O ATO ESTATAL DE SUSPENSÃO DE ATIVIDADES DAS EMPRESAS E A RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO
Rogério Tadeu Romano
I – O ARTIGO 486 DA CLT E O FATO DO PRINCIPE
Art. 486 - No caso de paralisação temporária ou definitiva do trabalho, motivada por ato de autoridade municipal, estadual ou federal, ou pela promulgação de lei ou resolução que impossibilite a continuação da atividade, prevalecerá o pagamento da indenização, que ficará a cargo do governo responsável. (Redação dada pela Lei nº 1.530, de 26.12.1951)
§ 1º - Sempre que o empregador invocar em sua defesa o preceito do presente artigo, o tribunal do trabalho competente notificará a pessoa de direito público apontada como responsável pela paralisação do trabalho, para que, no prazo de 30 (trinta) dias, alegue o que entender devido, passando a figurar no processo como chamada à autoria. (Incluído pelo Decreto-lei nº 6.110, de 16.12.1943)
§ 2º - Sempre que a parte interessada, firmada em documento hábil, invocar defesa baseada na disposição deste artigo e indicar qual o juiz competente, será ouvida a parte contrária, para, dentro de 3 (três) dias, falar sobre essa alegação. (Redação dada pela Lei nº 1.530, de 26.12.1951)
§ 3º - Verificada qual a autoridade responsável, a Junta de Conciliação ou Juiz dar-se-á por incompetente, remetendo os autos ao Juiz Privativo da Fazenda, perante o qual correrá o feito nos termos previstos no processo comum. (Incluído pela Lei nº 1.530, de 26.12.1951)
Ensinou Valentim Carrion(Comentários à consolidação das leis do trabalho, 6ª edição atualizada pág. 332) que “é o factum principis, uma das espécies de força maior: a repercussão do ato governamental poderá ou não ser imediata no tempo(cessação por determinação do governo ou prejuízos decorrentes do mesmo, Cesarino Jr.(Direito social brasileiro, II, pág. 139); a supressão da atividade pode ser total ou de um dos ramos da empresa: a causa poderá ser uma lei ou um ato administrativo legal ou ilegal: paralisação temporária do trabalho que, entretanto, impossibilite a continuação das atividades”.
Para a configuração do fato do príncipe, de forma que o empregador possa elidir a sua responsabilidade pelo evento, será necessária a ocorrência das seguintes situações fáticas, quais sejam:
a) a imprevisibilidade do evento danoso;
b) a inexistência de concurso direto ou indireto do empregador no aludido fato;
. c) a necessidade imperativa de que o evento atinja frontalmente e significativamente a situação econômico-financeira do empreendimento do empregador.
Trata-se de um ato de autoridade.
Mozart Victor Russomano(CLT anotada, 5ª edição, 2003) já declarava que o “factum principis é ato de autoridade pública que determina a suspensão temporária ou definitiva das atividades da empresa, evidentemente, na forma da definição do art. 501 e ss., é modalidade de força maior”.
Declara ainda aquele autor que sobre o factum principis existe norma especial, contida no art. 486 da CLT, que transfere a responsabilidade pelo pagamento das verbas rescisórias à pessoa jurídica de Direito Público, que praticou o ato determinador da suspensão (temporária ou definitiva) do trabalho da empresa.
Ora, os decretos federais, estaduais e municipais que impuserem a paralisação de atividades para confinamento por conta do covid-19 são atos de autoridade e devem ser enquadrados no disposto no artigo 486 da CLT em plena vigência para o momento.
As empresas, por certo, não contribuíram para essa interdição. O covid-19 é um fato que atinge, democraticamente, a todos, independentemente, de nível social, ideologia.
Em casos de demissão o optante poderá levantar o FGTS com todos os seus acréscimos.
Na linha de Magano(Lineamentos, pág. 212), sabe-se que os diversos institutos laborais conferem direitos a título geral e como regra; a sua perda pelo empregado só se concebe mediante norma expressa em sentido contrário, atribuindo-se ao risco empresarial todos os ônus que lhe advém, mesmo sem culpa e mesmo imprevisíveis. Ora, a configuração desse factum principis noticiado é a melhor evidência de forma que exclue-se a responsabilidade patronal diante desses atos discricionários da administração, de forma a suspender o funcionamento das empresas, permitindo-se apenas aquelas que se considerem imprescindíveis(serviços de saúde, etc).
É certo que o TST, no julgamento do RR 2.511, Revista do TST, 1970, pág. 173.
O factum principis se distingue ligeiramente da força maior, pois depende de determinação de autoridade governamental, em que a empresa tem de encerrar ou paralisar a atividade por determinação da autoridade pública.
A denominada “Teoria do Fato do Príncipe” funde-se na premissa de que a Administração Pública não pode causar danos ou prejuízos aos seus administrados, ainda que em benefício da coletividade; desse modo, sendo inevitáveis os prejuízos, surge a obrigação de indenizar.
O outro entendimento se posiciona no sentindo de que o art. 486, CLT diz que é de responsabilidade da autoridade estatal que fez o ato de proibição ou de paralisação da atividade. Portanto, a autoridade não pode se beneficiar daquilo que o empregador, atingido pelo excessivo ônus de manter aqueles empregados em força maior, deveria pagar. Isto é, a benesse legal de se pagar metade da indenização adicional é dirigida aos empregadores e não a terceiros, de modo que, a Administração deve indenizar de forma integral (40%).
A jurisprudência segue no sentido de responsabilizar a administração pública pelo pagamento, seja na análise do caso concreto, conforme o Tribunal Regional da 3ª região – Minas Gerais – TRT3, quanto a interpretação do dispositivo celetista, conforme Tribunal Superior do Trabalho – TST:
TRT3 - “FACTUM PRINCIPIS”. DESAPROPRIAÇÃO. RESCISÃO DO CONTRATO DE TRABALHO. RESPONSABILIDADE. AVISO PRÉVIO INDENIZADO. MULTA DE 40% DO FGTS. ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. Deve ser admitida a ocorrência do “factum principis” quando a rescisão do contrato de trabalho decorrer de ato da administração pública que não pode ser evitado pelo empregador, que se vê obrigado a encerrar suas atividades econômicas. Órgão: Turma Recursal de Juiz de Fora/TRT 3ª Região. Processo: RO 0001757-58.2013.5.03.0036. Disponibilização: DEJT – 19/02/2015 TST - "AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. CONFIGURAÇÃO DO FACTUM PRINCIPIS. DESAPROPRIAÇÃO DE TERRENO RURAL. FIM SOCIAL DA PROPRIEDADE. RESPONSABILIDADE. INTERPRETAÇÃO DO ARTIGO 486 DA CLT. Verificado que o posicionamento adotado no acórdão regional baseou-se na interpretação do artigo 486 da CLT, e que a interpretação conferida não atenta contra a literalidade da mencionada norma, não há de se falar em modificação do julgado. Sendo indiscutível a natureza interpretativa da matéria combatida, certo é que, se uma norma pode ser diversamente interpretada, não se pode afirmar que a adoção de exegese diversa daquela defendida pela parte enseja violação literal dessa regra, pois essa somente se configura quando se ordena expressamente o contrário do que o dispositivo estatui. Nesta senda, competia ao Recorrente demonstrar a interpretação diversa dos dispositivos em questão entre Tribunais Regionais do Trabalho ou a SBDI-1 desta Corte, nos termos do artigo 896, "a", da CLT, ônus do qual não se desincumbiu. Agravo de Instrumento conhecido e não provido"
(AIRR-1770-57.2013.5.03.0036, 4ª Turma, Relatora Ministra Maria de Assis Calsing, DEJT 18/12/2015).
II - A RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA DO ESTADO
Pedro Lessa sintetiza os três sistemas de responsabilidade em direito público: teoria do risco integral, ou por causa do serviço público; teoria da culpa administrativa; teoria do acidente administrativo ou da irregularidade do funcionamento do serviço público.
Disse ele que, desde que um particular sofre um prejuízo em consequência do funcionamento (irregular ou regular, pouco importa) de um serviço público organizado no interesse de todos, a indenização é devida como corolário do princípio da igualdade dos ônus e encargos sociais; segundo a teoria da culpa administrativa, só há direito à indenização, quando se prova imprudência, negligência ou culpa de qualquer espécie dos órgãos e propostos da União; a terceira teoria tenta a conciliação das anteriores: assim pressupõe o princípio da igualdade dos ônus e encargos sociais, mas não vai a ponto de mandar que se indenizem todos os prejuízos resultantes do funcionamento, regular ou irregular, dos serviços públicos; sente-se neste terceira teoria um vestígio do conceito de culpa, mas a culpa, aqui, é impessoal, objetiva do serviço público como expôs no conhecido Do Poder Judiciário, pág. 165.
Na teoria do risco integral, o prejuízo sofrido pelo particular é consequência do funcionamento, seja regular ou irregular, do serviço público.
Mas visando atenuar a amplitude da responsabilidade objetiva constitucional, Hely Lopes Meirelles acena com uma discriminação do conceito de risco, mas que recebe a oposição de autores como Alcino Falcão (Responsabilidade patrimonial das pessoas jurídicas de direito público, RDP 11:45). Para Hely Lopes Meirelles (Direito Administrativo brasileiro, São Paulo, 1978) , a teoria do risco integral faz surgir a obrigação de indenizar os danos, do ato lesivo e injusto causado à vítima pela Administração, não se exigindo qualquer falta do serviço público, nem culpa dos seus agentes; basta a lesão, sem o concurso do lesado; baseia-se esta teoria no risco que a atividade pública gera para os administrados e na possibilidade de acarretar danos a certos membros da comunidade impondo-lhes um ônus não suportado pelos demais. Entendia Hely Lopes Meirelles que a teoria do risco administrativo não se confunde com a teoria do risco integral: “Nesta a Administração ficaria obrigada a indenizar todo e qualquer dano suportado por terceiros, ainda que resulte de culpa ou dolo da vítima”; no risco administrativo embora se dispense a prova da culpa da Administração, permite-se que o Poder Público demonstre a culpa da vítima para excluir ou atenuar a indenização.
Mostra, logo após, que a teoria do risco administrativo, embora dispense a prova da culpa da Administração, permite que o Poder Público demonstre a culpa da vítima, para excluir e atenuar a indenização, o que não aconteceria no caso de risco integral, modalidade extremada do risco administrativo, e segundo o qual a Administração fica obrigada a indenizar todo e qualquer dano suportado por terceiros, ainda que resultante de culpa ou dolo da vítima. Ora, como observam Mário Marzagão e Otávio de Bastos (Responsabilidade pública, 1956), essa teoria jamais foi acolhida em toda a sua intensidade.
A teoria do risco administrativo foi adotada pela doutrina, sendo reconhecida como a que mais se mostra adequada à compreensão da responsabilidade civil do Estado, acrescentando-se que, na legislação brasileira, a Administração Pública pode ser responsabilizada na forma do risco integral apenas quando praticar dano ambiental, na forma do artigo 14 da Lei 6.938/81, e artigo 225, § 3º, da Constituição Federal, ou dano nuclear, nos termos do artigo 21, XIII, alínea “ d”, da Constituição Federal.
Será a teoria do risco administrativo apontada a objeto de utilização pelos operadores do direito no sentido de exigir a responsabilidade do Estado pelo factum principis delineado.
III – A RESPONSABILIDADE CIVIL DAS EMPRESAS
Se o empregador não dispensar os trabalhadores com mais de 60 anos e do grupo de risco e estes vierem a ser acometidos pelo vírus e sofrer alguma sequela, as empresas poderão responder em juízo ou administrativamente por responsabilidade objetiva (art. 927, p.u, código civil), por danos materiais e morais.
Essa responsabilidade advirá de culpa comprovada caso a caso.
IV – CONCLUSÕES
Na linha de Letícia Vaga de Figueiredo(Coronavírus, a rescisão do contrato de trabalho perante o factum principis, Migalhas), vê-se então que a aplicação do “factum principis” aponta como medida viável para a Empresa quando da rescisão dos contratos de trabalho por força maior, considerando toda sua estrutura, não se limitando, mas, sobretudo, financeira, ainda que em benefício da própria coletividade, deve ser imputada à Administração Pública a responsabilidade pelo pagamento da indenização rescisória.
Trago à colação importante conclusão de Enoque Ribeiro dos Santos(Responsabilidade do empregador e fato do príncipe nos tempos do coronavírus) neste ponto que se o empregador tiver suas atividades suspensas, temporária ou definitivamente, por ato estatal (Município, Estado e União), sem que tenha havido de sua parte qualquer concurso direto ou indireto e o evento, no caso, a pandemia do coronavírus atingiu frontalmente e substancialmente sua situação econômica e financeira, o Estado deverá responder solidariamente por eventuais custos com rescisão de contratos de trabalho de empregados da empresa, enquanto esta responderá por suas inerentes responsabilidade contratuais (salários pendentes, férias atrasadas, normais, terço constitucional etc).
Portanto, havendo dispensa individual ou coletiva (esta preferencialmente negociada com o sindicato da categoria profissional para que não haja problemas com as autoridades), o Estado, nos casos do coronavírus, deverá responder solidariamente com as empresas pelas verbas da indenização. As verbas rescisórias ficarão a cargo do Estado, como responsável solidário, e as verbas normais do contrato de trabalho sob a responsabilidade do empregador.
Assim a conclusão já trazida por Enoque Ribeiro dos Santos é de que não remanesce dúvida que a pandemia do coronavírus pode ser caracterizada como força maior, um ato da natureza (mesmo que eventualmente tenha sido criado em laboratório pelo homem), mas se espalhou pelo globo e certamente afetará relações jurídicas por onde quer que se expanda.
Desta forma, podemos concluir neste ponto que se o empregador tiver suas atividades suspensas, temporária ou definitivamente, por ato estatal (Município, Estado e União), sem que tenha havido de sua parte qualquer concurso direto ou indireto e o evento, no caso, a pandemia do coronavírus atingiu frontalmente e substancialmente sua situação econômica e financeira, o Estado deverá responder solidariamente por eventuais custos com rescisão de contratos de trabalho de empregados da empresa, enquanto esta responderá por suas inerentes responsabilidade contratuais (salários pendentes, férias atrasadas, normais, terço constitucional etc).
Falo assim que as entidades no estado federal que decretaram a suspensão dos serviços são responsáveis solidariamente(pois a solidariedade vem da lei) pelos prejuízos trazidos aos agentes.
Adota-se para o caso a teoria do risco administrativo, à luz de uma responsabilidade objetiva.