GESTAÇÃO DE SUBSTITUIÇÃO E AS TEORIAS DA JUSTIÇA

26/03/2020 às 16:18
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Livro Justiça: O que é fazer a coisa certa? Capítulo 4: Gestação de substituição e as teorias da justiça

O Escritor filósofo Michael J. Sandel retrata em seu tema gestação de substituição e as teorias da Justiça um assunto que ainda é realidade nos dias de hoje, a infertilidade humana. Em seu livro nos retrata que em 1985, com nome de “mães de aluguel” ou mesmo, barriga de aluguel. 

          Um casal Willian e Elizabeth Stern que morava em Tenaly, New Jersey, que não podia conceber filhos, pois sua esposa sofria de esclerose múltipla, procuraram uma clínica, que divulgava anúncios em busca de “mães de aluguel”, mulheres dispostas a carregar um bebê no ventre para outra pessoa em troca de compensação financeira.

          O casal encontrou Mary Beth Whitehead de 29 anos já mãe de duas crianças e casada para então proceder com o tratamento. Aceitaram pagar o valor de $ 10 mil dólares por ocasião do parto e $ 7.500 dólares ao centro de tratamento pela intermediação, mediante a um contrato assinado por ambas as partes.

          Em março de 1986, Mary deu à luz a uma menina, o qual recebeu o nome de Melissa, “BaBy M”. Mas Mary não conseguiu abrir mão da criança resolvendo ficar com ela e fugindo para a Flórida. O casal acionou a policia e o bebê foi entregue aos Sterns e então iniciou a batalha pela custódia na Justiça em New Jersey.

          O Juiz Harvery R. Sorkow em New Jersey alegou a invulnerabilidade dos contratos e exigiu o seu cumprimento. Uma vez que lá não tinha leis que permitissem ou proibissem contratos sobre gravidez de aluguel na época. Ele rejeitou a ideia de que a gravidez de aluguel é um comércio de bebês e que o casal Sterns pagou à Mary pelo trabalho de engravidar e dar a luz a seu filho. O pai não compra um bebê que biologicamente já carrega sua herança genética.

          Mary a mãe que cedeu o útero apelo para a Suprema Corte de New Jersey, por unanimidade, a corte anulou a sentença do Juiz Sorkow, declarou invalido o contrato de gravidez de aluguel. Provendo a custódia para Willian Stern com base no fato de ser o melhor para a criança. Entretanto, restituiu a condição de mãe para Mary Beth e determinou à estipulação dos direitos a visita.

          O Juiz presidente da Suprema Corte Robert Wilentz relatou uma serie de falhas no contrato realizado entre o casal e a Mãe contratada. Dentre essas falhas, ele disse que o consentimento foi comprometido, colocando em questão o carácter voluntário de tais acordos. Classificando a gravidez de aluguel como comércio de crianças. Ainda relatando que, ora pessoas de classe social maior tendem a procurar a classe mais baixa para então oferecer valores os quais persuadiam as mulheres mais novas pelas ofertas.

          A manutenção dos contratos baseia-se em duas teorias o libertarismo e o utilitarismo, sendo esta promove o bem estar geral e aquela se baseia no fato de respeitar um contrato assinado espontaneamente por dois adultos refletindo a liberdade de ambos.

          Quando se fala em consentimento comprometido, leva-se em consideração as condições em que as pessoas fazem suas escolhas, e que nossas escolhas só serão livres se não estivermos sob excessiva pressão, ou seja, econômico financeiro. Mesmo dizendo que Justiça significa o respeito à liberdade, no caso do casal Sterns o juiz Wilentz relacionou que a escolha de Mary não houve um consentimento consciente.

          Já por outro lado, pensando em degradação e bens maiores, está relacionado a coisas que o dinheiro não deveria comprar. Para não depreciarmos ou não medirmos determinado valor que é a vida. Sendo, portanto, errado tratar ser humano como mercadoria, meros produtos.     

          Outra filósofa contemporânea, Elizabeth Anderson alega que os contratos de aluguel degradam a criança e a procriação ao trata-las como mercadorias. Degrada também a mulher, que trata seu corpo como uma fábrica, transformando-a em um tipo de trabalho alienado.

          Anderson diz que avaliar tudo de acordo com a utilidade ou o dinheiro, degrada os bens e as práticas sociais. Argumenta ela que a gravidez promove certa finalidade, um laço emocional da mãe com o filho. Um contrato que implique a criação desse laço afasta essa finalidade.

          Elizabeth ainda diz que não poderemos determinar realmente quais bens e práticas sociais devem ser governados pelo mercado até que examinemos essas teorias de moralidade e justiça.

O Filósofo Jeremy Bentham foi quem idealizou a corrente utilitarista como filosofia moral, que surgiu no momento revolucionário, a era da razão.

Nesse pensamento você não pode ancorar basear suas ideias sobre ética, sobre liberdade, na natureza, em direitos naturais, deveres naturais, você deve basear as noções de ética e politica na utilidade, ou seja, aquilo que traz felicidade ao maior número possível de pessoas. A ética, a política a constituição não deve se preocupar garantir em direitos naturais, deve se preocupar em garantir à felicidade as pessoas. A teoria da Justiça nos elucida qual é a coisa certa a fazer, para essa teoria é aquela que tem a maior utilidade à busca da justiça social em face da maximização da felicidade, diminuindo a dor para a maioria da sociedade.

          Stuart Mill foi discípulo de Bentham e um dos pregadores do utilitarismo também, uma de suas importantes obras foi princípio da liberdade, em que indivíduo não deve prestar conta à sociedade pelas suas ações, desde que elas não interessem a mais ninguém a não ser ele mesmo.

          O Governo não deve interferir na liberdade dos indivíduos, salvo para prevenir danos a terceiros.

          Foram, portanto, duas teorias antigas as quais não podemos apenas se basear nelas para defender algum ponto de vista a respeito de uma decisão que vá afetar toda uma coletividade, em se tratando de barriga de aluguel como método de comércio, seja humano, sejam gestacionais. Para tanto, a Constituição Federal nos delimita de alguma forma algumas liberdades que venham atingir a sociedade pautando os princípios de segurança e direitos individuais, e as demais leis esparsas veem regulamentando demais assuntos os quais não foram ainda normatizados.

 

Em virtude disso, a prática da gestação de substituição, quando realizada sob o prisma altruísta, não afronta qualquer disposição constitucional quanto aos princípios e direitos fundamentais dos seres humanos; pelo contrário, corrobora-os, servindo como mecanismo para sua efetivação, sendo uma exigência médica ante a impossibilidade de gestação. Por não haver formalização do procedimento do ponto de vista jurídico, a possibilidade de um pacto deve ser vislumbrada com grande relevância, não com o intuito de mercantilizar os atos, mas com o único objetivo de estabelecer obrigações e direitos entre todos os envolvidos, para que nenhum seja explorado, inferiorizado, e para dar, inclusive, credibilidade e segurança ao procedimento, bem como para efetivar as garantias fundamentais de todos, mas principalmente garantir os direitos da criança. A ausência de um documento formal e válido juridicamente faz com que conflitos cheguem ao Judiciário, gerando desconforto e insegurança tanto para as partes quanto para o julgador, tendo em vista, também, a falta de regulamentação legislativa específica sobre o tema da doação de útero, podendo provocar equívocos nas decisões proferidas, bem como a insatisfação das partes envolvidas por não terem suas expectativas atendidas. (MPSP. O direito ao livre planejamento familiar e a doação de útero. Disponível em: http://www.mpsp.mp.br/portal/page/portal/documentacao_e_divulgacao/doc_biblioteca/bibli_servicos_produtos/bibli_informativo/bibli_inf_2006/Cad-Dir_n.31_21.pdf. Acesso em 12 de Abril de 2020.)

 

È direito constitucional a família ter especial proteção do Estado. Sendo livre o planejamento familiar e decisão do casal. O qual compete ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito. Conforme consta no Artigo 226 § 7º da Constituição Federal de 1988.

 

          Em muitos países europeus é proibido o comércio da gravidez. Já nos Estados Unidos, mais de uma dezena de estados legalizou a prática, em outros ainda é proibido, mas não é definido seu status legal.

          No caso do casal Sterns, Mary doou o seu óvulo e seu ventre.

          A técnica de Reprodução Assistida é bem popular pelo mundo, sendo a Dinamarca o país detentor do título com maior proporção de bebês nascidos por meio dessa técnica.

           A técnica de Fertilização in Vitro foi usada pela primeira vez em 10 de novembro de 1977, sendo um terço dos tratamentos bem sucedidos. Essa técnica resume-se em utilizar um óvulo removido do ovário de uma mulher e é fertilizado o esperma em laboratório. Em seguida o óvulo é fertilizado e colocado no útero para que se desenvolva.

          Mais de 8 milhões de bebês nasceram por técnicas de reprodução assistida desde 1978. A estimativa é de que os números sejam ainda maiores do que os 8 milhões relatados. Além do Brasil, outros países como China e Índia fazem processo de fertilização, mas não têm dados relatados.

          No Brasil não é permitido o uso da “barriga de aluguel” para fins comerciais, ou seja, pagar pela gestação. È permitido a barriga solidaria, em que não há dinheiro envolvido, apenas para fins de reprodução entre parentescos de mulheres que já possuem algum problema diagnosticado de infertilidade, ou até mesmo por casais homoafetivos que desejam ter filhos.

          Portanto temos a resolução do Concelho Federal de Medicina que regulamenta essa norma para sua utilização correta.

          Como em seu próprio livro Michael J. Sandel diz, “até que ponto nossas escolhas no livre mercado são realmente livres?”. Nossas escolhas infelizmente não são totalmente livres, há regulamentos e leis sociais que nos impõem certas regras para serem seguidas, principalmente se envolve dinheiro. Para alguns há uma degradação do ser humano, para outros há inversão de valores sociais e morais. Afinal, não somos livres e não temos a tal liberdade que nos foi proposta pelo libertarismo real.

 

          Alguns países tem a liberação apenas não comercial, altruísta, como podemos ver nessa tabela fornecida pelo artigo Gestação de substituição: aspetos psicológicos-uma revisão da literatura, publicado no site da Scielo “A Scientific Electronic Library Online - SciELO é uma biblioteca eletrônica que abrange uma coleção selecionada de periódicos científicos brasileiros.”

 

 

Técnica de fertilização in vitro

         

          A Fiv como conhecida Fertilização in Vitro tem um alto custo, ainda não é acessível a todas as mulheres que dispõem de infertilidade. No Brasil, ela é oferecida pelo SUS, através de uma lista longa de espera. São 11 instituições que trabalham com a Reprodução Assistida no País.

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          Esse tratamento pode variar entre R$ 15 a R$ 25 mil reais. Nos últimos 40 anos os tratamentos vem sendo desdobrados com a doação de óvulos, ou seja, mães que dispõem de boa reserva ovariana doam para mães que não possuem, em troca, ela paga pelo tratamento da mãe doadora e recebe o óvulo para dar continuidade ao seu tratamento.

          Na Califórnia e na Florida nos Estados Unidos a “Barriga de aluguel” é permitido por lei. Na Índia, também é permitido, uma vez que é bastante procurado por casais, porque os valores são bem mais baixos. Já na França, Espanha e Alemanha essa prática é proibida assim como no Brasil. Na Austrália também não é permitido, lá nem mesmo a barriga solidária, quando não há dinheiro envolvido é permitido.

Resolução do Conselho Federal de Medicina

 

A Resolução do Conselho Federal de Medicina Nº 2168 DE 21/09/2017. Adota as normas éticas para a utilização das técnicas de reprodução assistida.
Levando em consideração a infertilidade humana como um problema de saúde, com implicações médicas e psicológicas, e a legitimidade do anseio de superá-la e além de outros o avanço do conhecimento científico já permite solucionar vários casos de problemas de reprodução humana.

Em se tratando da gestação de substituição (cessão temporária do útero) a resolução diz que pode ser realizada desde que exista um problema médico que impeça ou contraindique a gestação na doadora genética, em união homoafetiva ou pessoa solteira, sendo a cedente temporária do útero deve permanecer à família de um dos parceiros em parentesco consanguíneo até o quarto grau. Os demais casos estão sujeitos à autorização do Conselho Regional de Medicina.

A cessão temporária do útero não poderá ter caráter lucrativo ou comercial.

Devendo constar no prontuário da paciente, o termo de consentimento livre e esclarecido assinado pelos pacientes e pela cedente temporária do útero, contemplando aspectos biopsicossociais e riscos envolvidos no ciclo gravídico-puerperal, bem como aspectos legais da filiação. Relatório médico com o perfil psicológico, atestando adequação clínica e emocional de todos os envolvidos. Termo de compromisso, estabelecendo claramente a questão da filiação da criança. Compromisso que a mãe temporariamente cederá o útero até o puerpério. Compromisso de registro civil da criança pelos pacientes, devendo ser providenciado durante a gravidez. Caso a cedente seja casada ou viver em união estável a aprovação apresentada por escrito do cônjuge ou companheiro.

No Brasil, até a presente data, não há legislação específica a respeito da reprodução assistida. Tramitam no Congresso Nacional, há anos, diversos projetos a respeito do assunto, mas nenhum deles chegou a termo.

 

 

Qual é a sua opinião acerca da análise das teorias de justiça sobre a gestação de substituição?

 

A infertilidade é uma doença que tem atingido um percentual grande de mulheres por todo o mundo, até mesmo por causas ainda desconhecidas, mesmo que, a medicina tenha avançados recursos e métodos de tratamento para conduzir a reprodução natural, nosso ordenamento jurídico ainda é muito escasso em relação ao assunto Infertilidade, mesmo que existam vários projetos de leis tramitando no senado, há certo desinteresse por parte de quem deve julgar tais assuntos, a resolução em vigor visa guiar as condutas médicas não adentrando na seara do direito propriamente dito, incapaz de conseguir dirimir conflitos advindos desses processos.

 A discussão acerca da decisão da Suprema Corte de New Jersey a respeito do contrato formalizado pelo casal pressupõe, certa pessoalidade, impondo seus valores a respeito da decisão já julgada anteriormente e retirando o valor do contrato vinculado entre as partes. Ferindo o principio da impessoalidade e da autonomia da vontade entre as partes. Mas entendo que o juiz identificou um vício no contrato que foi o valor pago pela ação de gestar, não apenas o tratamento. Por isso, anulou a decisão anterior.

A utilização da finalidade de gestar em outro corpo não deve ser utilizada com fim comercial e tão pouco com consentimento vulnerável. Pelo simples fato de cada ser humano ser livre para fazer o que quer de seu corpo, envolvendo um direito fundamental que é a vida. A teoria do libertarismo traz consigo a autonomia e a liberdade de escolha, não sendo função do Estado promover a ordem ou a liberdade, mas, não é concernente a tudo o que se pode pensar e realizar,  uma vez que, o Estado deve manter a ordem econômica do país, definindo sim as formas de comércio mesmo relacionadas ao seu próprio corpo, dessarte, o fato de que não pode ser generalizado essa liberdade.

A teoria do utilitarismo surgiu para se referir as teorias que buscavam se justificar nas consequências das ações. Com sua finalidade de promover o bem geral e a felicidade, deve respeitar a algumas regras impostas pela sociedade, pelo princípio do bem comum a todos. Não tratando o direito de gestar como um livre comércio.

Acredito que a gestação de substituição bem como as técnicas de reprodução assistida, vem para somar e manter o vinculo familiar de todo e qualquer casal seja ele, heterossexual ou homoafetivo.

Entendo, que sim, deve ser melhor normatizado por lei, todas as ações para que não virem comércio ilegal seja de bebês ou, de negociações de gestação.

A situação da infertilidade gera em muitos casais um transtorno psicológico, que as técnicas de reprodução assistida têm trazido um alento e uma esperança para a formação familiar. Por isso, não pode ser restringida e sim deve ser bem regulamentada.

 

Sobre a autora
Crislaine Faria Meireles

Sou Formada em Administração de Empresas. Pós graduada em Gestão de Controladoria e Finanças e Gestão Pública. Trabalhei durante 12 anos em empresas privadas e empresas públicas, atuando em diversas áreas com predominância no setor financeiro. Formada em Direito pela Una Uberlândia. Advogada em Uberlândia MG - Especialista no Direito médico e da Saúde com atendimento no escritório nas áreas Cíveis, Consumidor, Família e Direito Médico.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Trabalho apresentado sobre o capitulo 4 do livro : Justiça o que é fazer a coisa certa, analise e posicionamento.

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