Saiba o que fazer quando receber uma intimação policial

26/03/2020 às 13:32
Leia nesta página:

Quais são as possíveis causas do recebimento de um intimação policial e como você deve agir? Esse artgio ajda você a ter uma panorama do que pode estar acontecendo e quais as suas consequências.

Não há nada que possa ser dito que tenha força suficiente para aliviar a tensão que normalmente envolve o recebimento de uma intimação policial, mesmo que você seja um advogado e tenha algum conhecimento de direito penal.

O campo penal traz consigo um peso inerente ao tipo de tema que enfrenta: crime. E não há como negar, pois ao pensarmos em delegacia não imaginamos um ambiente pacífico e tranquilo, pelo contrário, surge uma imagem do caos, da pressão e da possibilidade de restrição da liberdade.

Naturalmente associamos o risco de prisão e tememos, mesmo sem termos ideia do que está sendo investigado ou o motivo de nossa intimação. Ainda quando temos a certeza de que não praticamos nenhum crime a espinha congela.

Nesse pequeno post vou colocar algumas hipóteses de intimação policial, quais suas consequencias, quando ocorrem e orientações gerais sobre como agir.

Mas antes é importante fazer duas advertências: não há aqui a recomendação de adoção dessa ou daquela medida e, a mais relevante, sempre procure um advogado criminalista quando estiver diante de situações como a presente - e isso não é propaganda, é o reconhecimento da importância de ter um apoio especializado diante de hipóteses que normalmente envolvem a sua liberdade. 

Entenda as possíveis razões para a intimação policial

As investigações policiais, que são conduzidas no curso do inquérito policial, tem como finalidade o esclarecimento de fatos que tenham alguma repercurssão criminal. Em outras palavras, o objetivo é obter prova da ocorrência de um fato criminoso e indícios de quem sejam os seus autores.

Existem diversas formas de ser iniciada uma investigação criminal, especialmente em razão do tipo de crime que se pretende apurar. 

Em alguns casos, somente a vítima (ou seu representante legal) é quem pode requerer a investigação policial. Há ainda casos em que pessoas especiais podem agir, como aqueles em que compete ao Ministro da Justiça tomar medidas. São hipóteses em que os crimes a serem apurados são processados por meio de ações penais de iniciativa privada ou mediante representação e requisição.

Nos demais casos, ou seja, nos crimes em que a ação penal é de iniciativa pública incondicionada, qualquer pessoa pode solicitar o início de uma investigação, desde que traga elementos que indiquem a possível ocorrência de um crime. 

Em ambos os casos haverá a participação do Ministério Público, por intermédio do promotor (a) de justiça. Em resumo, a promotoria de justiça atua como fiscal da lei (ação privada), ou como destinatário do inquértio, quando é o "dono" da futura ação penal, tanto quando há necessidade da autorização da vítima (representação) ou nos crimes de ação penal pública incondicionada.

É importante ter em mente que, em tese, nenhuma investigação policial pode ser iniciada sem que hajam elementos que indiquem que há a prática de uma conduta criminosa. Condutas que não tenham repercussão na esfera criminal, ou seja, que não estejam descritas como crime no Código Penal ou outras leis penais, não podem servir de base para qualquer tipo de iniciativa policial, devendo eventual pedido de investigação ser prontamente negado.

A verdade é que não se pode usar a investigação para fazer uma devassa na vida de qualquer pessoa, seja com fins políticos, religiosos ou quaisquer outros.

Outro ponto importante de destacar é que o inquérito, via de regra, é sigiloso, o que significa que não é possível consultá-lo, acessá-lo. No entanto, essa regra não se aplica integralmente aos advogados, que para fazerem a defesa dos interesses do seu cliente tem o direito de acessar todo o inquérito e peças de informações.

Portanto, se você receber uma intimação policial, significa que a autoridade policial (o delegado de polícia) está conduzindo uma investigação e, de alguma forma, você está vinculado à ela. Isso, todavia, não significa que você esteja sendo acusado de praticar algum crime. Existem diversas outras razões para ser intimado e vamos abordar as principais delas abaixo: 

Intimação para esclarecimento e contribuição

Você não é o foco da investigação, ou seja, nesse primeiro momento todo o trabalho da polícia para elucidar os fatos e apurar os participantes de alguma ação criminosa não está direcionado para você, que não é um suspeito, averiguado ou investigado.

Mas de alguma forma seu nome apareceu durante as investigações e o delegado de polícia entendeu que era importante colher seu depoimento.

Normalmente isso ocorre quando você é mencionado por alguma outra pessoa já ouvida ou quando surge algum documento onde consta o seu nome. É muito comum, por exemplo, quando há investigação de prática de crimes como lavagem de dinheiro, ser surpreendido com uma intimação por seu nome ter sido usado indevidamente e estar relacionado com empresas que você desconhece.

Intimação de testemunha

Você presenciou a prática de algum crime ou de algum ato que com ele seja relacionado e a sua oitiva é importante para esclarecimentos dos fatos. Isso pode ter ocorrido, por exemplo, em um acidente de trânsito com vítima que você tenha presenciado, ou durante um roubo em que você tenha presenciado a ação de criminosos. 

Outra hipótese comum é aquela relacionada aos crimes que ocorrem no ambiente empresarial, como estelionato, furto, violação de segredo ou prática de concorrência desleal em que muitas vezes o par ou superior conhece a rotina do investigado (portanto o acusado de prática do crime) e, geralmente, presencia as condutas que ele pratica.

Um ponto muito importante é que aqui a testemunha tenha o dever legal de dizer a verdade. Isso mesmo, nesse caso você não poderá fazer falsas afirmações. A lei ainda fala na proibição de negar ou calar a verdade. E o importante é que essa regra vale não apenas para processos judiciais mas também para inquéritos policiais.

Veja que a testemunha, pelo rigor da lei, poderá até mesmo ser processada criminalmente, já que temos uma previsão de Crime de Falso Testemunho no Código Penal, que em seu artigo 342 estabelece:

Falso testemunho ou falsa perícia

 

Art. 342. Fazer afirmação falsa, ou negar ou calar a verdade como testemunha, perito, contador, tradutor ou intérprete em processo judicial, ou administrativo, inquérito policial, ou em juízo arbitral: 

 

Pena - reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.

Em alguns casos a pena aplicada para o crime de falso testemunho pode ser maior do que aquele aplicada para o crime que está em investigação e do qual você foi apontado como testemunha. Particularmente, já participei de diversos casos em que a testemunha prestou falso testemunho em casos envolvendo crime de violação de direito autoral e acabou sendo processada e, ao final, recebendo uma pena maior do que aquele que efetivamente praticou a violação de direitos autorais de terceiros.

Intimação por ser vítima de um crime

Aqui a situação é um pouco parecida com a hipótese de intimação para contribuição, com a distinção de que seu nome está vincualdo ao caso em razão de você ter sido uma vítima de alguma prática criminosa que a polícia está investigando.

Mesmo que você tenha buscado as autoridade policiais para notificar a ocorrência de um crime que o tenha vitimado, com o regular registro de ocorrência, fatalmente você será chamado durante o curso da investigações para prestar esclarecimentos adicionais.

Muitas vezes você é intimado apenas para ratificar o que já havia dito no momento do registro da ocorrência e, noutras, para contribir com novos esclarecimentos em razão do andamento das investigações, que tenham de algum modo produzido provas ou evidências cuja seu testemunho possa ajudar a compreender.

Por mais que não recaia sobre a vítima o compromisso de dizer a verdade sobre pena de praticar o crime de falso testemunho, justamente por não ser testemunha, é importante lembrar que ao fazer falsa afirmação que dê motivo a instauração de uma investigação criminal a vítima poderá eventualmente ser investigada e processada pela prática de crime de denunciação caluniosa:

Denunciação caluniosa

Art. 339. Dar causa à instauração de investigação policial, de processo judicial, instauração de investigação administrativa, inquérito civil ou ação de improbidade administrativa contra alguém, imputando-lhe crime de que o sabe inocente: 

 

Pena - reclusão, de dois a oito anos, e multa.

 

§ 1º - A pena é aumentada de sexta parte, se o agente se serve de anonimato ou de nome suposto.

 

§ 2º - A pena é diminuída de metade, se a imputação é de prática de contravenção.

 

Sou investigado e preciso prestar esclarecimentos na delegacia

Essa é, sem dúvida, a situação mais delicada e que exige muita atenção, cuidado e, sobretudo, orientação profissional, portanto de um(a) advogado(a) criminalista de sua confiança.

O interrogatório de um suspeito é um marco importante nas investigações. Conduzido por autoridades que tem pleno domínio das técnicas investigativas, diversas perguntas, muitas vezes capciosas, são realizadas. 

Aliás, nem sempre (ou raramente) o ato é gravado (audio e video), mas apenas reduzido a termo, ou seja, o escrivão (a prática mostra que normalmente o escrivão conduz e o delegado apenas assina) descreve as perguntas realizadas e as respostas apresentadas - e aqui já surgem possíveis problemas, pois não é incomum as respostas serem adaptadas e não literais, como efetivamente pronunciadas pelo investigado.

Nesse momento, é importante a presença do advogado, que poderá impedir não apenas qualquer tipo de coação, mas zelará pela regularidade do ato e, sobretudo, fará a leitura do termo final, permitindo a assinatura do investigado somente se o relado for fidedigno às suas declarações.

De todo modo, a depender da estratégia do seu advogado, você talvez sequer responda às perguntas que lhe forem formuladas, já que o investigado não é obrigado a fazer prova contra si, tendo amplo direito de defesa, o que inclui o de ficar calado, sem que isso seja de algum modo interpretado de forma negativa ou prejudicial.

Se houver a negativa, as perguntas serão realizadas e constarão do termo de declarações, onde ficará consignado que o investigado, na presença do seu advogado, optou por não respondê-las.

Há ainda por parte de muitos investigados o temor de ser preso durante o interrogatório. Essa ocorrência, em tese, é possível, mas de dificil ocorrência, na maioria dos casos. Isso em razão das modalidades de prisão que temos no Brasil e que permitem que a autoridade policial haja sem autorização judicial (mandado de prisão).

Assim, salvo a hipótese de prisão em flagrante, o que não ocorre quando você está sendo intimado para comparecer à delegacia, e desde que você não pratique qualquer conduta que possa ser considera criminosa durante o seu depoimento (como por exemplo oferecer alguma vantagem para "se isentar do caso), as chances de você ser preso durante esse momento são praticamente nulas (sem que haja mandado de prisão expedido por um juiz).

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Outro ponto importante são as chamadas "conduções coercitivas", que foram adotadas de forma exagerada e, na realidade, ilegalmente Brasil afora, durante "mega operações", que mais se assemelhavam a produções hollywoodianas, dada espetacularização promovida mormente ao vivo em canais de televisão por todo o mundo.

De fato, contrariando até mesmo o Art. 260 do Código de Processo Penal, que prevê a tal figura, tão e somente para hipóteses em que o acusado deixava de atender ao chamamento, ou seja, regularmente intimado não comparecia, autoridades policiais, agindo de forma ilegal e, muitas vezes apoiados por decisões de juízes criminais, que invocavam, pasmem, o poder geral de cautela contido no processo cível, decretavam essa verdadeira modalidade odiosa de prisão.

Supremo Tribunal Federal (STF), em decisão acertada, colocou uma pá de cal sobre o assunto, ao reconhecer, por maioria de votos, que a tal condução coercitiva do réu ou investigado não teria sido recepcionada pela Constituição Federal, acabando assim com essa prática no Brasil. 

Aliás, é importante dizer que o acusado SEQUER é obrigado a comparecer para prestar esclarecimentos, ou seja, mesmo intimado pode não comparecer e nem por isso poderá ser conduzido coercitivamente.

Ser levado contra sua vontade a presença de qualquer autoridade somente com a decretação de uma prisão (temporária ou preventiva), hipótese que exige uma série de requisitos específicos.

 A intimação: o que ela contém ou deveria conter? 

O primeiro passo é, evidentemente, analisar o documento que está recebendo. Aliás, ele pode ser entregue tanto pelos correios (com aviso de recebimento) ou por policiais, sejam da Policia Civil ou Policia Federal.

Veja que para que a intimação seja considerada válida, é preciso que haja comprovação que você tenha recebido. Se a houver tentativa de entrega pessoal e você se negar a assinar, os policiais farão a leitura, alertando sobre a data, local e horário que deverá comparecer (e tentarão deixar uma via em sua posse).

Nesse caso, os policiais tentaram colher a assintura de testemunhas e, ao chegarem na delegacia, farão um relatório, que apresentado ao delegado de polícia será anexado ao inquérito policial.

De qualquer forma, a recomendação geral é que você faça a leitura da intimação, buscando identificar alguns dados importantes:

  • identificação da delegacia de polícia que expediu a intimação;

  • número do inquérito policial, processo ou ordem de serviço (necessariamente deve haver um procedimento formal em andamento);

  • nome e assinatura do delegado e do escrivão de polícia;

  • preenchimento adequado com seu nome e endereço, além do local, data e do horário para o comparecimento.

Espero que tenha gostado e aprendido um pouco sobre o que pode ocorrer e, o mais importante, o que fazer quando receber uma intimação policial.

Sobre o autor
Franklin Gomes

Franklin Gomes é mestre em Direito Penal Econômico pela Universidade de Granada (Espanha), pós graduado em Teoria da Infração Criminal Revisitada (IDPE Universidade de Coimbra, Portugal), possui curso de extensão em Propriedade Intelectual pelo Franklin Pierce Center for Intellectual Property da Universidade de New Hampshire (USA), pós graduação em Processo Penal pela FMU, atendeu ao Summer Course da WIPO - Organização Mundial da Propriedade Intelectual, tem curso de extensão em Fundamentos do Sistema Legal Americano pela Thomas Jefferson School of Law (San Diego, USA) e curso em Forense Computacional (Data Security). É advogado, agente da propriedade industrial, membro da Comissão de Direito Penal Econômico da OAB/SP, associado da ABPI, ABAPI, INTA, IBCCRIM, ASPI, autor de artigos publicados em diversas revistas, co-autor de livros sobre propriedade intelectual e sócio de Franklin Gomes Advogados.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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