Honorários de Sucumbência e a Prevalência da Regra Geral do art. 85, § 2º, NCPC

27/03/2020 às 15:10
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Discute-se, no presente artigo, a regra de fixação dos honorários de sucumbência no Novo CPC, que estabelece a regra geral dos honorários em percentual sobre o proveito econômico, e a equidade somente de maneira subsidiária.

Muito se discute, em nossos Tribunais, sobre os honorários de sucumbência, ora solicitando sua majoração, ora a sua redução, ou ainda questionando os critérios para a sua fixação. De toda forma, esse tema é sempre uma questão controversa.

O Novo Código de Processo Civil, no objetivo de pacificar o tema, trouxe balizas mais objetivas para os honorários, tal como se verifica no art. 85, § 3º, NCPC, que trata da sua fixação nas causas envolvendo a Fazenda Pública, cujo critério é eminentemente objetivo.

Todavia, ainda assim, diuturnamente surge a discussão quanto aos honorários advocatícios fixados por equidade (art. 85, § 8º, NCPC, antigo art. 20, § 4º, do CPC/73) e quando esse critério deve ser utilizado.

No presente artigo, sem a pretensão de esgotar o tema, defendemos que a fixação dos honorários advocatícios em percentual sobre a condenação, proveito econômico ou valor da causa (art. 85, § 2º, NCPC) é a regra geral do Novo Código de Processo Civil, restando a fixação por equidade (art. 85, § 8º, NCPC) apenas de forma subsidiária e excepcional.

A nosso sentir, o Novo Código de Processo Civil foi categórico ao prever, no art. 85, § 2º, a regra geral para a fixação dos honorários:

§ 2º Os honorários serão fixados entre o mínimo de dez e o máximo de vinte por cento sobre o valor da condenação, do proveito econômico obtido ou, não sendo possível mensurá-lo, sobre o valor atualizado da causa, atendidos:

De outro lado, o Novo Código de Processo Civil também foi expresso quanto à equidade ser a exceção (§ 8º):

§ 8º Nas causas em que for inestimável ou irrisório o proveito econômico ou, ainda, quando o valor da causa for muito baixo, o juiz fixará o valor dos honorários por apreciação equitativa, observando o disposto nos incisos do § 2º.

A norma estabeleceu a regra geral e a exceção, de forma didática: a equidade só tem lugar quando for muito baixo o valor da causa, quando for muito baixo o proveito econômico (irrisório) ou quando este não puder ser mensurado (inestimável).

Nesse ponto, há quem defenda que o termo “inestimável” do § 8º do art. 85 do NCPC teria sido utilizado com a acepção de “muito elevado”, de modo que a fixação dos honorários por equidade teria lugar também para as causas de elevado valor.

Todavia, não concordamos com essa posição. Afinal, a prevalecer essa tese, estar-se-ia dando prevalência para a subjetividade na fixação dos honorários (por equidade), deixando de lado os critérios objetivos (percentual sobre a condenação, valor da causa ou proveito econômico).

Ora, qual seria o critério para definir o que é uma causa de valor para que os honorários fossem por equidade, e não em percentual? Sem um critério objetivo, a equidade poderia ser utilizada indiscriminadamente.

No nosso ponto de vista, o Novo CPC não pretendeu adotar a subjetividade na fixação dos honorários. Ao contrário, buscou o máximo de objetividade. Tanto é assim que, em relação à Fazenda Pública, os critérios são objetivos, e o percentual dos honorários vai depender do proveito econômico, mensurado em salários mínimos (art. 85, § 3º, NCPC).

Ademais, a técnica legislativa da ordem dos parágrafos deixa claro que a prevalência do NCPC foi pela objetividade da fixação dos honorários: primeiro vem o § 2º, que determina a fixação dos honorários em percentual, e só depois vem o § 8º, que permite a fixação por equidade nas restritas hipóteses ali tratadas.

Portanto, a regra geral é a fixação dos honorários em percentual sobre a condenação, o proveito econômico ou sobre o valor da causa, ainda que sejam eles elevados, pois a equidade tem lugar apenas em caso de ser “inestimável ou irrisório o proveito econômico” ou quando “o valor da causa for muito baixo”.

A equidade foi prevista para valor da causa muito baixo, e não para valor da causa muito alto. Dessa forma, só caberá a fixação dos honorários por equidade quando o proveito econômico não for mensurável (inestimável) ou quando for muito baixo (irrisório).

Assim, não se pode permitir a fixação de honorários advocatícios por equidade para casos em que o proveito econômico ou valor da causa sejam elevados, sob pena de se desvirtuar a exegese da norma, pois o art. 85, § 8º nada disse sobre elevado valor da causa. 

Com efeito, inestimável é o proveito econômico que não se pode estimar, e não simplesmente o proveito econômico elevado.

A própria interpretação gramatical do termo “inestimável” permite essa conclusão, de que a norma utilizou o vocábulo na sua definição principal, qual seja, algo incalculável, inapreciável, e não a valores elevados.

É o que se verifica das principais definições gramaticais do termo “inestimável” dos dicionários. Segundo Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, no Novo Dicionário da Língua Portuguesa, 2ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986, inestimável quer dizer: “1. Que não se pode estimar ou avaliar”. Somente na terceira definição do termo é que vem a possibilidade de inestimável representar algo de “valor altíssimo”: “3. Que tem valor altíssimo, ou cujo valor é altíssimo: objetos inestimáveis; joias de valor inestimável”.

Da mesma forma é o Dicionário Eletrônico Houaiss da Língua Portuguesa, (2009), segundo o qual: “Inestimável: 1. difícil ou impossível de ser estimado, avaliado; inapreciável, incalculável. 2. Derivação: por extensão de sentido. de grande valor; incalculável”.

De igual modo é o Dicionário Escolar Silveira Bueno (Ediouro, 2011): “Inestimável: Adj.1 Que não pode ser estimado ou avaliado; 2 Cujo valor é muito alto. 3 Que se tem em alto grau de consideração”.

Nota-se que a primeira e principal definição gramatical do termo inestimável é algo que não pode ser estimado ou avaliado. E esse foi o sentido utilizado pelo legislador.

Afinal, se a vontade do legislador fosse permitir honorários por equidade quando o valor da causa ou do proveito econômico fossem muito elevados, teria sido mantida a redação do antigo art. 20, § 4º, CPC/73, que previa honorários por equidade para “causas de pequeno valor, [ou] nas de valor inestimável”.

Vale a distinção: no CPC/73, o termo “inestimável” foi utilizado em contrapartida à “causas de pequeno valor”. Ou seja, ali o sentido do termo inestimável era “valor elevado”. 

No NCPC, ao contrário, o termo “inestimável” foi usado em contrapartida a “irrisório”, que significa insignificante, irrelevante. Assim, o sentido de inestimável foi o de incalculável (e em relação ao proveito econômico, e não mais quanto ao valor da causa). 

Ou seja, no CPC/73, inestimável foi usado em oposição a pequeno valor, ou seja, no sentido de elevado valor, ao passo que no NCPC, inestimável foi utilizado em contrapartida a irrisório, insignificante, irrelevante, ou seja, no sentido de imensurável, incalculável.

Ademais, no próprio § 8º do art. 85, o legislador estabeleceu, em relação ao valor da causa, que a equidade tem lugar apenas quando este for “muito baixo”. Nada foi dito quanto ao valor da causa ser “muito elevado”.

Por esse motivo é que, em relação ao proveito econômico, a melhor interpretação é no sentido de se permitir a equidade apenas quando o proveito econômico for incalculável ou insignificante, e não quando for ele elevado.

Nesse ponto, vale lembrar da doutrina de Araken de Assis[1], no sentido de que a equidade se presta apenas para majorar os honorários ínfimos ou irrisórios, e não para reduzi-los quando houver proveito econômico considerável:

“Da análise dos elementos de incidência do art. 85, §8º, verifica-se o cabimento do juízo de equidade em duas situações:(a) inestimável ou irrisório o proveito econômico ou (b) muito baixo o valor da causa. Fora daí, portanto, aplicar-se-á o art. 85, §2º, ou, no caso da Fazenda Pública, as regras particulares (art. 85, §3º) ”.

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Esses elementos de incidência revelam, ademais, o propósito latente da regra. Não se presta o juízo de equidade para reduzir os honorários, como acontece no caso da desapropriação (infra, 733), mas para aumentá-los, toda vez que a base de cálculo implique em verba pequena e incompatível com o exercício da profissão. ”

Para Cássio Scarpinella Bueno, a fixação equitativa de honorários de advogado “deve ficar restrita às hipóteses referidas no próprio § 8º do artigo 85, isto é, quando o proveito econômico perseguido for inestimável ou irrisório ou quando se tratar de valor da causa tão baixo que a fixação percentual referida nos §§ 3º e 4º do mesmo art. 85 não teria o condão de remunerar condignamente o trabalho do advogado”.

Segundo o referido autor, “entendimento contrário seria fazer prevalecer regra similar à do § 4º do art. 20 do CPC de 1973 que foi, como já destaquei acima, abolida do sistema processual pelo CPC de 2015”[2] .

Nesse mesmo sentido foi entendimento da 2ª Seção do Superior Tribunal de Justiça, ao pacificar a discussão no REsp nº 1.746.072, Relator para o Acórdão Min. Raúl Araújo, julgado em 13.2.2019, na qual foi fixada a seguinte tese:

O § 2º do referido art. 85 veicula a regra geral, de aplicação obrigatória, de que os honorários advocatícios sucumbenciais devem ser fixados no patamar de dez a vinte por cento, subsequentemente calculados sobre o valor: (I) da condenação; ou (II) do proveito econômico obtido; ou (III) do valor atualizado da causa”. 

Interessante observar os parâmetros adotados pela 2ª Seção do Superior Tribunal de Justiça no referido caso. 

Na ocasião, adotou-se a posição aqui defendida, de que “o § 2º do referido art. 85 veicula a regra geral, deaplicação obrigatória, de que os honorários advocatícios sucumbenciais devem ser fixados no patamar de dez a vinte por cento, subsequentemente calculados sobre o valor: (I) da condenação; ou (II) do proveito econômico obtido; ou (III) do valor atualizado da causa;

Também se entendeu que “o § 8º do art. 85 transmite regra excepcional, de aplicação subsidiária, em que se permite a fixação dos honorários sucumbenciais por equidade, para as hipóteses em que, havendo ou não condenação: (I) o proveito econômico obtido pelo vencedor for inestimável ou irrisório; ou (II) o valor da causa for muito baixo.

Elucidativa, ainda, a decisão do STJ no AgInt-REsp nº 1.820.748, Rel. Min. Moura Ribeiro, DJe 18.12.2019, na qual se assentou não ser possível a fixação dos honorários por equidade apenas com base “valor da causa ou proveito econômico considerado excessivo, considerando-se a existência de comando legal expresso, que é a regra geral, determinando sua fixação em percentual entre 10% e 20%, salvo nos casos expressos no art. 85, § 8º, do NCPC”.[3]

De igual modo é o Enunciado nº 6 da I Jornada de Direito Processual Civil do Conselho da Justiça Federal – 2017:

Enunciado 6. A fixação dos honorários de sucumbência por apreciação equitativa só é cabível nas hipóteses previstas no § 8º do art. 85 do CPC.

Nosso entendimento é na mesma linha do STJ, no sentido da “existência de comando legal expresso, que é a regra geral, determinando [a fixação dos honorários] em percentual entre 10% e 20%” (AgInt-REsp nº 1.820.748, Rel. Min. Moura Ribeiro, DJe 18.12.2019).

E mais: não cabe a fixação de honorários por equidade sob o fundamento de que o valor da causa ou do proveito econômico seja muito elevado, pois o § 8º do art. 85 só permite a equidade para proveito econômico inestimável no sentido de imensurável, incalculável, e não para um simples proveito econômico elevado.


[1] ASSIS, Araken de. Processo Civil brasileiro. Parte geral: institutos fundamentais. fl. 433 volume II – Tomo I.

[2] Honorários Advocatícios e o art. 85 do CPC de 2015: reflexões em homenagem ao professor José Rogério Cruz e Tucci, Estudos de Direito processual Civil em homenagem ao Professor José Rogério Cruz e Tucci, Salvador: Jus Podivm, 2018, p. 134.

[3] No mesmo sentido: REsp nº 1.757.742, Rel. Min. Raul Araújo, DJe de 23.05.2019; AgInt-AREsp nº 1.249.196, Rel. Min. Luis Felipe Salomão; REsp nº 1.862.076/CE, Rel. Min. Raúl Araújo, DJe de 18/03/2020; AREsp nº 1.342.003/SP, Rel. Min. Antônio Carlos Ferreira, DJe de 05/09/2019; AgInt-AREsp nº 983.554/PR, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, DJe de 24/08/2018; AgInt-AREsp 1.187.650/SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, DJe 30/04/2018, dentre outros

Sobre o autor
Rafael Sasse Lobato

Advogado do Escritório Gabriela Rollemberg Advocacia. Graduado em Direito pelo Centro Universitário de Brasília – UniCEUB. Pós-Graduado em Direito Tributário pelo Instituto Luiz Flávio Gomes. Membro da Associação Brasiliense de Direito Processual Civil (ABPC).

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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