao que consta, pelo menos cerca de três bilhões de pessoas estão em estados variados de quarentena, e de restrições de circulações... até este momento), parece não ser razoável, nesse contexto.

 

Considerando que, pelo que dizem os especialistas, o vírus da família do coronavírus já circulam entre a humanidade há muito tempo. Não se podendo simplesmente eliminar este vírus, mas sim criar barreiras imunológicas pelos próprios organismos dos infectados. E criar tratamentos e eventuais vacinas para facilitar este controle, a medida que variações deste vírus vão se manifestando.

 

A paralisação das atividades econômicas, e o confinamento prolongado das pessoas sem prazo certo para encerrar, pode gerar um efeito colateral que, em muitos casos, podem ser irreversíveis, ou podem levar anos (ou décadas) para serem recuperados. Lançando a economia mundial em forte recessão. E com todos os efeitos nefastos sociais decorrentes desta derrocada econômica.

 

De acordo com a Constituição Federal, o Sistema Único de Saúde (SUS) se funda no princípio da UNIVERSALIDADE. Ou seja, deve estar disponível para todos, não se podendo canalizar praticamente todas as forças deste sistema para setores específicos. E que, na realidade, representariam, até este momento, ao que consta, grupo reduzido que no grau de maior gravidade representaria (até este momento) não mais que 5% dos pacientes que inspiram cuidados maiores, dada a gravidade dos seus estados clínicos decorrentes de fatores etários ou de condições médicas prévias (CF, Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao ACESSO UNIVERSAL e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.).

 

Mesmo que o Presidente da República não tenha editado, até este momento, nenhum provimento normativo determinando o término de quarentas e de confinamentos, o fato é que será alvo da fuzilaria pesada dos opositores.

 

Não se descartando a possibilidade de que se pretenda buscar mecanismos não previstos na Constituição Federal, para seu afastamento do cargo presidencial. Como seria, por exemplo, eventual ordem judicial determinando seu afastamento incontinente.

 

Em tempos de normalidade, nem se cogitaria de uma eventual possibilidade jurídica desta sorte, dado que uma tal hipótese não consta do rol de situações que autorizam o afastamento da presidência. Que só são previstas em duas únicas conjunturas, conforme art. 86 da Constituição Federal, abaixo transcrito:

 

Art. 86. Admitida a acusação contra o Presidente da República, por dois terços da Câmara dos Deputados, será ele submetido a julgamento perante o Supremo Tribunal Federal, nas infrações penais comuns, ou perante o Senado Federal, nos crimes de responsabilidade.

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§ 1º O Presidente ficará suspenso de suas funções:

I - nas infrações penais comuns, se recebida a denúncia ou queixa-crime pelo Supremo Tribunal Federal;

II - nos crimes de responsabilidade, após a instauração do processo pelo Senado Federal.

 

 

Mas nos dias de hoje, com nosso Poder Judiciário constantemente inovando na ordem jurídica, e avançando para o campo legislativo (que constitucionalmente lhe é vedado, em razão da separação de funções / poderes CF, art. 2°), e expedindo decisões muitas vezes em descompasso com as normas legais vigentes, aliado ao fato dos opositores estarem dispostos a utilizarem qualquer pretexto para assumirem (ou voltarem) ao posto presidencial, tudo, infelizmente, deve ser considerado como possível.

 

Quem ninguém se engane, estamos em DEFCON 1, na iminência da prática de atos de proporções atômicas contra o atual Presidente da República.

Sobre o autor
Sérgio de Oliveira Netto

Procurador Federal. Mestre em Direito Internacional (Master of Law), com concentração na área de Direitos Humanos, pela American University – Washington College of Law. Especialista em Direito Civil e Processo Civil. Professor do Curso de Direito da Universidade da Região de Joinville - UNIVILLE (SC).

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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