ESTADO DE SÍTIO E COVID-19
Rogério Tadeu Romano
Observo da leitura da Folha, em seu site, no dia 20 de março do corrente ano:
“O presidente Jair Bolsonaro afirmou nesta sexta-feira (20) que ainda não está no radar do governo federal a decretação do estado de sítio por causa da pandemia do coronavírus.
Em entrevista à imprensa, ele disse que a iniciativa seria uma medida extrema e que não considera que ela seja necessária neste momento.
No estado de sítio, que precisa ser aprovado pelo Poder Legislativo, são suspensas garantias constitucionais, como sigilo de comunicações, liberdade de imprensa e liberdade de reunião.
O presidente Jair Bolsonaro durante reunião nesta sexta-feira (20) disse:
"Ainda não está no nosso radar isso, não. Até porque isso, para decretar, é relativamente fácil de fazer uma medida legislativa para o Congresso Nacional. Mas seria o extremo isso. E acredito que não seja necessário", afirmou.
O presidente observou que a iniciativa teria "dificuldade de implementar" e que poderia criar um cenário de pânico na população, em vez de acalmar a sociedade.
"Nós queremos sinalizar a verdade para a população. Acho que isso, por enquanto, está descartado até estudar essa circunstância", afirmou.
O Senado aprovou nesta sexta-feira a decretação do estado de calamidade pública, que havia sido solicitado pelo presidente.
No caso da União, o mecanismo dispensa o governo federal de obedecer o limite de déficit (diferença entre receita e despesa) previsto em lei para este ano, de R$ 124,1 bilhões.
Com isso, será possível manter ou até aumentar o nível de gastos, mesmo que haja queda nas receitas, como é esperado por conta da crise do coronavírus.”
Observe-se o que se lê na edição do Estadão, no dia 25 de março do corrente ano:
“A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) do “orçamento de guerra” com o objetivo de agilizar os recursos para o combate da crise do novo coronavírus, que foi entregue ontem às lideranças da Câmara, contém duas permissões hoje previstas apenas quando é decretado o estado de sítio.
Durante a vigência da emenda e exclusivamente por razões relacionadas à saúde pública, o Comitê de Gestão da Crise poderá determinar a requisição temporária de bens e serviços ou propor ao Congresso que decrete a obrigação de permanência de pessoas em localidade a ser determinada.
O Estado teve acesso à minuta da PEC e apurou que o artigo com as duas medidas foi incluído pelo grupo técnico que elaborou a proposta, a pedido de deputados, como uma espécie de “vacina” à possibilidade de o presidente Jair Bolsonaro usar no futuro, no caso de agravamento da crise, a calamidade como pretexto para decretar estado de sítio. Nessa situação, que precisa ser aprovada pelo Legislativo, são suspensas garantias constitucionais, como sigilo de comunicações, liberdade de imprensa e liberdade de reunião.”
Para os que buscam a solução para o país num Estado forte, baseado num Executivo forte, tão medida funciona como uma alucinação. Buscar-se-iam medidas de exceção, como, por exemplo, a censura à imprensa. Para os que buscam o autogolpe tal medida caberia como “uma sopa no mel’. Seria o caminho para instituir no Brasil uma ditadura. Seria um horror. O combate ao COVID-19 seria uma desculpa para tal. Seria uma fórmula macabra para “meter na cadeia” inconvenientes do sistema.
As causas do estado de sítio são as situações críticas que indicam a necessidade da instauração da correspondente legalidade de exceção(extraordinária) para fazer frente à anormalidade manifestada.
As causas dessa situação anômala à democracia estão previstas no artigo 137 da Constituição:
O Presidente da República pode, ouvidos o Conselho da República e o Conselho de Defesa Nacional, solicitar ao Congresso Nacional autorização para decretar o estado de sítio nos casos de:
I - comoção grave de repercussão nacional ou ocorrência de fatos que comprovem a ineficácia de medida tomada durante o estado de defesa;
II - declaração de estado de guerra ou resposta a agressão armada estrangeira.
A instauração do estado de sítio depende ainda do preenchimento de requisitos formais: a) a audiência do Conselho da República e do Conselho de Defesa Nacional; b) autorização por voto da maioria absoluta do Congresso Nacional para a sua decretação em atendimento à solicitação fundamentada do presidente da República; c) decreto do presidente da República.
Essa normatividade extraordinária e excepcional tem uma duração que não poderá ser superior a trinta dias, nem prorrogada de cada vez; as garantias constitucionais ficarão suspensas desde que autorizadas na forma do artigo 139 da Constituição Federal; devem ser editadas normas para reger à sua execução.
Além de todas essas ressalvas, cabe destacar que o chefe de Estado não gozará de total liberdade para tomar qualquer medida contra os cidadãos de seu país. Assim, apenas algumas ações poderão ser tomadas sobre os direitos individuais, tais como: obrigação de permanência em um dado local; detenção em edifícios não destinados a esse fim; restrições a direitos como inviolabilidade da correspondência e outros; suspensão da liberdade de reunião; direito de busca e apreensão, pelo Estado, em domicílios; intervenção de serviços públicos em empresas particulares e a requisição de bens individuais pelo Estado. Tudo isso está definido no Art.139 da CF, que permite, no entanto, medidas mais severas contra os cidadãos em casos de guerra.
Quando o estado de exceção chega ao fim, revogam-se também todos os seus efeitos. Nesse ínterim, o chefe de Estado possuirá ainda o dever de relatar, em mensagem ao Congresso Nacional, todas as medidas tomadas durante o estado de sítio, além de apresentar as justificativas, a relação dos nomes dos indivíduos atingidos e as respectivas restrições adotadas. Tudo isso é garantido em lei para assegurar que abusos de poder não sejam cometidos ou, se cometidos, sejam devidamente investigados e julgados.
Tal como no estado de defesa, o juízo de conveniência da instauração do estado de sítio cabe ao presidente da República quando ocorra um dos pressupostos de fundo que o justificam. Ele tem a faculdade de decretar, ou não, a medida, mas se o fizer terá que observar as normas constitucionais que a regem.
Há controles de ordem legislativo e jurisdicional.
O controle político realiza-se pelo Congresso Nacional em três momentos: a) um controle prévio, porque a decretação do estado de sítio depende de sua prévia autorização; b) um controle concomitante, porque, nos termos do artigo 140 da Constituição, a mesa do Congresso Nacional, ouvidos os líderes partidários, deverá designar Comissão composta de cinco de seus membros, para acompanhar e fiscalizar a execução das medidas referentes ao estado de sitio, como ocorre no estado de defesa; c) sucessivo, pois após cessado o estado de sítio, as medidas aplicadas em sua vigência serão relatadas pelo presidente da República em mensagem ao Congresso Nacional, com especificação e justificação das providências adotadas, com relação nominal dos atingidos e indicação das restrições aplicadas.
O controle jurisdicional, como ensinou José Afonso da Silva (obra citada, pág. 642), é amplo em relação aos limites de aplicação das restrições autorizadas. Se os executores ou agentes do estado de sítio cometerem abuso ou excesso durante a sua execução, seus atos ficam sujeitos à correção jurisdicional, quer por via de mandado de segurança, habeas corpus, habeas data ou outro meio e instrumento processual hábil.
A responsabilização se dará por meio do artigo 141 da Constituição Federal.