A contestação da constitucionalidade da inclusão por Decreto de empresas estatais no Programa Nacional de Desestatização (PND) por meio de Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI).

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Resumo: O Partido Democrático Trabalhista (PDT), por meio de ADI, requereu a declaração de inconstitucionalidade de dispositivos da Lei nº 9.491/1997, que dispõe sobre as regras para a execução do Plano Nacional de Desestatização (PND). Em síntese, tal Lei atribui ao Poder Executivo a prerrogativa, a autorização genérica para efetuar a desestatização de empresas estatais diretamente por Decreto Presidencial, sem que haja a necessidade de lei específica, e autoriza o Presidente da República, por intermédio do BNDES, a alienar o controle acionário das empresas estatais federais por meio da realização de leilão. O Governo atual incluiu no PND, por Decreto, as empresas ABGF, EMGEA, Casa da Moeda, CEITEC, Dataprev e Serpro, sendo que todas essas entidades tiveram sua criação autorizada por Lei específica ou Medida Provisória. O cerne da argumentação do PDT é de que a autorização genérica para privatizar estatais concedida pela Lei do PND de 97 é inconstitucional, na medida em que a Constituição Federal, em seu artigo 37, XIX, exige Lei específica autorizativa para a instituição das empresas estatais e, pelo princípio do paralelismo das formas, somente Lei específica (que trata de um único assunto determinado) poderia autorizar a desestatização da empresa, o que não poderia ser feito por simples ato normativo secundário emitido pelo Presidente da República. Para estabelecer o contraponto, o PDT afirma que a inclusão da Ceagesp no PND por Decreto foi juridicamente correta, na medida em que tal empresa, que pertencia ao Estado de SP, foi federalizada não por Lei específica, mas mediante a celebração de um acordo para renegociação da dívida de SP com a União, em que o Estado realizou a dação em pagamento da Ceagesp como forma de reduzir seu débito com o ente federativo central.

Estrutura: 1) Introdução; 2) Princípio do Paralelismo das Formas; 3) O fulcro da ADIN do PDT; 4) O caso da Ceagesp; 5) Considerações Finais.


1.Introdução:

A redefinição do papel do Estado no que se refere à sua intervenção no ambiente econômico é um assunto essencial na discussão sobre política econômica em todo o mundo, e objeto de especial atenção do atual Governo da República, principalmente no que tange à política de desestatização das empresas estatais federais, sejam as prestadoras de serviços públicos ou exploradoras de atividades econômicas. A Lei do Plano Nacional de Desestatização (PND), de nº 9.491/97, conjuntamente com a Lei do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), Lei 13.334/16, concede autorização legislativa genérica ao Poder Executivo para promover a desestatização das suas entidades mediante Decreto do Presidente da República. Com amparo legal nesses dois normativos, o atual Governo incluiu, mediante edição de Decreto do Chefe do Poder Executivo Federal, algumas empresas estatais prestadoras de serviços públicos, a maior parte delas com capital plenamente controlado pela União como única acionista, conforme a tabela abaixo.

A violação ao princípio do paralelismo das formas é evidenciada no quadro pela comparação entre a 2ª e a 3ª colunas, nas quais tem-se a informação de que as entidades criadas ou que tiveram suas constituições feitas por meio de Lei específica ou por Medida Provisória estão sendo desconstituídas de forma diversa daquela utilizada para sua constituição, ou por meio de Decretos do Presidente da República ou por Resoluções do PPI que já deram azo à edição dos Decretos correspondentes. No caso do Serpro, o Decreto de inclusão no PND é o de Nº 10.206, DE 22 DE JANEIRO DE 2020, e no da DATAPREV é o de Nº 10.199, DE 15 DE JANEIRO DE 2020, em desrespeito ao devido paralelismo das formas aplicado ao dispositivo constitucional presente no art. 37, XIX.

A decisão já adotada pelo STF no julgamento de outra ADI relativa ao processo de desestatização/privatização foi no sentido de que o Executivo pode alienar sem autorização legislativa e licitação as subsidiárias, mas tal decisão não foi extensiva às denominadas pelo Ministro Alexandre de Moraes como sendo as empresas mãe, questão que será enfrentada pelo Pretório Excelso precisamente nesta ADI do PDT. Inclusive o Presidente tem incluído as entidades no PND/PPI invocando o dispositivo constitucional que lhe outorga competência para editar Decretos Autônomos, os quais não podem ser utilizados para criação ou extinção de órgãos e, por extensão e paralelismo, não poderiam ser usados para embasar a extinção de entidades. Além da faculdade constitucional de editar os Decretos Autônomos, os Decretos Presidenciais de inclusão de empresas públicas no PND/PPI também arrolam como amparo legal o disposto na Lei nº 13.334, de 13 de setembro de 2016, a qual, em seu artigo 4º, I, reza que o PPI será regulamentado por Decreto atinente à definição da política federal de longo prazo para a desestatização. Tal dispositivo legal é inconstitucional, por violar o art. 37, XIX da Carta Política, o qual dispõe que só mediante Lei específica poderá ser autorizada a criação de empresas públicas e sociedades de economia mista. Logo, pelo princípio do paralelismo das formas, a inclusão da entidade no PND teria que ser feita por lei específica, e não por Decreto Presidencial. Nisso reside a inconstitucionalidade deste dispositivo da Lei do PPI. Além dos motivos antes arrolados, os Decretos Presidenciais de inclusão das entidades no PND/PPI também invocam como amparo normativo o poder regulamentar previsto no art. 84, IV da Carta Magna. Neste ponto, depreende-se que o Presidente da República está regulamentando por Decreto Executivo o dispositivo da Lei do PPI que autoriza o chefe do Poder Executivo da União a estabelecer por Decreto a política federal de longo prazo de desestatização. O problema é que este dispositivo legal é incompatível com o dispositivo constitucional contido no art. 37, XIX da Lei Maior, e é, portanto, inconstitucional. Essa será a questão central a ser enfrentada pela ADI ajuizada pelo PDT.

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2.Princípio do Paralelismo das Formas:  

Reis (2012) afirma que “O princípio da simetria representa que os pressupostos formalísticos utilizados para a elaboração de um instituto deverão ser utilizados para o desaparecimento desse instituto também. Isto é, o raciocínio esposado pelo princípio do paralelismo das formas nada mais representa do que uma lógica coerente a ser adotada tanto para a elaboração de um ato quanto para a exclusão desse mesmo ato.”

Assim sendo, a desestatização deve ser promovida pelo Poder Executivo de modo idêntico ao adotado para a instituição da entidade, o que significa que entidades que foram constituídas ou tiveram sua constituição autorizada por Lei ou Medida Provisória com força de Lei só podem ser desconstituídas pelo mesmo instrumento jurídico ou espécie normativa, qual seja, ou Lei Ordináriaou Medida Provisória com força de Lei.


3) O fulcro da ADIN do PDT:

Convém esclarecer inicialmente a questão central da controvérsia, a qual consiste no fato de considerar-se inconstitucional a desestatização de empresas estatais instituídas por Lei específica ou cuja instituição se deu em função de autorização legislativa específica ou Medida Provisória com força de Lei, por intermédio de Lei Autorizativa genérica e Decreto Presidencial, que é um ato infralegal. O procedimento adotado pelo atual Governo para incluir as seis entidades mencionadas no PND por Decreto contraria o princípio do paralelismo das formas aplicado ao art. 37, XIX, o que acarreta descumprimento do dispositivo da Carta Política e a ocorrência de inconstitucionalidade a qual precisa ser corrigida pela via judicial do controle concentrado/abstrato de constitucionalidade.

A essência do questionamento da constitucionalidade dos dispositivos legais que atualmente regem a desestatização no Brasil é exatamente a falta de correspondência entre as formas de instituição ou de autorização para criação das empresas estatais e as de promoção da desestatização das mencionadas entidades, além do não obedecimento ao art. 37, XIX da Carta Magna, que preconiza que a autorização para criação de empresa estatal deve ser efetivada por meio de lei específica. Destaco alguns excertos da exordial da ADI do PDT que se referem precisamente a este ponto:

  • “inconstitucionalidade da desestatização sem autorização legislativa, prévia e específica, de entidades públicas cuja instituição foi autorizada por lei específica”;
  •   “Ora, requerendo a Constituição lei específica para autorizar a instituição de tais entidades públicas (CF, art. 37, XIX), somente igual providência permite as dissolver ou transferir para a iniciativa privada. É a chamada simetria (ou paralelismo) das formas”;
  •  “Ora, requerendo a Constituição lei específica para autorizar a instituição de tais entidades públicas (CF, art. 37, XIX), somente igual providência permite as dissolver ou transferir para a iniciativa privada. É a chamada simetria (ou paralelismo) das formas”;
  •  “Salienta Maria Sylvia Zanella Di Pietro: “Se a exigência é feita para órgãos (que Não têm personalidade jurídica própria), com muito mais razão se justifica em relação aos entes da administração indireta, que são pessoas jurídicas distintas da pessoa políticas que as instituiu” (In: Direito Administrativo. 27. ed. São Paulo, Atlas, 2014, p. 520.) ” 
  •  “lei específica que autoriza a instituição de estatal não pode ser derrogada pela combinação de lei genérica e ato infralegal, sob pena de esvaziar o princípio da primazia ou prevalência da lei.”;
  •  Não é possível que “se admita que um decreto regulamentar valha para desconstituir uma lei, com flagrante violação de hierarquia”;
  •  “Mas, é por essas mesmas razões que esse meio (autorização legislativa genérica cumulado a ato regulamentar) é inadequado para afastar os imperativos de segurança nacional ou relevante interesse coletivo (CF, art. 173, caput) que qualificam a autorização para instituir empresa pública ou sociedade de economia mista por lei específica (CF, art. 37, XIX).”;
  • “a inconstitucionalidade da desestatização sem autorização legislativa, prévia e específica, de empresas públicas e sociedades de economia mista cuja instituição foi autorizada por lei específica”;
  •  “Não fosse suficiente, mais do que notícias de fatos públicos e notórios, atualmente, encontra-se em curso o processo de desestatização de 6 (seis) entidades cuja instituição foi autorizada por lei específica, mas que, sem autorização legislativa prévia e especifica, foi deflagrado por Decreto Presidencial ou, ainda no estágio de recomendação, por Resolução do CPPI –,” Ver quadro no item 1.

O pedido da ADI ajuizada pelo advogado do PDT é: “declarar a inconstitucionalidade, com pronúncia de nulidade, por arrastamento, dos Decretos Presidenciais nº 10.007/2019, nº 10.008/2019, nº 10.054/2019 e nº 10.065/2019, bem como das Resoluções do CPPI nº 83/2019 e 84/2019.”

Corroborando os argumentos expostos pelo advogado do PDT, pode-se citar a explicação de Oliveira (2008: 374) que afirma que “O art.37 da Constituição estabelece que somente por lei específica poderá ser criada autarquia e autorizada a instituição de empresa pública, sociedade de economia mista e fundação, silenciando, porém, quanto ao modo de extinção dessas entidades. Entretanto, pelo princípio do paralelismo das formas (um ato jurídico só pode ser modificado pelo emprego de um ato da mesma natureza), somente uma lei pode desconstituir algo que foi criado por outra lei. Um decreto não possui força para revogar uma lei, por ser ato de hierarquia inferior.”


4) O caso da Ceagesp:

A petição inicial da ADI do PDT também cita o caso da inclusão da Ceagesp no PND por Decreto como exemplo de situação em que tal inclusão não representa afronta ao dispositivo constitucional contido no art. 37, XIX.

Para estabelecer o contraponto com os casos contestados antes já referidos da ABGF, EMGEA, Casa da Moeda, CEITEC, Dataprev e Serpro, o PDT afirma que a inclusão da Ceagesp no PND por Decreto foi juridicamente correta, na medida em que tal empresa, que pertencia ao Estado de SP, foi federalizada não por Lei específica, mas mediante a celebração de um acordo para renegociação da dívida de SP com a União, em que o Estado realizou a dação em pagamento da Ceagesp como forma de reduzir seu débito com o ente federativo central. Ou seja, como a federalização desta empresa foi promovida em decorrência da celebração de uma avença contratual, e não de uma Lei Ordinária ou Medida Provisória convertida em Lei Ordinária, sua inclusão no PND por Decreto do Presidente da República não desobedece nem a Constituição nem as Leis.


5) Considerações Finais:

Como conclusões finais deste artigo, pode-se considerar que a inclusão no PND das empresas públicas ABGF, Serpro, Dataprev, EMGEA, CEITEC e Casa da Moeda com embasamento em Leis Genéricas autorizativas (a Lei do PND, 9.491/97 e a Lei o PPI, 13.334/16) e por intermédio de Decreto Presidencial desrespeita o princípio jurídico do paralelismo das formas aplicado ao art. 37,XIX, incorrendo assim, em inconstitucionalidade. Para desestatizar essas entidades respeitando a Constituição, é necessário que cada uma delas seja transferida à iniciativa privada por meio de Lei específica (projeto de lei do Presidente da República enviado ao Congresso Nacional). Além dessa, conclui-se que a desestatização da Ceagesp, por meio do Decreto, respeitou o ordenamento jurídico,considerando que, como a empresa foi federalizada por meio de acordo de renegociação de dívida formalizado por contrato, não há necessidade de que esta entidade seja desestatizada por lei específica, podendo sê-lo por mero ato infralegal.


Referências Bibliográficas.

  • Brasil, Constituição da República de 1988;
  • Brasil, Lei nº 9.491/97;
  • Brasil, Lei nº 13.334/16;
  • Oliveira, L. Direito Administrativo CESPE/UnB, Editora Ferreira, Rio de Janeiro, 2009;
  • Partido Democrático Trabalhista, ADI 6241/2019, ajuizada pelo advogado Lucas de Castro Rivas (OAB/DF nº 46.431);
  • Reis, L. E. Dos Tratados Internacionais: o Procedimento para a Sua Elaboração e a Existência de Pressuspostos Formalísticos para a Concretização de Uma Denúncia sob o Prisma da Constituição de 1988 , Revista da DPU Nº 49 – Jan-Fev/2013, páginas 98:120, Brasília, 2013. 

Sobre o autor
Carlos Frederico Rubino Polari de Alverga

Economista graduado na UFRJ. Especialista em "Direito do Trabalho e Crise Econômica" pela Universidade Castilla La Mancha, Toledo, Espanha. Especialista em Administração Pública (CIPAD) pela FGV. Mestre em Ciência Política pela UnB. Analista de Finanças e Controle da Secretaria do Tesouro Nacional do Ministério da Fazenda. Atua na área de empresas estatais.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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