Aplicação dos métodos autocompositivos na resolução de conflitos familiares.

27/03/2020 às 11:40
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A Aplicação dos métodos autocompositivos na resolução de conflitos familiares. Novas técnicas multidisciplinares que vem ganhando espaço no mundo jurídico, principalmente no âmbito do direito das famílias, visando o resgate das necessidades humanas.

Segundo MARIA BERENICE DIAS, em um mundo pós-moderno de velocidade instantânea da informação, sem fronteiras ou barreiras, sobretudo as culturais e as relativas aos costumes, na qual a sociedade transforma-se velozmente, a interpretação da lei deve levar em conta, sempre que possível, os postulados maiores do direito universal. O desafio do juiz está em julgar com Justiça, valendo-se dos princípios éticos-jurídicos num balanceamento dos interesses em conflito. Não lhe compete a simples aplicação das leis. É preciso aplicá-las de modo a encontrar o justo no caso concreto.[1]

Mesmo diante da necessidade posta acima, vivenciamos que nos dias atuais a valorização excessiva da norma jurídica ainda é uma realidade que impede colocar sob proteção a família e seus conflitos de maneira genuína, em razão da impossibilidade de o direito positivo regulamentar as singularidades de cada arranjo familiar.

Daí urge a necessidade de colorir o direito à interdisciplinaridade. Ainda segundo os ensinamentos da Autora, sabe-se que uma sentença judicial raramente produz o efeito apaziguador desejado, principalmente nos processos que envolvem vínculos afetivos desfeitos. A resposta judicial nunca corresponde aos anseios de quem busca muito mais resgatar prejuízos emocionais pelo fim do sonho do amor eterno do que reparações patrimoniais ou compensações de ordem econômica. Independentemente do término do processo judicial, subsiste o sentimento de impotência dos integrantes do litígio familiar.[2]

Desta maneira, certamente não há outro campo em que as técnicas alternativas para levar as partes a encontrar uma solução consensual apresente resultado mais efetivo do que no âmbito dos conflitos familiares, oportunidade em que se torna possível a identificação das necessidades específicas de cada integrante da família, distinguindo funções, papéis e atribuições de cada um.

Dentre as técnicas de aplicação de métodos autocompositivos, cita-se como exemplo: conciliação, mediação, arbitragem, justiça restaurativa, constelação familiar, oficina de parentalidade, design de sistema de disputa, práticas colaborativas, entre outros.

Em uma sintética análise dos métodos autocompositivos mais acessíveis às partes que adentram ao sistema de justiça, seja pela inexistência de altos custos e por ser garantido em lei, temos a conciliação e mediação.

Conciliação é uma forma de solução de conflito na qual uma terceira pessoa pode adotar uma posição mais ativa, porém neutra e imparcial com relação ao conflito. Trata-se de um processo consensual breve, que busca uma efetiva harmonização social e a restauração, dentro dos limites possíveis, da relação social das partes.[3]

Já a mediação busca transformar uma situação adversarial em um processo colaborativo, estimulando o diálogo e a construção criativa da solução pelas próprias partes.[4]

Outra modalidade de sistema de autocomposição de conflitos que vem ganhando espaço no sistema de justiça é a constelação familiar com base no direito sistêmico.

Também nos ensinamentos de MARIA BERENICE DIAS, vem ganhando espaço no âmbito dos juizados de família e sucessões a adoção de outras técnicas de solução de conflitos como a constelação familiar, que deu origem ao Direito sistêmico. Tem fundamento na física quântica e na programação neurolinguística (PNL), baseada no princípio de que “tudo o que é trazido à luz em luz se transforma”.[5]

A constelação familiar consiste na representação das partes e membros das respectivas famílias envolvidos no conflito por outras pessoas, chamadas de estátuas vivas. Trata-se de um método de abordagem que procura chegar à origem das desavenças. Uma técnica psíquicoterapêutica com o propósito de devolver o conflito aos seus autores para que removam algumas camadas e encontrem uma solução efetiva e permanente, restabelecendo a paz familiar.[6]

O Direito sistêmico, por sua vez, tem fundamento e origem na constelação familiar. Foi introduzido no Brasil pelo magistrado Sami Storch, ao observar as chamadas leis sistêmicas que regem as relações. O Direito sistêmico vê as partes em conflito como membros de um mesmo sistema, ao mesmo tempo em que vê cada uma delas vinculada a outros sistemas dos quais simultaneamente façam parte (família, categoria profissional, etnia, religião, etc.) e busca encontrar a solução que, considerando todo esse contexto, traga maior equilíbrio.[7]

Ainda, sem prejuízo da realização das técnicas acima mencionadas, em razão da instituição da Política Judiciária Nacional de tratamento de conflitos de interesses por meio da Resolução nº 125/2010 do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), e considerando a Recomendação nº 50/2014 também do CNJ, a qual incentiva os Tribunais de Justiça dos estados a realizarem estudos de ações tendentes a dar continuidade ao Movimento Permanente de Conciliação, o Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, através do Projeto Conversa de Família, desenvolvido pela Magistrada Adriana de Lourdes Simette – atualmente Juíza de Direito da Vara Descentralizada de Santa Felicidade do Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba/PR, que é realizado juntamente com o CEJUSC (Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania) desta unidade, convida seus jurisdicionados a participarem do referido projeto.

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O Projeto Conversa de Família visa fornecer informações sobre aspectos jurídicos e psicológicos inerentes aos conflitos advindos da ruptura do vínculo conjugal, quanto à dimensão emocional da disputa e de seus efeitos negativos à família e especialmente aos filhos. Objetivam, também, fomentar reflexões e mudanças de percepções e comportamento nos participantes que reflitam na diminuição de atritos, com a facilitação do diálogo e, possivelmente, de autocomposição do litígio.

No âmbito jurídico, são trabalhadas as noções quanto as fases processuais e seus reflexos para as partes e interessados, conceitos de alienação parental, conciliação/mediação, pensão alimentícia, regulamentação de guarda e visitas. Além disso, quanto aos temas de natureza psicológica são abordadas questões atinentes as fases do divórcio e seus impactos sobre os filhos, diferenciação entre funções conjugais e parentais, informações sobre as consequências dos conflitos entre pais e filhos crianças e/ou adolescentes, entre outras questões relevantes.

Podemos concluir, portanto, que os métodos autocompositivos de resolução de conflitos familiares estimulam a reflexão dos participantes e auxilia as famílias envolvidas a criarem relações mais funcionais, especialmente envolvendo o exercício da parentalidade, de forma a contribuir ao adequado desenvolvimento emocional dos filhos e à resolução pacífica de suas controvérsias.


[1] DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 13ª ed. Salvador: Editora Juspodivm, 2020. p. 92.

[2] Idem, p. 95,96.

[3] Idem, p. 96.

[4][4] ALMEIDA, Maria de Fátima. A mediação como método de resolução de conflitos familiares e a alienação parental. In: PEREIRA JÚNIOR, Sylvio (org.). Mestrado em Sistemas de Resolução de Conflitos. Rio de Janeiro: Sapere, 2015. p. 131.

[5] DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 13ª ed. Salvador: Editora Juspodivm, 2020. p. 99.

[6] Idem, p. 99.

[7] Idem. p. 99,100.

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