Morte da vítima ou do réu. Você sabe o que acontece com o processo?

Leia nesta página:

Breves considerações acerca das consequências jurídicas ocasionadas em razão da morte da vítima ou do réu no curso da marcha processual.

É certo que a morte do réu ou da vítima no curso do processo penal traz consequências variadas, a depender do caso concreto enfrentado. Isso porque o réu, por exemplo, se vier a falecer no curso do processo penal, acabará por ensejar a extinção da punibilidade daquela ação, isto é, o processo acaba ali, sem maiores implicações para os demais envolvidos, por expressa previsão legal, a saber, o art. 107, inciso I, do Código Penal.

Se pensarmos, caro leitor, tal consequência é até muito óbvia, concorda? Situação esdrúxula seria dar continuidade a um processo de que o próprio réu não mais compareça para ver-se inocentado ou para cumprir a sanção que viesse a ser imposta em seu desfavor, depois de oportunizado o exercício de seu direito constitucional ao contraditório e a ampla defesa, por óbvio.

Se tal é a constatação no caso de morte do réu, diferentes são as análises que serão realizadas no caso de morte da vítima. Para respondermos a indagação inicial neste caso específico, permita-nos abrir um breve parênteses apenas para explicar alguns conceitos que nos serão de grande valia para extrairmos um entendimento mais aprofundado da situação.

Vejamos. As consequências da morte da vítima no curso do processo podem variar, a depender das circunstâncias em que tal evento se deu. Para tanto, incumbe-nos esclarecê-los acerca das espécies de ação penal que possuímos em nosso ordenamento jurídico.

Alguns crimes, para serem investigados, necessitam de uma espécie de “autorização” da vítima, o que chamamos tecnicamente de representação. Exemplo dele é o crime de ameaça (art. 147 do Código Penal), pois, convenhamos, pressupõe-se que o interesse maior de noticiar uma suposta ameaça sofrida é da própria vítima. Iniciada a ação penal por representação da parte ofendida, dali em diante prosseguirá seu curso regular sem que dela dependa.

Mas caso a parte ofendida não queira noticiar os fatos em uma Delegacia de Polícia, não pode outro fazê-lo em seu lugar, pois, neste caso, subentende-se que se a própria vítima, pessoa a quem supomos ser a maior interessada em uma eventual responsabilização de seu ofensor, não manifestou interesse em vê-lo processado, não pode outra pessoa agir em seu lugar para contrariá-la em sua decisão, neste caso específico de que tratamos.

A esses crimes, isto é, que a lei exige uma espécie de “autorização”, atribui-se a categoria de ação penal pública condicionada à representação. Exemplos? O crime de ameaça, tipificado no art. 147 do Código Penal.

Semelhante são os casos dos processos em que a lei exige que a vítima dê início, isto é, em que espera-se que a vítima noticie os fatos para as autoridades públicas e, assim agindo, promova a abertura da ação penal competente, por meio da apresentação de uma “queixa-crime”, que são os casos dos crimes de ação penal privada, a exemplo dos crimes contra a honra (art. 138 a 140 do Código Penal).

Feitas as análises necessárias, para responder a nossa pergunta inicial, neste caso, isto é, de falecimento da vítima, se esta vier a falecer no curso do processo instaurado mediante sua iniciativa, para a continuidade dos trabalhos, necessário será que ocorra a habilitação de alguns dos legitimados no processo, isto é, que seu cônjuge, ascendente, descendente ou irmão venha aos autos manifestar o desejo de prosseguir com os trabalhos processuais, consoante o exposto na literalidade do art. 31 do Código de Processo Penal

Se tal manifestação não for realizada por quem tenha legitimada para tal, dentro do prazo de 60 (sessenta) dias, ocorrerá a perempção do processo, conforme estabelece o art. 60, inciso II, do mesmo diploma normativo.

Mas cuidado: nos crimes em que a lei atribui natureza jurídica de ação penal privada personalíssima, isto é, o crime de induzimento a erro essencial e ocultação de impedimento, tipificado no art. 236 do Código Penal, único exemplo de ação penal personalíssima prevista em nosso ordenamento jurídico, não haverá a possibilidade de que os legitimados venham aos autos manifestar o interesse na continuidade dos trabalhos, eis que a lei não permite tal hipótese. Por assim dizer, a morte do ofendido, neste casos, extingue a punibilidade de imediato.

Diferentemente do que ocorre nos crimes de ação penal pública, isto é, que não dependeu da manifestação de vontade da pessoa ofendida para iniciar o processo, pois, nestes casos, havendo a morte da vítima, o processo terá seu curso regular normalmente, sem que tal evento interfira nos trabalhos já iniciados. Em outras palavras, em crimes dessa natureza, o processo continuará ainda que a vítima venha a falecer. Exemplo de crimes assim? Temos aos montes: o homicídio (art. 121 do CP), o roubo (art. 157 do CP) e o sequestro e cárcere privado (art. 148 do CP), apenas para citar alguns.

Resumindo, caro leitor: se o crime é de ação penal pública, isto é, aquele em que a lei não exige uma espécie de “autorização” da vítima para iniciar o processo, a morte da vítima em nada altera a situação processual, eis que o Ministério Público cuidará de dar continuidade aos trabalhos.

Diferente será o caso em que o processo foi instaurado por iniciativa da vítima, pois neste caso, para que haja a continuidade dos trabalhos processuais, necessário será que algum dos legitimados já mencionados se habilite no processo dentro de 60 (sessenta) dias, salvo no crime elencado no art. 236 do Código Penal. Caso não haja a manifestação de vontade dos legitimados, dentro do prazo legal, haverá a perempção, isto é, uma causa extintiva da punibilidade (art. 107, inciso IV do Código Penal), que culminará no término dos trabalhos processuais.

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Sobre a autora
Ana Luíza Nascimento Ferreira

É advogada criminalista, sócia proprietária do escritório NF Advocacia. Pós-graduanda em Direito Público e também em Advocacia Criminal. É autora de vários trabalhos científicos publicados em eventos jurídicos de grande notoriedade, tais como: CONPEDI, FEPODI, ESDHC, PUC-MG e etc. Durante a experiência acadêmica, foi monitora de turma em diálogos pedagógicos com a instituição de ensino e membro de um grupo de iniciação científica que versa sobre a temática dos Direitos Humanos, adotando como linha de pesquisa a situação carcerária do país. Também participa da Educafro/MG, projeto social que luta pela inserção de negros e jovens da camada popular nas instituições de ensino superior. Ministra oficinas na área de empreendedorismo jurídico.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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