Apontamentos perfunctórios sobre o crime de estelionato

Ênfase para a modalidade de fraude no pagamento por meio de cheque

30/03/2020 às 12:16
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O presente ensaio tem por finalidade principal analisar a conduta equiparada de estelionato, na modalidade de fraude no pagamento de cheque, plasmada no art. 171, VI, do Código penal.

                         Diário de um estelionatário:

De repente alguém desconhecido aparece na sua frente e lhe cumprimenta com singular simpatia e leveza de semblante. Diz que o céu está lindo, de luminosidade esplêndida, as estrelas hão de brilhar numa noite de plena escuridão. Reafirma que o amor rasga o coração para jorrar o sangue do verdadeiro néctar da felicidade. Que o chilrear dos pássaros entoam sinfonia primaveril. E logo dispara – Qual o seu nome? A vítima, encantada com aquele tratamento de rara suavidade, logo responde, sem titubear. O estelionatário sai bem devagar, parece contar os passos, e logo, de propósito, deixa seu cartão de crédito escapulir de seu bolso. A vítima de boa-fé logo grita ao moço desconhecido e o alerta sobre a perda do documento. Nossa, meus Deus! Você apareceu aqui como musa do meu destino, salvou a minha vida, esse documento é muito importante para mim. Nesse mesmo instante, subitamente, aparece uma bela jovem e se coloca do lado da vítima, quando o estelionatário logo exclama! Tenho que recompensar vocês duas por terem achado meu documento tão precioso. Assim, o criminoso resolve recompensar, de início, a jovem comparsa, que estando com uma bolsa nas mãos, pede que a vítima a segure, enquanto acompanha o estelionatário até a uma agência bancária, nas proximidades, com o subterfúgio de sacar uma gorjeta para recompensar a comparsa. Retornando ao local, a comparsa mostra R$ 100,00 que supostamente havia recebido de gorjeta do estelionatário. Mas agora, chegou o momento da vítima real. Esta é convidada para acompanhar o estelionatário até a agência bancária, e como havia segurado a bolsa da jovem, esta pede para também segurar a sua bolsa, e meio constrangida, acaba entregando a sua bolsa para a jovem estranha e comparsa do estelionatário. E assim, o estelionatário segue até a agência bancária para sacar o dinheiro da gorjeta da vítima, que fica aguardando do lado de fora do banco. Como o estelionatário entrou no banco por uma porta e saiu por outra sem que a vítima percebesse, depois de uma hora aguardando, a vítima resolve entrar no banco a procura do estelionatário, que naquele momento já se encontra longe dali. Então a vítima resolve retornar ao local onde a jovem ficou segurando a sua bolsa. Cadê a jovem? Também deve estar em outra cidade procurando outras vítimas. Só ali é que a vítima descobre que caiu numa armadilha criminosa

RESUMO.  O presente ensaio tem por finalidade principal analisar a conduta equiparada de estelionato, na modalidade de fraude no pagamento de cheque, plasmada no art. 171, VI, do Código penal.

Palavras-Chave. Direito penal. Pagamento. Cheque. Fraude. Estelionato.

1. INTRODUÇÃO

Como se sabe, mesmo com a evolução dos tempos, a dinamicidade social, surgindo diversas formas de pagamento nas transações comerciais, muitas das relações socioeconômicas ainda envolvem o pagamento por meio de cheques, título de crédito disciplinado pela Lei 7.357, de 2 de setembro de 1985.

Com efeito, a Lei nº 7.357/85, estabelece em seu artigo 65 o seguinte:

Art. 65 Os efeitos penais da emissão do cheque sem suficiente provisão de fundos, da frustração do pagamento do cheque, da falsidade, da falsificação e da alteração do cheque continuam regidos pela legislação criminal.

Tão importante a questão do pagamento por meio de cheque que o direito penal se ocupou em proteger as relações comerciais e houve por bem prever como prática criminosa de estelionato, numa figura equiparada, a fraude no pagamento por meio de cheque sem provisão de fundos, artigo 171, § 2º, inciso VI, do Código penal, e os Tribunais Superiores editaram várias Súmulas firmando entendimentos a respeito, estipulando pena de reclusão de 01 a 05 anos, além da pena de multa.

Outrossim, a justiça castrense também previu o crime de fraude de pagamento por meio de cheque sem provisão de fundos no Código Penal Militar, artigo 251, 252 e 253 do Decreto-Lei nº 1.001/69.

No Direito comparado, em especialmente na Argentina existe o tipo penal conhecido por estafa como sendo delito de enganar alguém para causar prejuízo patrimonial, com ânimo de lucro. O termo é traduzido como fraude, fraudação ou defraudação.

2. DO CRIME DE ESTELIONATO NO BRASIL

Ab initio, torna-se importante descrever a evolução do crime de estelionato no Brasil. Para essa finalidade, BITENCOURT, com a mesma autoridade e brilhantismo de sempre nos fornece relevante ensinamento a respeito.

Nas Ordenações Filipinas, o estelionato denominou-se “burla” ou “inliço” (Livro V, Título 665), e lhe era cominada a pena de morte quando o prejuízo fosse superior a vinte mil-réis. O Código Criminal do Império (1830) adotou o nomen juris “estelionato”, prevendo várias figuras, além da seguinte descrição genérica: “todo e qualquer artifício fraudulento, pelo qual se obtenha de outrem toda a sua fortuna ou parte dela, ou quaisquer títulos”. O Código Penal republicano (1890) seguiu a mesma orientação casuística, tipificando onze figuras de estelionato, incluindo uma modalidade genérica, nos seguintes termos: “usar de artifício para surpreender a boa-fé de outrem, iludir a sua vigilância, ou ganhar-lhe a confiança; induzindo-o em erro ou engano por esses e outros meios astuciosos, procurar para si lucro ou proveito”.[1]

Em todo ordenamento jurídico pátrio, é possível encontrar diversas formas de estelionato, sendo as mais conhecidas:

I - Peculato-Estelionato;

II - Estelionato sexual;

III - Estelionato cibernético.

IV - Estelionato eleitoral

V - Estelionato patrimonial

O crime de peculato-estelionato encontra-se tipificado no art. 313 do CP, dos crimes praticados por funcionários contra a administração pública.

Peculato mediante erro de outrem

Art. 313 - Apropriar-se de dinheiro ou qualquer utilidade que, no exercício do cargo, recebeu por erro de outrem:

Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa.

O estelionato sexual ou sentimental é aquela modalidade de conduta criminosa denominada violação sexual mediante fraude, prevista no artigo 215 do Código penal, no rótulo dos crimes contra a dignidade sexual, a saber:

Violação sexual mediante fraude

Art. 215.  Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com alguém, mediante fraude ou outro meio que impeça ou dificulte a livre manifestação de vontade da vítima: Pena - reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos.

Já o estelionato cibernético é que em que o autor se utiliza o meio virtual para enganar suas vítimas, aplicando golpes dos mais variados possíveis.

O estelionato eleitoral é aquele previsto na Lei nº 9.504/97, onde o artigo 11 do citado comando normativo preceitua que os partidos e coligações solicitarão à Justiça Eleitoral o registro de seus candidatos até as dezenove horas do dia 15 de agosto do ano em que se realizarem as eleições. O pedido de registro deve ser instruído com os seguintes documentos:

IX - propostas defendidas pelo candidato a Prefeito, a Governador de Estado e a Presidente da República.

Existem vários projetos de lei tramitando no Congresso Nacional na tentativa de tipificar essa conduta como criminosa.

E por fim o estelionato patrimonial. O crime de estelionato é previsto no Título II, do Código Penal, crimes contra o patrimônio, definido no artigo 171 do CP. O tipo fundamental consiste em obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento, com pena de reclusão, de um a cinco anos, e multa.

Os tipos derivados são definidos no § 2º do art. 171 do CP, mas em face do foco deste ensaio, restringir-se-á tão somente à conduta plasmada no artigo 171, 2º, inciso VI, fraude no pagamento por meio de cheque.

Pune-se aquele que por meio da astúcia, da esperteza e do engodo, da mentira, procura despojar a vítima do seu patrimônio fazendo com que esta entregue a coisa visada espontaneamente, evitando, assim, retirá-los por meio violentos.

Percebe-se que a fraude é a grande elementar do tipo em apreço, sendo esta a lesão patrimonial realizada por meio de malicioso e engano. Na definição da fraude, o legislador utilizou-se de duas formas casuísticas e uma interpretação analógica. Assim, expressamente previu o ardil e o artifício, sendo aquele se dá quando o sujeito ativo usa apenas a boa conversa para ludibriar as suas vítimas.

Por sua vez, o artifício se dá quando, associada à conversa, há uma encenação (mostrar documentos falsos, criar ilusão de ótica, usar disfarce, etc). 

 A fraude é utilizada em duas situações distintas:

I - para induzir a vítima. O agente cria na vítima a falsa percepção da realidade.

II - Manter a vítima em erro. Aqui a própria vítima se encontra equivocada. Aqui o criminoso, aproveitando-se dessa circunstância, emprega os meios necessários para mantê-la nesse estado, não desfazendo o engano percebido.

Mais duas situações devem ser evidenciadas na prática do crime de estelionato, a saber:

I - Vantagem ilícita: se a vantagem for devida estar-se-á diante do crime do art. 345 do CPB;

II - Prejuízo alheio: Para a caracterização do crime, a vítima deve sofrer um prejuízo patrimônio que corresponda à vantagem indevida obtida pelo agente.

Destarte, a consumação do crime somente ocorre após a efetiva obtenção da vantagem indevida, correspondente à lesão patrimonial de outrem. Trata-se, portanto, de um crime material (exige a produção do resultado). Não havendo a produção do resultado, se configura a tentativa.

Portanto, o estelionato se consuma com a vantagem patrimonial ilícita e o prejuízo alheio. Se uma pessoa se diz passar por um problema para pedir dinheiro, e é pega pela polícia, que reconhece que esta reiteradas vezes aplica este mesmo golpe, configura-se a tentativa de estelionato.

Passados exatos 80 anos de existência do Código penal, decreto-lei nº 2848, de 07 de dezembro de 1949, recentemente entrou em vigor a Lei nº 13.964, de 2019, que visa aperfeiçoar a legislação penal e processual penal, denominada Pacote Anticrime, que operou grande modificação na ação penal nos crimes de estelionato, art. 171, § 5º, passando de ação pública incondicionada para ação pública condicionada a representação, salvo se a vítima for:

I - a Administração Pública, direta ou indireta;

II - criança ou adolescente;

III - pessoa com deficiência mental; ou

IV - maior de 70 (setenta) anos de idade ou incapaz.

3. FRAUDE NO PAGAMENTO POR MEIO DE CHEQUE

O crime de fraude no pagamento por meio de cheque, art. 171, § 2º, VI, do Código penal, consiste em emitir cheque, sem suficiente provisão de fundos em poder do sacado, ou lhe frustra o pagamento.

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O crime em apreço é essencialmente doloso. Aqui o autor emite cheque sabendo que não possui suficiência de fundos. E tanto isso é verdade que o STF editou a Súmula 246 nesse sentido:

Súmula 246 -  STF - Comprovado não ter havido fraude, não se configura o crime de emissão de cheque sem fundos.

Uma questão de extrema importância para o direito é quanto ao pagamento do cheque sem provisão de fundos antes do recebimento da denúncia. Assim, se houver o pagamento do título antes do recebimento da denúncia, este fato obsta a instauração da ação penal, conforme entendimento da Súmula 554 do STF, a saber:

Súmula 554 - STF - O pagamento de cheque emitido sem provisão de fundos, após o recebimento da denúncia, não obsta ao prosseguimento da ação penal.

Outra questão importante sobre o processo e julgamento dos crimes de estelionato na modalidade de emissão dolosa de cheque sem provisão de fundos é o local onde se deu a recusa do pagamento pelo sacado. Nesse sentido, são as Súmulas 521 do STF e 244 do STJ:

Súmula 521 - STF - O foro competente para o processo e julgamento dos crimes de estelionato, sob a modalidade da emissão dolosa de cheque sem provisão de fundos, é o do local onde se deu a recusa do pagamento pelo sacado.

SÚMULA 244 – STJ - Compete ao foro do local da recusa processar e julgar o crime de estelionato mediante cheque sem provisão de fundos.

Ensinando acerca do tipo penal em epígrafe, mais uma vez recorremos à sabedoria extraordinária de BITENCOURT, desta feita, para nos brindar com verdadeira aula da origem e particulares do delito.

Nossos dois Códigos anteriores — 1830 e 1890 — não conheceram essa modalidade de estelionato, cuja criação coube à Lei n. 2.591/12, então conhecida como Lei do Cheque. Foram cominadas as mesmas sanções previstas para o crime de estelionato, para a emissão de cheques sem a correspondente provisão de fundos. Essa previsão foi recepcionada pela Consolidação Piragibe. O Código Penal de 1940, cuja Parte Especial permanece em vigor, acresceu à previsão anterior a incriminação da conduta de “frustrar o pagamento de cheque”. Duas são as figuras tipificadas: “emitir” e “frustrar”. Emitir tem o sentido de colocar em circulação o cheque sem suficiente provisão de fundos. Não se confunde com o simples ato de preenchê-lo ou assiná-lo. Frustrar significa obstar o pagamento, bloqueando, retirando o saldo existente ou dando contraordem e, dessa forma, evitar o pagamento do cheque; mas somente a frustração indevida pode configurar crime. Para verificar-se essa segunda figura, no momento da emissão do título devem existir fundos, caso contrário a conduta será a primeira tipificada. O emitente tem o direito de obstar o pagamento do cheque, desde que fundado em motivo justo. Somente a frustração fraudulenta do pagamento de cheque tipifica o crime em exame. Igualmente, a frustração de cheque pós-datado não configura crime, pois esse tipo de cheque não é ordem de pagamento, mas apenas uma garantia, substituindo a histórica nota promissória. A frustração do pagamento de cheque emitido como garantia de dívida não caracteriza fraude em sua emissão, pois o crime tipificado como estelionato exige que a obtenção da vantagem ilícita em prejuízo alheio seja decorrente de induzimento ou mantença de alguém em erro, mediante artifício ou qualquer meio fraudulento. Cheque é uma ordem de pagamento à vista. Trata-se de um título de crédito, cuja definição é encontrada no âmbito do direito comercial. Sua valoração é jurídica. A suficiência de provisão de fundos (elemento normativo) consiste na existência de fundos disponíveis em poder do sacado (banqueiro, em regra) que sejam suficientes para efetivar o pagamento quando da apresentação do referido título (art. 4º, § 1º, da Lei n. 7.357/85). O agente que, visando a vantagem indevida, emite cheque falsificando a assinatura do titular da conta pratica crime de estelionato em sua forma fundamental. Tratando-se de conta encerrada, igualmente se caracteriza o crime previsto no caput do art. 171.[2]

Questão importante nessa figura criminosa é a existência do chamado cheque pós-datado. É por demais sabido que uma das características fundamentais desse título de crédito é ser uma ordem de pagamento à vista.

Destarte, quando alguém recebe cheque para ser apresentado em data futura, está recebendo o cheque descaracterizado em sua essência, travestido de mera promessa de pagamento.

O cheque pós-datado desnatura a ordem de pagamento à vista que esse instituto representa. Com efeito, cheque emitido em garantia de dívida, isto é, pós-datado (pré-datado, para alguns), representa uma promessa de pagamento, a exemplo da nota promissória, e assim, agindo desta forma, não há como falar em crime de estelionato.

“ESTELIONATO. CHEQUE SEM PROVISÃO DE FUNDOS. PÓS-DATAÇÃO. Garantia de dívida. Conforme a torrencial jurisprudência dos Tribunais, a consensual emissão de cheque com data posterior, de uso corrente nas operações comerciais a curto prazo, não configura crime de emissão de cheques sem fundos (súmula 246 – STF). (Supremo Tribunal de Justiça; Acórdão: RHC 733/BA (90/0007006-6); DJ Data: 10/09/1990 Pg.: 09132; Relator: Min. José Dantas; Órgão Julgador: T5 – Quinta Turma). ”

“Não há crime quando o cheque é emitido para garantia de pagamento futuro, visto não funcionar como cheque, mas como títulos de efeitos idênticos à nota promissória. Nesse sentido: RTJ 82/716, 108/178, 101/124, 91/15; RT 487/339; 510/435, 553/420, 567/380 e 592/395; RF 269/360 e 257/273; JTACrimSP 35/51, 37/180, 40/216, 66/287, 68/279 e 70/399. No sentido de que nem se aplica o caput do 171: RT 580/460

Questiona-se acerca da emissão de cheque sem fundos para pagamento de dívidas de jogo. Nessa hipótese, o crime NÃO estaria configurado.

Nesse sentido:

“Não configura estelionato a emissão de cheques sem fundos para aposta de corrida de cavalos considerada ilegal, por serem dívidas de jogo incobráveis, nos termos do art.  1477 do CC ( atual art. 814 do CC), e principalmente pela inexistência de qualquer prejuízo ao patrimônio da vítima)[3]

‘As dívidas de jogo ou aposta não obrigam a pagamento. Sendo ato estranho ao Direito Civil ipso facto, não está sujeito à sanção penal o cheque como meio de pagamento de tal dívida. Se a lei civil, em determinado caso, nega proteção ao patrimônio, não poderá ter cabimento aí a sanção penal” (TACrim – RT 461/431).

Diz textualmente, o artigo 814 do Código Civil, Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002.

Art. 814. As dívidas de jogo ou de aposta não obrigam a pagamento; mas não se pode recobrar a quantia, que voluntariamente se pagou, salvo se foi ganha por dolo, ou se o perdente é menor ou interdito.

Em razão do princípio da especialidade, torna-se imperativo mencionar três importantes dispositivos penais, dispostos em leis especiais que contêm condutas criminosas praticadas por meio de fraude, nos casos previstos o art. 6º da Lei nº 7.492/86, art. 168 da Lei nº 11.101/2005 e art. 41-E da Lei nº 10.671/2003.

Art. 6º Induzir ou manter em erro, sócio, investidor ou repartição pública competente, relativamente a operação ou situação financeira, sonegando-lhe informação ou prestando-a falsamente: Pena - Reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e multa.

Art. 168. Praticar, antes ou depois da sentença que decretar a falência, conceder a recuperação judicial ou homologar a recuperação extrajudicial, ato fraudulento de que resulte ou possa resultar prejuízo aos credores, com o fim de obter ou assegurar vantagem indevida para si ou para outrem. Pena – reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa.

Art. 41-E.  Fraudar, por qualquer meio, ou contribuir para que se fraude, de qualquer forma, o resultado de competição esportiva ou evento a ela associado: Pena - reclusão de 2 (dois) a 6 (seis) anos e multa.

E o cheque sem fundos emitido para pagar atividade de prostituição? A doutrina entende não configurar crime.

NUCCI nos fornece uma importante lição a esse respeito:

“Não configura crime. Do mesmo modo que a dívida de jogo, a prostituição é conduta ilícita. Embora não configure crime, por ausência de tipo penal específico, não quer dizer que seja conduta moral e ética. Logo, o direito não lhe pode dar respaldo, inexistindo possibilidade jurídica para o agente da prostituição cobrar, judicialmente, o que entende ser devido. A doutrina – antiga e atual – sempre negou validade, não o reconhecendo como jurídico, ao ato de fins ilícitos, incluídos nestes os que atentem contra a moral e os bons costumes.”[4]

DAS CONSIDERAÇÕES FINAIS

E assim, após enfrentamento do tema em breves comentários, e, portanto, sem maiores aprofundamentos teóricos, pode-se perceber que o crime de estelionato tem raízes remotas em nosso ordenamento jurídico e desde a publicação do atual Código Penal de 1940 se encontra tipificado no artigo 171, com pequenas mudanças na sua estrutura típica derivada, notadamente, por meio das leis nº 13.228, de 2015 e Lei nº 13.964, de 2019, esta, instituindo o Pacote Anticrime no Brasil, tratando, respectivamente, do estelionato praticado contra pessoas idosas e ação penal nos crimes de estelionato que passou a ser pública condicionada a representação, salvo se a vítima for a Administração Pública, direta ou indireta, criança ou adolescente, pessoa com deficiência mental ou maior de 70 (setenta) anos de idade ou incapaz. 

Mas o foco ficou por conta da modalidade de estelionato na fraude de pagamento por meio de cheque sem provisão de fundos, artigo 171, § 2º, VI, do CP, com abordagens importantes acerca de Súmulas do STF e STJ que tratam do pagamento do cheque antes do recebimento da denúncia como óbice para o prosseguimento da ação penal, Súmula 554 – STF, segundo a qual o pagamento de cheque emitido sem provisão de fundos, após o recebimento da denúncia, não obsta ao prosseguimento da ação penal.

Insta frisar que o delito de fraude no pagamento por meio de emissão de cheque sem provisão de fundos é essencialmente doloso, conforme reafirmou o entendimento da Súmula 246 do STF, segundo a qual comprovado não ter havido fraude, não se configura o crime de emissão de cheque sem fundos.

Foram realizadas abordagens na legislação especial, cuja conduta criminosa deriva-se da utilização de fraude, com citação de casos previstos o art. 6º da Lei nº 7.492/86, art. 168 da Lei nº 11.101/2005 e art. 41-E da Lei nº 10.671/2003, respectivamente, lei que define o sistema financeiro, a Lei de Falência e o Estatuto do Torcedor.

Conforme entendimento da doutrina autorizada e de inúmeras decisões dos Tribunais Superiores, não constitui crime de estelionato na modalidade de fraude no pagamento por meio de cheques sem provisão de fundos, as dívidas de jogo em consonância com o artigo 814 do Código Civil Brasileiro, onde prevê que as dívidas de jogo ou de aposta não obrigam a pagamento; mas não se pode recobrar a quantia, que voluntariamente se pagou, salvo se foi ganha por dolo, ou se o perdente é menor ou interdito, e conforme decisões jurisprudenciais do mesmo modo que a dívida de jogo, a prostituição é conduta ilícita. Embora não configure crime, por ausência de tipo penal específico, não quer dizer que seja conduta moral e ética. Logo, o direito não lhe pode dar respaldo, inexistindo possibilidade jurídica para o agente da prostituição cobrar, judicialmente, o que entende ser devido. A doutrina – antiga e atual – sempre negou validade, não o reconhecendo como jurídico, ao ato de fins ilícitos, incluídos nestes os que atentem contra a moral e os bons costumes.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BITENCOURT, César Roberto. Tratado de Direito Penal. Parte Especial ( Arts. 155 ao 212). Volume 3. 14ª edição. Editora Saraiva. 2018.

BRASIL. Lei do Cheque. Lei nº 7.357/85. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7357.htm. Acesso em 29 de março de 2020, às 20h20min.

BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm. Acesso em 30 de março de 2020, às 08h48min.

BRASIL. Lei nº 7.492/86. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L7492.htm. Acesso em 30 de março de 2020, às 08h50min.

BRASIL. Lei nº 11.101/2005. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/lei/l11101.htm. Acesso em 30 de março de 2020, às 08h52min.

BRASIL. Lei nº 10.671/2003. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/l10.671.htm. Acesso em 30 de março de 2020, às 08h55min.

NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. 2ª edição. São Paulo. Editora Revista dos Tribunais. Pág. 571-572. 2002.


[1] BITENCOURT, César Roberto. Tratado de Direito Penal. Parte Especial ( Arts. 155 ao 212). Volume 3. 14ª edição. Editora Saraiva. 2018.

[2] BITENCOURT, ( 2018).

[3] RT 532/404.

[4] NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. 2ª edição. São Paulo. Editora Revista dos Tribunais. Pág. 571-572. 2002.

Sobre o autor
Jeferson Botelho Pereira

Jeferson Botelho Pereira. Ex-Secretário Adjunto de Justiça e Segurança Pública de MG, de 03/02/2021 a 23/11/2022. É Delegado Geral de Polícia Civil em Minas Gerais, aposentado. Ex-Superintendente de Investigações e Polícia Judiciária de Minas Gerais, no período de 19 de setembro de 2011 a 10 de fevereiro de 2015. Ex-Chefe do 2º Departamento de Polícia Civil de Minas Gerais, Ex-Delegado Regional de Governador Valadares, Ex-Delegado da Divisão de Tóxicos e Entorpecentes e Repressão a Homicídios em Teófilo Otoni/MG, Graduado em Direito pela Fundação Educacional Nordeste Mineiro - FENORD - Teófilo Otoni/MG, em 1991995. Professor de Direito Penal, Processo Penal, Teoria Geral do Processo, Instituições de Direito Público e Privado, Legislação Especial, Direito Penal Avançado, Professor da Academia de Polícia Civil de Minas Gerais, Professor do Curso de Pós-Graduação de Direito Penal e Processo Penal da Faculdade Estácio de Sá, Pós-Graduado em Direito Penal e Processo Penal pela FADIVALE em Governador Valadares/MG, Prof. do Curso de Pós-Graduação em Ciências Criminais e Segurança Pública, Faculdades Unificadas Doctum, Campus Teófilo Otoni, Professor do curso de Pós-Graduação da FADIVALE/MG, Professor da Universidade Presidente Antônio Carlos - UNIPAC-Teófilo Otoni. Especialização em Combate à corrupção, crime organizado e Antiterrorismo pela Vniversidad DSalamanca, Espanha, 40ª curso de Especialização em Direito. Mestrando em Ciências das Religiões pela Faculdade Unida de Vitória/ES. Participação no 1º Estado Social, neoliberalismo e desenvolvimento social e econômico, Vniversidad DSalamanca, 19/01/2017, Espanha, 2017. Participação no 2º Taller Desenvolvimento social numa sociedade de Risco e as novas Ameaças aos Direitos Fundamentais, 24/01/2017, Vniversidad DSalamanca, Espanha, 2017. Participação no 3º Taller A solução de conflitos no âmbito do Direito Privado, 26/01/2017, Vniversidad DSalamanca, Espanha, 2017. Jornada Internacional Comjib-VSAL EL espaço jurídico ibero-americano: Oportunidades e Desafios Compartidos. Participação no Seminário A relação entre União Europeia e América Latina, em 23 de janeiro de 2017. Apresentação em Taller Avanco Social numa Sociedade de Risco e a proteção dos direitos fundamentais, celebrado em 24 de janeiro de 2017. Doutorando em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidad Del Museo Social Argentino, Buenos Aires – Argentina, autor do Livro Tráfico e Uso Ilícitos de Drogas: Atividade sindical complexa e ameaça transnacional, Editora JHMIZUNO, Participação no Livro: Lei nº 12.403/2011 na Prática - Alterações da Novel legislação e os Delegados de Polícia, Participação no Livro Comentários ao Projeto do Novo Código Penal PLS nº 236/2012, Editora Impetus, Participação no Livro Atividade Policial, 6ª Edição, Autor Rogério Greco, Coautor do Livro Manual de Processo Penal, 2015, 1ª Edição Editora D´Plácido, Autor do Livro Elementos do Direito Penal, 1ª edição, Editora D´Plácido, Belo Horizonte, 2016. Coautor do Livro RELEITURA DE CASOS CÉLEBRES. Julgamento complexo no Brasil. Editora Conhecimento - Belo Horizonte. Ano 2020. Autor do Livro VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. 2022. Editora Mizuno, São Paulo. articulista em Revistas Jurídicas, Professor em Cursos preparatórios para Concurso Público, palestrante em Seminários e Congressos. É advogado criminalista em Minas Gerais. OAB/MG. Condecorações: Medalha da Inconfidência Mineira em Ouro Preto em 2013, Conferida pelo Governo do Estado, Medalha de Mérito Legislativo da Assembléia Legislativa de Minas Gerais, 2013, Medalha Santos Drumont, Conferida pelo Governo do Estado de Minas Gerais, em 2013, Medalha Circuito das Águas, em 2014, Conferida Conselho da Medalha de São Lourenço/MG. Medalha Garimpeiro do ano de 2013, em Teófilo Otoni, Medalha Sesquicentenária em Teófilo Otoni. Medalha Imperador Dom Pedro II, do Corpo de Bombeiros, 29/08/2014, Medalha Gilberto Porto, Grau Ouro, pela Academia de Polícia Civil em Belo Horizonte - 2015, Medalha do Mérito Estudantil da UETO - União Estudantil de Teófilo Otoni, junho/2016, Título de Cidadão Honorário de Governador Valadares/MG, em 2012, Contagem/MG em 2013 e Belo Horizonte/MG, em 2013.

Informações sobre o texto

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