A LEGITIMIDADE PARA O OFERECIMENTO DA TRANSAÇÃO PENAL EM AÇÕES PENAIS PRIVADAS

27/03/2020 às 11:04
Leia nesta página:

A transação penal é um dos institutos despenalizadores da seara criminal.

A transação penal é um dos institutos despenalizadores, ao qual visa diminuir o abarrotamento de processos e com isso evitar a instauração de uma lide criminal, permitindo um acordo entre o Ministério Público e o autor do fato, antecipando a restrição de algum direito através da medida penal.

Ao mesmo tempo em que é um instituto de Direito Processual, uma vez que por meio dela se compõe a lide, é um instituto de direito material, visto que os ajustes entre as partes, homologado pelo juiz, implicam a extinção da punibilidade do fato antijurídico, com o fim da divergência.

A pena aplicada na transação penal não tem caráter punitivo, mas sim de uma medida penal aceita pelo autor do fato a fim de evitar o processo, sem admissão de culpa e de posterior inclusão como antecedente criminal.

CONSIDERAÇÕES

No que pese a aplicação do instituto mencionado e sua efetivação na seara criminal conforme dispõe o artigo 61 da Lei 9.099/95, Lei dos Juizados Especiais, seu alcance é amplo, desde que a pena abstrata cominada, não seja superior a dois anos.

Desse modo, a perspectiva será compreender a legitimidade da proposta de transação penal e sua função social no que concerne a titularidade dessa oferta nos casos de queixa-crime na ação penal privada.

É a função social despenalizadora, que desafoga o judiciário trazendo soluções em centenas de ações, ao mesmo tempo em que existe a omissão legal quanto a quem deve ofertá-la no âmbito da ação penal privada.

DO CONFLITO DA TRANSAÇÃO PENAL E A FUNÇÃO SOCIAL

A função social dos Juizados Especiais criminais é a paz e harmonia entre os cidadãos, conciliar conflitos, e não parece salutar deixar à titularidade da proposta a cargo do querelante que na grande maioria das vezes entende que trazer o mais elevado ônus a parte contrária é uma forma de punição, o que torna desproporcional o fato e o valor da reparação do dano.

Para serem julgados nos Juizados Especiais Criminais – JECRIM, os crimes devem cominar a pena máxima de até dois anos cumulada ou não com multa, além das contravenções penais.

A proposta de transação penal não é alternativa ao pedido de arquivamento, mas algo que possa ocorrer somente nas hipóteses em que o Ministério Público entenda que deva o processo penal ser instaurado.

Essas infrações, consideradas por boa parte da doutrina como bagatela, não reclama a imposição de pena privativa de liberdade, mas sim, um tratamento diferenciado buscando o consenso. A Lei 9.099/1995 destaca que o juizado especial, deve priorizar a reparação dos danos sofridos pela vítima.

PLEA BARGAINING EUA

No direito comparado, há uma série de institutos de grande semelhança aos do ordenamento jurídico brasileiro. Pode-se observar nos Estados Unidos da América, o “plea guilty” e “plea bargaining”.

Quanto ao alcance prático do “plea barganing” nos Estados Unidos, observa-se que através dele são solucionados de 80% a 95% de todos os crimes.

Entre esses institutos jurídicos tem a base para que mais de três quartos das condenações nos Estados Unidos da América seja produto das transações que permitem que a administração funcione.

Por óbvio não se deve tolerar abusos, e ao ofensor deve ser oportunizado o devido processo legal, devidamente acompanhado do seu advogado no momento da proposta, e na falta deste lhe seja ofertado um defensor público, ou advogado dativo previamente constituído.

PLEA BARGAINING EUROPA

Pode-se ver no Direito Comparado da Alemanha que prevê a abstenção da persecução penal por delitos menores. Em Portugal, regula a suspensão provisória do processo; a Itália possui um procedimento alternativo ordinário; e a Espanha estabeleceu um procedimento sumaríssimo para determinados delitos.

Para tanto, convém fazer apenas mencionar alguns institutos, assemelhados, mas que com ela não se confundem. Nos sistemas de Common Law, há o plea of non contendere. Nesse caso, o acusado sustenta, perante a Corte, que não irá confessar e tampouco irá refutar a acusação.

Ou seja, ele faz uso do direito ao silêncio – Nemotenetur se ipsum accusare ou Nemotenetur se detegere. Ao que releva, há o plea of guilty, mediante o qual o acusado reconhece como correta a imputação, diz que os fatos realmente ocorreram e que ele é o responsável criminal.

TRANSAÇÃO PENAL NO BRASIL

Nas últimas décadas, nosso país tem experimentado um grande desenvolvimento econômico e sua população quase que dobrou, vivendo, hoje, sua esmagadora maioria nas grandes cidades. Intrínseco a isso, a qualidade de vida, no tocante à segurança pública, asseverou sensivelmente, com os índices de criminalidade.

Ao longo desse tempo, a Polícia, o Poder Judiciário, o Ministério Público e o sistema de execução de penas não foram dotados de recursos materiais e quadro de pessoal à altura da demanda pelos seus serviços; nem tampouco a organização, sob o plano institucional, modernizou-se como necessário, e em consequência, acentuou-se cada vez mais a insatisfação da sociedade em relação à justiça.

Concomitantemente aos fatos se criam leis, majoram-se as penas, com novos tipos de crimes e regras processuais, também, por outro lado, instituem-se instrumentos despenalizadores, com forte tendência liberalizante, uma vez que a experiência demonstrou que a imposição da pena privativa de liberdade como solução para todos os conflitos sociais não reduziu a criminalidade.

DA AÇÃO PENAL PRIVADA

O queixoso, que viu frustrado o acordo civil do art. 74, quase certamente oferecerá a queixa, se nenhuma outra alternativa lhe for oferecida. O que importa é a relevância de se promover avanços na legislação e com isso, disponibilizar alternativas para os crimes de menor potencial ofensivo, no sentido de lutar pela sua ressocialização e o desencarceramento.

Nota-se que a satisfação, no âmbito penal se reduz a imposição imediata de uma pena restritiva de direitos, que, se aceita pelo autor do fato, será mais benéfica e o processo não se instaura.

ESPÉCIES DE AÇÃO PRIVADA

A ação penal privada tem 3 (três) espécies: a ação penal exclusivamente privada muito comum nos crimes contra a honra, a personalíssima que é a ação que somente o ofendido poderá exercer, hoje no Código Penal só existe o crime de induzimento a erro essencial, descrito no artigo 240 do Código Penal e por último a privada subsidiária da pública que se dá quando o Ministério Público é o detentor da ação permanece inerte, e não oferece a denúncia no prazo legal.

A ação penal de iniciativa privada é a ação que o Estado outorga a legitimidade ad causam ao ofendido ou ao seu representante legal, ou seja, deve ser iniciada pela pessoa ou pelo seu representante legal, por meio da peça denominada queixa-crime.

Se a ação for privada entende-se por omissão legislativa que caso não haja acordo entre os litigantes, cabe ao Ministério Público à oferta da transação penal, pois o ofendido diante de uma lesão patrimonial ou moral pode ingressar com uma ação civil para a respectiva reparação.

COMPOSIÇÃO CIVIL NA TRANSAÇÃO PENAL

A Lei 9.099/95 aduz a composição civil. Se houver a negativa pelo acordo, a vítima poderá ajuizar uma ação de indenização na esfera civil, mas à proposta de transação deve ficar na tutela estatal.

Havendo composição civil dos danos antes da audiência preliminar ou durante sua realização, a transação penal não ocorrerá (artigo 74 da Lei 9.099/95), o que é mais benéfico para o autor do fato, que não transacionará e manterá intacto seu direito de se beneficiar pelo instituto da transação penal.

POSICIONAMENTO DO STJ

Em que pese a omissão legislativa quanto a titularidade da oferta da proposta de transação penal nas ações penais privadas, a corte em comento tem em suas decisões que o ofendido é quem deve realizar o ato processual.

{…} Nesse caso, a legitimidade para formular a proposta é do ofendido, e o silêncio do querelante não constitui óbice ao prosseguimento da ação penal.

(STJ – APN: 634 RJ 2010/0084218-7)

ORIENTAÇÃO DO FONAJE

Em contraponto a jurisprudência do STJ dispõe o Fórum dos Juizados Especiais – FONAJE e em seu enunciado 112 (substitui o enunciado 90) que “na ação penal de iniciativa privada cabe transação penal e a suspensão condicional do processo, mediante proposta do Ministério Público” (FONAJE, 2010).

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

Quando o autor do fato aceita o acordo, encerra-se a persecussio penal, e como prêmio o mesmo não sofre uma possível condenação, o que se tornaria antecedente criminal. imperioso destacar que em caso de aceite o acordo nasce o ônus de não poder utilizar o instituto pelos próximos 05 anos (artigo 76, II da Lei 9.099/95).

A instituição da transação penal só foi possível em razão da mitigação do princípio da obrigatoriedade que obriga o Ministério Público a promover a ação penal, podendo então apresentar a proposta para análise do autor do fato, que poderá ou não aceitar.

Apenas na hipótese de não terem as partes acordado quanto aos danos civis, com a homologação do acordo, a audiência continuará com a tentativa de transação penal, se houver a queixa-crime ou a representação.

PRINCÍPIOS DOS JUIZADOS ESPECIAIS

Os princípios processuais fundamentam todo o ordenamento jurídico de várias vertentes diferentes, não há dúvidas que no artigo 2º da Lei dos Juizados, os mesmos representam um avanço significativo e eficaz para o mecanismo processual.

Determina a lei que o juiz se utilize no caso concreto dos critérios principiológicos de competência dos Juizados Especiais, em concordância ou mesmo em supremacia a outros, no interesse da mais célere e eficaz aplicação da lei.

Estabelecendo a adoção da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade, aos procedimentos previstos na Lei 9.099/1995 dando cumprimento ao preceito constitucional, no seu artigo 98, I, que prevê para eles um procedimento oral e sumaríssimo.

SENTENÇA HOMOLOGATÓRIA

Toda a aceitação a proposta de transação penal, encerra a lide, a decisão judicial, tem caráter homologatório apenas. No que toca à sua operacionalidade, a possibilidade de atuação de conciliadores na fase preliminar do procedimento foi de grande significado. Além de ser importante para a celeridade processual, permite que a conciliação seja realizada por uma pessoa desvinculada, pois ainda não temos a instauração da lide, gerando maior integração e harmonia entre as partes, a paz social e a justiça.

Sem o devido processo legal, a sentença que aplica pena restritiva de direitos, com base no artigo 76 da lei 9099/95, não tem caráter condenatório, mas apenas homologa a transação penal, não gerando reincidência, registro criminal ou responsabilidade civil.

CONCLUSÃO

Com o exercício regular do direito, devidamente assistido por seu representante, sendo o detentor da escolha em realizar o acordo ou seguir a lide, mostra a relevância da transação penal no seio social, dirimindo de forma apriori o conflito, aplicando-se o direito subjetivo do provável ofensor, que detém melhor juízo de valor sobre as ações que lhe são imputadas .

É necessário que os operadores do direito observem os delitos além da forma singular que flerta com o juízo de adequação penal abstrata, e que diante da sua imperatividade consequencialista é comissiva em detrimento a indispensável compreensão acerca da dimensão humana do suposto autor do fato. Olha-se o fato e o direito; esquece-se da pessoa, e esta é o centro das possibilidades de transformação da realidade social.

Jorge Alexandre Fagundes

Advogado

F&M advogados Associados

https://linktr.ee/JorgeAlexandreFagundes

Sobre o autor
Jorge Alexandre Fagundes

Mestre em Negócios Internacionais pela Universidade de Ciência e Tecnologia de Miami - EUA, Advogado e Especialista em Direito Empresarial, Membro do Comitê Jurídico da ANPPD – Associação Nacional de Profissionais de Proteção de Dados; Membro da ANADD - Associação Nacional dos Advogados de Direito Digital Membro do Dtec – Estudos de Direito Digital e Proteção de Dados da Universidade Federal de Minas Gerais UFMG; CEO da Empresa Security LGPD ltda. Information Security Officer (ISO) and Data protection Officer (DPO) EXIN - Specialist LGPD - GDPR - ISO 27001/27002/27701

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos