Modalidades de extinção do contrato de trabalho por motivo de força maior: estado de calamidade pública ocasionado pelo novo coronavírus (covid-19)

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O declarado estado de calamidade pública pelo governo federal, estaduais e municipais tem reflexos diretos nos contratos de trabalho e na atividade econômica. Alguns institutos celetistas tratam justamente destas situações excepcionais.

Nos dias atuais, passamos por um cenário de extremas incertezas e desespero, visto que, recentemente fora declarada uma pandemia mundial pela Organização Mundial de Saúde (OMS), na qual, orientaram às pessoas a ficarem em suas residências, e tomarem cuidados de saúde básicos, com o intuito de diminuir a disseminação do Novo Coronavirus (COVID-19).

Contudo, por conta de tal determinação, muitos Estados e Municípios decretaram o fechamento de comércios e indústrias que não exercerem atividades essenciais, com o intuito de que os empregados e empregadores fiquem em suas residências, obedecendo a recomendação da OMS.

Apesar de a preocupação ser com a saúde da população, não pode-se esquecer da economia nacional, uma vez que, os decretos realizados “do dia para a noite” foram extremamente rigorosos, determinando o fechamento das empresas sem qualquer preparo anterior.

Atualmente no Brasil, 95% das empresas ativas no país são Microempresas (ME) ou Empresas de Pequeno Porte (EPP), de acordo com o SEBRAE. Estas certamente suportarão danos pelo período em que permanecerão com suas atividades paralisadas.

Fato é, que para muitas delas, 30 dias sem atividade alguma, e sem o recebimento de ativos, porém, com os passivos ainda ocorrendo, será um caminho certo rumo à falência.

Tentando diminuir os gastos empresariais, e também, diminuir o provável desemprego que virá pela frente, o governo federal em 23/03/2020, publicou a Medida Provisória 927 que declarou estado de calamidade pública e autorizando medidas de enfrentamento à crise econômica e social, com medidas trabalhistas como férias coletivas, antecipação de feriados, concessão de férias sem cumprimento do período aquisitivo pelo empregado, dentre outras.

Contudo, conforme já mencionado, grande parte da nossa economia atual é formada por empresas pequenas, as quais, não possuem grande fluxo de caixa, ou uma grande reserva para aguentar tanto tempo sem a entrada de nenhum ativo sequer.

Desta forma, as medidas disponibilizadas pelo governo federal, apesar de parecerem boas, na realidade irão minar as pequenas reservas dos empresários, o que futuramente deixará a situação ainda pior, uma vez que acarretará diversas demissões, porém, em empresas que não possuem mais caixa para quitação das verbas rescisórias.

Então começa-se a discutir modalidades de extinção do contrato de trabalho, que não deixe os colaboradores sem o recebimento de verbas rescisórias, mas que também, não obrigue o empregador a liquidar sua empresa para paga-las.

Uma alternativa levantada recentemente é o factum principis , ou fato do príncipe, elencado no Artigo 486 da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), o qual traz o seguinte texto normativo:

Art. 486. - No caso de paralisação temporária ou definitiva do trabalho, motivada por ato de autoridade municipal, estadual ou federal, ou pela promulgação de lei ou resolução que impossibilite a continuação da atividade, prevalecerá o pagamento da indenização, que ficará a cargo do governo responsável.

Nesta modalidade, em tese, se demonstrada a paralisação temporária ou definitiva do trabalho, motivada por ato de autoridade municipal, estadual ou federal, ou pela promulgação de lei que impeça que a atividade seja exercida, empregador poderá rescindir o contrato de trabalho por motivo de força maior, ficando desobrigado ao recolhimento da multa fundiária de 40%, sendo que esta, ficará à encargo do governo responsável.

Ou seja, todas as demais verbas trabalhistas ainda permanecerão a cargo do empregador, quais sejam:

  • Saldo de Salário;

  • Aviso prévio indenizado (visto que a empresa estará obrigatoriamente com as atividades encerradas ou paralisadas);

  • Férias vencidas e proporcionais acrescidas de 1/3;

  • 13º Salário;

  • Eventuais salários vencidos e proporcionais;

  • Fornecimento da guia para saque do saldo do FGTS e habilitação no seguro desemprego.

De acordo com a legislação trabalhista, caso o empregador opte por realizar a resilição contratual por tal modalidade, o Judiciário Trabalhista competente notificará a pessoa de direito público apontada como responsável pela paralisação do trabalho, para que alegue o que entender direito no prazo de 30 (trinta) dias, conforme preconiza o §1º do Artigo 486.

Ato contínuo, o Reclamante é intimado para se manifestar em 3 (três) dias, de acordo com o elencado no §2º do Artigo 486.

Contudo, problemas de ordem prática surgem com a aplicação de tal dispositivo, principalmente após a edição da Emenda Constitucional 45 que alterou significativamente a competência da Justiça do Trabalho.

Para parte da doutrina e jurisprudência o §3º do artigo 486 da CLT determina que caso a Justiça do Trabalho declare a ocorrência de “factum principis”, deveria julgar-se incompetente e remeter os autos a Vara da Fazenda Pública.

Outros defendem que o dispositivo sequer foi recepcionado pelo artigo 114 da CF/88, ou, foi revogado tacitamente pela EC/45, sendo desnecessário, portanto, a remessa dos autos ao “foro competente”, tramitando o processo na Justiça do Trabalho até seu final.

Porém, mesmo que não fosse constatado a não recepção do dispositivo pela nossa atual Constituição Federal, o entendimento jurisprudencial pátrio, é tendencioso a não declarar o factum principis.

E acredita-se, que mesmo com a decretação de estado de calamidade pública por conta da disseminação do novo coronavirus, tal entendimento não terá muitas modificações.

A jurisprudência impõe alguns requisitos para que seja declarado tal instituto, os quais determinam que a atividade deverá ser totalmente interrompida e de forma definitiva.

Em breve análise dos decretos estaduais e municipais, observa-se que a interrupção é temporária, alguns quantificando o prazo de 15, 30, ou até 60 dias de interrupção, porém, em momento algum tratando-se de uma interrupção definitiva e sim transitória.

Importante esclarecer ainda, que a maioria das empresas teve suas atividades encerradas a menos de uma semana, desta forma, ainda não é palpável que tal instituto possa ser declarado, pelo curto espaço de tempo de paralização.

No que tange ao requisito da interrupção total da atividade, deve-se verificar que em muitos os casos esta não ocorrerá, uma vez que as indústrias em diversos ramos poderão funcionar normalmente, desde que cumpridos alguns requisitos.

Sobre o comércio local, que é o que de fato mais preocupa, diante da sua fragilidade, também admite-se o funcionamento por meio de delivery, para aqueles que se adaptem a esta modalidade. Além disso, diversos ramos de atuação comportam o funcionamento via teletrabalho ou home office.

Ou seja, observado que não ocorre a interrupção total das atividades da indústria ou do comércio, torna-se frágil a alegação do fato príncipe.

Desta forma, dificilmente se sustentará a comprovação dos dois requisitos taxativos perante os Tribunais, o que torna extremamente improvável uma declaração judicial de factum principis.

O maior problema, é o risco que o empregador corre, pois somente pode ser alegado tal instituto, após a rescisão do contrato do trabalho ter ocorrido, e caso não seja declarado o factum principis, continua à encargo deste a indenização da multa fundiária, o que pode trazer prejuízos consideráveis em casos de demissão de grande número de funcionários.

Além disso, caso ocorra o desligamento de empregado que encontra-se em gozo de estabilidade provisória, além do recolhimento da multa fundiária, ainda, terá que ser paga a multa por rescisão contratual de colaborador estável, o que aumenta ainda mais os prejuízos ao empresário.

Isto posto, diante da improvável declaração do factum principis, tal alternativa pode ser um fator extremamente prejudicial para as empresas que já encontram-se com a economia fragilizada.

Contudo, ainda pode-se observar outra alternativa, que pode se considerar um tanto quanto mais segura, e ainda traz benefícios ao empregador.

De acordo com o Artigo 1º da Medida Provisória 927, foi decretado estado de calamidade pública, vejamos:

Art. 1º Esta Medida Provisória dispõe sobre as medidas trabalhistas que poderão ser adotadas pelos empregadores para preservação do emprego e da renda e para enfrentamento do estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020, e da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus (covid-19), decretada pelo Ministro de Estado da Saúde, em 3 de fevereiro de 2020, nos termos do disposto na Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020.

Parágrafo único. O disposto nesta Medida Provisória se aplica durante o estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6, de 2020, e, para fins trabalhistas, constitui hipótese de força maior, nos termos do disposto no art. 501. da Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943.

Observa-se em especial, final do parágrafo único, onde fica disposto “constitui hipótese de força maior, nos termos do art. 501. da Consolidação das Leis do Trabalho”.

Analisando a CLT mais afundo, vemos a hipótese de força maior e seus efeitos:

Art. 501. - Entende-se como força maior todo acontecimento inevitável, em relação à vontade do empregador, e para a realização do qual este não concorreu, direta ou indiretamente.

§ 1º - A imprevidência do empregador exclui a razão de força maior.

§ 2º - À ocorrência do motivo de força maior que não afetar substâncialmente, nem for suscetível de afetar, em tais condições, a situação econômica e financeira da empresa não se aplicam as restrições desta Lei referentes ao disposto neste Capítulo.

Art. 502. - Ocorrendo motivo de força maior que determine a extinção da empresa, ou de um dos estabelecimentos em que trabalhe o empregado, é assegurada a este, quando despedido, uma indenização na forma seguinte:

I - Sendo estável, nos termos dos arts. 477. e 478;

II - Não tendo direito à estabilidade, metade da que seria devida em caso de rescisão sem justa causa;

III - Havendo contrato por prazo determinado, aquela a que se refere o art. 479. desta Lei, reduzida igualmente à metade.

Em uma primeira análise do Artigo 501, entende-se como força maior todo acontecimento inevitável em relação à vontade do empregador e para a realização do qual este não concorreu direta ou indiretamente.

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Ou seja, enquadra-se evidentemente no nosso cenário atual, onde o fechamento de empresas se deu unicamente por conta de imposição municipal ou estatal pelo risco de disseminação do novo coronavirus.

A grande vantagem deste instituto, é que para que seja declarado o motivo de força maior não é necessário que a empresa tenha sua atividade encerrada totalmente e definitivamente, diferente do factum principis.

Além disso, o referido artigo foi utilizado para fundamentar a medida provisória 927, ou seja, sendo declarado pelo próprio governo federal que as empresas encontram-se em estado de calamidade por motivo de força maior.

Diante desses fatos, totalmente licita a rescisão contratual embasada no motivo de força maior que traz o Artigo 502 da CLT, a qual traz diversas vantagens para o empregador.

Permitindo que no caso de demissão de colaborador estável, este receberá uma indenização na forma dos Artigos 477 e 478 da CLT, pena bem inferior à aplicada normalmente.

Já nos casos em que o empregado não possua estabilidade, será devida somente metade da multa fundiária, ou seja, o empregador não recolherá os 40% à título de multa do FGTS, mas sim, apenas 20%.

Além disso, nesta modalidade, não há obrigatoriedade do pagamento do aviso prévio indenizado, por conta de a empresa não estar obrigatoriamente com as atividades encerradas, o que diminui os custos da rescisão do contrato de trabalho.

Outro ponto à ser destaque nesta modalidade, é que entende-se que o contrato fica rescindido por motivo de força maior, e desta forma, não sendo caracterizada a dispensa pelo empregador sem justa causa.

Desta forma, parte da doutrina, entende que tal modalidade retira o direito à recebimento do seguro desemprego por parte do empregado, pois de acordo com o Artigo 2º da lei 7.998/90, o programa de seguro desemprego tem por finalidade “Prover assistência financeira temporária ao trabalhador desempregado em virtude de dispensa sem justa causa”, contudo, uma vez que a rescisão seria por motivo de força maior, não se enquadraria nos requisitos do Artigo supracitado.

Assim, pode-se perceber que diante do nosso atual cenário de grande preocupação por parte dos empregadores, a utilização da rescisão embasada no Artigo 486, o factum principis, pode ser uma alternativa não tão rentável como se espera, inclusive podendo trazer diversos prejuízos inesperados ao empregador, o que só deixará sua situação ainda pior.

Sendo uma alternativa mais palpável e certa, a utilização da rescisão por motivo de força maior, pois além de possuir menos requisitos para seu enquadramento, ainda, está prevista na própria MP 927, trazendo uma segurança jurídica maior para o empregador, e ainda, diversos benefícios em meio a atual crise financeira que assola nosso país.

Sobre os autores
Murilo Henrique Portel

Advogado. Pós graduado em Direito do Trabalho e Previdenciário.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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