BREVES COMENTÁRIOS: O ART. 97 DO CÓDIGO DE ÉTICA E DISCIPLINA DOS MILITARES DE MINAS GERAIS E A SUBSTITUIÇÃO ILEGAL DA LEGISLAÇÃO VIGENTE

29/03/2020 às 17:28
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O presente artigo tem foco na análise do art. 97 - do Código de Ética e Disciplina dos Militares de Minas Gerais; detalhadamente, sobre a incompetência da PMMG e do CBMMG, de implantarem normas de forma irregular, com verdadeiro envoltório de valor legal.

Antes de adentrar na temática a ser propriamente debatida, importante elucidar que, a opinião aqui detalhada trata-se de exposição exclusivamente técnico-acadêmica sobre o assunto, fruto de pesquisa científica metodológica elaborada pelo Autor. Não havendo qualquer objetivo em distorcer ou criticar decisões administrativas já consolidadas sobre o tema, assim como, as autoridades citadas durante o texto.

Esclarecido isso, no artigo da semana o foco ficará na análise do art. 97 do Código de Ética e Disciplina dos Militares de Minas Gerais, bem como sua combinação com o art. 91, do mesmo Diploma; mais detalhadamente, sobre a competência dos Comandantes-Gerais, da PMMG e do CBMMG, em implantarem normas, por meio da Administração Castrense, de forma irregular, e com verdadeiro envoltório de valor legal, substituindo a legislação aprovada, e em vigor, por meras resoluções ou instruções administrativas. Diz o artigo 97 do CEDM/MG:    

Art. 97. Os casos omissos ou duvidosos, resultantes da aplicação deste Código, serão normatizados pelo Comandante-geral, mediante atos publicados no Boletim Geral das IMEs ou equivalente no CBMMG.

Considerando a norma legislativa descrita, este signatário, se receia da atual utilização dos fundamentos presentes no art. 97 do CEDM/MG; visto que, é de conhecimento geral, a não observação, com os cuidados necessários sobre o que realmente é normatizar casos omissos ou duvidosos.

Observe que, apenas em uma consulta inicial, na atuais normas internas das corporações militares mineiras, pode-se visualizar várias orientações administrativas com publicação destoante ao conceito de omissão ou dúvida, empenhos obrigatórios na normatização desses atos.

Primeiramente, cabe uma atenção especial ao termo NORMATIZAÇÃO. Normatizar uma lei, é na sua essência elaborar regras que determinem certeza às questões formais de um ponto omisso ou duvidoso presente na norma legislativa aprovada. Logicamente, ao se determinar como sendo uma questão formal, tem-se que o ato de normatizar não é interpretativo, mas segue um rito lógico, ou seja, não cabe a uma autoridade interpretar se um determinado termo é menos ou mais aproveitável em certo caso; visto que, tal característica é essencialmente interpretativa, sendo, então, de análise subjetiva, não podendo ser taxativamente definida, pois tem caráter abstrato, particular à cada necessidade de análise.

O que se busca na normatização, como o próprio Código de Ética deixa claro, é taxativamente a possibilidade de normatizar casos omissos ou duvidosos que estejam como parte da sua aplicação.

Por “casos omissos” deve-se se entender, e apenas isso, certos casos não previstos em legislação, que podem, desse modo, serem julgados em conformidade com interpretação a casos análogos. Assim, não existirá nenhuma omissão nos casos em que já houver legislação que a defina. Note que, não são muitos os casos propriamente omissos na legislação aprovada pelo CEDM/MG, isso pelo fato, simples, de que, a norma legislativa referida faz, em muitos casos, a devida previsão normativa dos seus mandamentos.

Aliás, importante pontuar que, neste tema, o próprio MAPPA, em seu art. 558, deixa claro que, deve-se aplicar, subsidiariamente aos preceitos das Instituições Militares Estaduais do Estado de Minas Gerais, as mais variadas normas reguladas em leis e códigos, tornando assim, um caminho legal para os casos, em tese, omissos na legislação mineira, sem necessidade de forçar a publicação de normas internas, apenas como parâmetro administrativo, sem penas ao administrado.

Nesse compasso, deve-se entender que, a “omissão” prevista como autorizadora ao Comandante-Geral para normatizar questões, deve ser revelada exclusivamente, e apenas, em questões subjetivas à interpretação da norma que conflite com a aplicação do CEDM/MG, ou seja, não bastará uma análise unilateral da instituição, como permissiva ao Comando da Instituição Militar a se dar ao trabalho de analisar, comentar e anotar o previsto na Lei.   

Por outro lado, partindo do mesmo princípio, os “casos duvidosos” devem ser observados como aqueles que causam dúvidas na sua leitura formal, não guardando qualquer relação com o mérito da norma. Na análise do mérito legislativo, sua demanda, obviamente, nova postura política e não meramente atos administrativos.

Para a ocorrência da referida necessidade – de normatização pelo Comando –, seja pela omissão ou pela presença de casos duvidosos, deve-se ficar demonstrado claramente a ausência de ponto que esclareça o ato, ou que, na sua presença, esteja substanciada dúvida que impeça a interpretação aplicativa do próprio ato. Nestes casos, e apenas nestes, ficando autorizado, óbvio, unicamente o esclarecimento da questão omissa ou duvidosa. Não podendo haver complementação argumentativa que crie obrigações ou reduza direitos.

Diante da explanação, parece inviável, na presença de um Estado Democrático de Direito, constituído com leis modernas e abrangentes, ainda existir uma interpretação extensiva, de maneira escancarada ao presente artigo. Utilizado sem parâmetros nos preceitos do Direito e da Justiça, acabando por, ilegalmente, regulamentar autorização irrestrita a uma autoridade sem a devida competência legislativa ou executiva.

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Interessante destacar ainda que, na seara do Poder Executivo, a própria Lei nº 14.310/2002, em seu artigo 91, estabelece autorização ao Governador do Estado, em “baixar normas complementares” para a aplicação do Código. Tendo como referência essa premissa legislativa e baseado no Art. 6º – do Decreto nº 18.445/1997 [R-100][1], que destaca, dentre outras, algumas competências delegantes do Governador do Estado ao Comandante-Geral da PMMG, principalmente em seus incisos VI e XI, justamente aqueles utilizados para sustentar a legalidade de alguns dos atos normativos publicados, as Instituições Militares Estaduais vêm decidindo questões, que seriam de competência do Executivo Estadual, e que em muito, também, ultrapassam os atos necessários ao perfeito funcionamento e eficácia das suas atividades. Impondo assim, normas complementares de competência exclusiva do Governador sem qualquer autorização, como sendo meras questões administrativas. Estas, que obviamente, não poderiam trazer prejuízos, inclusive funcionais e disciplinares, aos administrados.

Como se pode perceber, seja pelo princípio instituído no art. 97 do CEDM/MG, ou mesmo pela delegação instruída no Decreto nº 18.445/77, os comandantes-gerais das IMEs, não detém competência específica para “legislar” ou “decretar”, como vêm fazendo, criando interpretações, e não apenas normatizações. Nesse sentido, não há como deixar de apontar a ilegalidade formada em muitas das normativas expedidas pela PMMG ou pelo CBMMG. Ilegalidade esta, nos termos exatos de muitas das regras que se fixaram em grande parte do Manual de Processos e Procedimentos das Instituições Militares de Minas Gerais [MAPPA].

Por lógico, como pode ser observado, mesmo nos casos que geram dúvidas ou sejam omissos, o Comandante-Geral não terá à sua disposição o irrestrito cunho discricionário do Poder Administrativo, isso, levando em consideração que aquele Comando, necessitará de motivação equilibrada (equilíbrio entre administração e administrado) para formar sua normatização dentro da legislação existente.

Ora, qualquer intervenção do Comandante-Geral que ultrapasse o conceito formal e jurídico proposto aos “casos omissos ou duvidosos” estará fugindo ao Princípio do Direito Constituído, já que, dá ao Comando a prerrogativa de legislar ou de decretar; podendo, inclusive, mudar – como já o fez –os ditames e a própria interpretação da lei a qualquer momento, apenas considerando o interesse do comandante de plantão.

Ainda no mesmo espectro argumentativo, outro fator a ser considerado, considerando a óptica jurídica deste Autor, são as instruções, principalmente aquelas redigidas e emitidas pelos Corregedores das instituições militares de Minas Gerais, assim como também, implantadas por outras autoridades, que de forma alguma representam mandamentos legais, mesmo que administrativo, já que, tais autoridades não detém competência institucional para qualquer espécie de decisão administrativa que respalde orientação sobre questões desenvolvidas no CEDM/MG, devendo suas instruções apenas servirem como ensino de orientação, sem valor normativo.

Nessa ótica, em tese, as instruções de corregedorias, tem por base legal, o inciso XI, do art. 4º – da Resolução 3771, de 20 de julho de 2004, que autoriza ao Coronel – Chefe da CPM, “expedir boletins técnicos e instruções na área de correição e de justiça e disciplina”. Todavia aquela resolução, que dispõe sobre o Regulamento das Corregedorias de Polícia Militar, é taxativa em regulamentar as competências das Corregedorias na estrutura institucional. Não havendo dentre as competências da CPM o poder de regulamentar instruções normativas, que esclareçam omissões legislativas, como por exemplo, o que vem sendo feito e consolidado (de maneira ilegal) com as instruções de corregedorias, onde claramente há normatização, de forma não autorizada, de preceitos disciplinares legalizados na Lei nº 14.310/2002.

SMJ...  

 

 

 

 

 

 

 

 

 


[1] Art. 6º. (...). VI – decidir questões administrativas; (...) XI – praticar os atos necessários ao perfeito funcionamento e eficácia das atividades policiais militares; (...)

Sobre o autor
Eder Machado Silva

Advogado. Militar da reserva da PMMG. Bacharel em Filosofia. Especialista em Direito Militar, Direito Constitucional e em Direito Processual Civil. Mestre em Direito. Doutorando em Direito Constitucional Comparado, pelo Centro Alemão de Gerenciamento de Projetos Jurídicos (ZRP) – em Leipzig na Alemanha. Membro Efetivo-Curricular da Academia de Letras João Guimarães Rosa – da PMMG. Professor universitário. Autor de livros jurídicos (E-mail: [email protected]).

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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