Projeção hipotética do regime prisional e a proporcionalidade na utilização das cautelares pessoais

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O artigo trata da projeção hipotética do regime prisional e a proporcionalidade na utilização das cautelares pessoais.

Coautor: Jeffrey Chiquini da Costa. Advogado criminalista. Especialista em direito penal e processual penal. Professor da Escola da Magistratura Federal do Paraná.

 

O Superior Tribunal de Justiça[1] decidiu que para a decretação da prisão preventiva é preciso antever a possibilidade de compatibilidade do regime de execução de pena em eventual condenação e a restrição cautelar da liberdade utilizada.

Essa orientação consta do seguinte julgado:

PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE ORDINÁRIO. DESCABIMENTO. CRIME DE POSSE DE ARMA DE FOGO COM NUMERAÇÃO RASPADA. PRISÃO PREVENTIVA MANTIDA PELO TRIBUNAL DE ORIGEM. ACÓRDÃO MOTIVADO EM DADOS CONCRETOS. MOTIVAÇÃO IDÔNEA. PRETENSÃO DE RECORRER EM LIBERDADE. NÃO ACOLHIMENTO. REITERAÇÃO CRIMINOSA E RÉU PRESO DURANTE TODA A INSTRUÇÃO. CUMPRIMENTO DA REPRIMENDA EM REGIME MAIS GRAVOSO DO QUE O FIXADO NA SENTENÇA. MATÉRIA NÃO EXAMINADA PELO JUÍZO DA EXECUÇÃO E PELO ACÓRDÃO IMPUGNADO. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. IMPOSSIBILIDADE DE EXAME. COMPATIBILIDADE ENTRE A PRISÃO PREVENTIVA E REGIME FIXADO NA SENTENÇA DIVERSO DO FECHADO. REPRIMENDA PENAL DEVE SER CUMPRIDA EM ESTABELECIMENTO ADEQUADO. PRECEDENTES. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO. 4. A manutenção da custódia cautelar deve ser compatível com o regime fixado na sentença condenatória, ou seja, o semiaberto, razão pela qual deve ser assegurado ao paciente o direito de aguardar o recurso de apelação em estabelecimento adequado ao regime intermediário ou em outro que venha a ser fixado pelo juízo da execução.

O referido julgado impõe a observância do princípio da proporcionalidade na seleção da medida de restrição cautelar da liberdade a ser utilizada.

Este princípio reserva a utilização da prisão preventiva ao estritamente necessário, revelando a verdadeira existência de um Estado de Direito, diante dos males que qualquer encarceramento, e em especial o provisório, produz no sujeito passivo da medida.[2]

A utilização das medidas cautelares restritivas da liberdade está condicionada ao princípio da proporcionalidade, que se qualifica, enquanto medida de aferição da razoabilidade dos atos estatais, como instrumento de contenção dos excessos do Poder Público. 

    Ao ampliar o rol das medidas cautelares restritivas da liberdade a lei n. 12.403/2011 deu especial relevância ao princípio da proporcionalidade, exigindo-se à aplicação das medidas a observância dos princípios da necessidade e adequação, impondo ao magistrado a utilização da prisão cautelar somente nos casos de ineficácia de cautelares diversas da prisão.

     A propósito, segundo o art. 282, parágrafo 6º, do Código de Processo Penal, a decretação da prisão preventiva somente será possível quando as medidas cautelares diversas da prisão mostrarem-se insuficientes para proteger a persecução penal.

     Na analise de proporcionalidade da medida exige-se ponderação entre o ônus imposto e o benefício alcançado, a fim de constatar se a interferência na esfera dos direitos dos cidadãos se justifica no caso concreto. É a ponderação entre os danos causados e os resultados que serão obtidos[3].

 Ou seja, após a análise da necessidade da restrição cautelar da liberdade do acusado, no caso concreto, deve-se analisar, ainda, se o sacrifício a ser imposto ao direito fundamental individual justifica a utilização da medida, segundo o interesse processual que se pretende assegurar.

Segundo o mencionado julgado, deve-se observar se entre a restrição cautelar da liberdade a ser utilizada e o hipotético regime prisional há estrita correspondência.

Para Luiz Eduardo Câmara, “o magistrado, ao exarar – ou deixar de exarar – a medida de cautela deve ter os olhos postos no futuro, elaborando projeção que se desenvolve, necessariamente, em duas etapas: na primeira delas verifica a probabilidade de condenação e na segunda (que somente se desenvolve em sendo positiva a primeira resposta), observa que pena deverá ser imposta ao condenado e qual será a forma de sua execução”.[4]

Harmonizando esse raciocínio com o ordenamento penal vigente, conclui-se que, ao acusado  primário, não se admite a decretação da prisão preventiva nos crimes em que hipoteticamente será cominada pena privativa de liberdade inferior a oito anos, caso em que o regime prisional será incompatível com a restrição cautelar total da liberdade.

Ao acusado reincidente veda-se a utilização da prisão preventiva para os crimes em que hipoteticamente será cominada pena privativa de liberdade inferior a quatro anos, embora o art. 313, inciso II, do Código de Processo Penal, de forma muito equivocada, não faça essa distinção.

Na análise das cautelares pessoais, de modo geral, o direito penal material e o direito processual penal devem ser harmonizados.

 Em síntese, as medidas cautelares restritivas da liberdade só serão legítimas  quando o sacrifício da liberdade de locomoção do imputado for proporcional à gravidade do crime e às respectivas sanções que previsivelmente venham a ser impostas no final do processo. Isso  porque, seria inconcebível admitir-se que a situação jurídica do imputado, ainda presumidamente inocente, fosse pior do que do condenado.[5]

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Referências

LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de Processo Penal. 5. ed. Salvador: JusPodivm, 2017.

CÂMARA, Luiz Antonio, Medidas Cautelares Pessoais Prisão e Liberdade Provisória, 2ª ed. Curitiba: Juruá, 2011.

ROXIN, Claus. Derecho Procesal Penal. Buenos Aires: del Puerto, 2000.

 

 


[1] STJ. HC 471954/ES. Min. FELIX FISCHER.

[2] ROXIN, Claus. Derecho Procesal Penal. Buenos Aires: del Puerto, 2000, p. 258.

[3] LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de Processo Penal. 5. ed. Salvador: JusPodivm, 2017, p. 839.

[4] Câmara, Luiz Antonio, Medidas Cautelares Pessoais Prisão e Liberdade Provisória, 2ª ed. Curitiba: Juruá, 2011, p. 111.

[5] LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de Processo Penal. 5. ed. Salvador: JusPodivm, 2017, p. 840.

Sobre o autor
Antonio Evangelista de Souza Netto

Juiz de Direito de Entrância Final do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná. Pós-doutor em Direito pela Universidade de Salamanca - Espanha. Pós-doutor em Direito pela Universitá degli Studi di Messina - Itália. Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC/SP (2014). Mestre em Direito Empresarial pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC/SP (2008). Coordenador do Núcleo de EAD da Escola da Magistratura do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná - EMAP. Professor da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados - ENFAM. Professor da Escola da Magistratura do Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo - EMES. Professor da Escola da Magistratura do TJ/PR - EMAP.

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Coautor: Jeffrey Chiquini da Costa. Advogado criminalista. Especialista em direito penal e processual penal. Professor da Escola da Magistratura Federal do Paraná.

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