Dos Crimes Contra a Honra

Artigos 138 a 145 do Código Penal

01/04/2020 às 14:02

Resumo:


  • Conceito de honra: valor ideal, reputação e consideração perante a sociedade

  • Honra subjetiva e objetiva: sentimento pessoal versus opinião dos outros sobre o indivíduo

  • Honra especial: distinção entre honra comum e honra profissional

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

O trabalho aqui apresentado, tem como objetivo a investigação dos crimes contra a honra, presente nos artigos 138 a 145 do Código Penal Brasileiro. O direito a honra, independentemente do conceito a ele atribuído, é objeto de proteção por vários anos.

1. HONRA – CONCEITO

De acordo com Cezar Roberto Bitencourt, “honra é um valor ideal, a consideração, a reputação, a boa fama de que gozamos perante a sociedade em que vivemos. A meu ver a definição de Cezar Roberto Bitencourt é uma das melhores, mas julgo útil elucidar a definição de outros autores. Nelson Rosenvald e Cristiano Farias afirmam: “honra é a soma dos conceitos positivos que cada pessoa goza na vida em sociedade”. Rogerio Greco explica que: “ a honra é um conceito que se constrói durante toda uma vida e que pode, em virtude de apenas uma única acusação leviana, ruir imediatamente. Por essa razão, embora a menção constitucional diga respeito tão somente à necessidade de reparação dos danos de natureza civil, tradicionalmente, os Códigos Penais têm evidenciado a importância que esse bem merece, criando figuras típicas correspondentes aos crimes contra a honra. ” Segundo E. Magalhães Noronha, conceitua-se “como o complexo ou conjunto de predicados ou condições da pessoa que lhe conferem consideração social e estima própria”.

 

1.1 Honra Subjetiva e Objetiva

A honra subjetiva representa o sentimento que nós temos sobre nós mesmos, enquanto que a honra objetiva constitui o sentimento que as demais pessoas têm sobre o indivíduo. Portanto, têm-se como honra objetiva, a reputação, a boa fama do sujeito no meio em que ele se encontra e honra subjetiva a estima própria, o juízo que o indivíduo tem sobre si mesmo. Segundo Carlos Fontán Balestra, “a honra objetiva é o juízo que os demais formam de nossa personalidade, e através do qual a valoram”. Rogério Greco afirma que “a honra subjetiva cuida do conceito que a pessoa tem de si mesma, dos valores que ela se auto atribui e que são maculados com o comportamento levado a efeito pelo agente. ” Essa divisão possui suas críticas por parte da doutrina, porém se faz necessária academicamente para a compreensão dos conceitos de tentativa e consumação nos crimes contra a honra e a pessoa jurídica como sujeito passivo nos crimes contra a honra.

 

1.2 Honra especial

A doutrina faz distinção entre honra comum e honra especial. Essa honra comum é a que qualquer pessoa possui, a pessoa como ser social. A honra especial é a honra profissional, a pessoa como profissional, ou seja, “diz respeito a determinado grupo profissional ou social, por exemplo, chamar um médico de açougueiro. ” (FERNANDO CAPEZ, 2012). A honra especial reflete diretamente a atividade exercida pelo indivíduo, o respeito social que a atividade lhe proporciona e os princípios éticos-profissionais.

 

1.3 A pessoa jurídica como sujeito passivo nos crimes contra a honra

A pessoa jurídica é capaz de figurar no polo passivo de crimes contra a honra que visem atingir a honra objetiva, uma vez que a honra subjetiva é exclusiva de seres humanos e suas próprias percepções sobre si mesmos. No crime de calúnia, apenas quando lhe for imputado fato tipificado como Crime Ambiental, Crimes contra o Sistema Financeiro Nacional e Crimes contra a Ordem Econômica e tributária. Na difamação, está sujeito ilimitadamente, uma vez que possui honra objetiva e notadamente pode sofrer infortúnios em sua reputação. Já no crime de Injúria, a pessoa jurídica não está apta a ser sujeito passivo, uma vez que esse crime visa justamente atingir a honra subjetiva da vítima, sua percepção pessoal.

 

2. A CALÚNIA

Art. 138 - Caluniar alguém, imputando-lhe falsamente fato definido como crime:

Pena - detenção, de seis meses a dois anos, e multa.

§ 1º - Na mesma pena incorre quem, sabendo falsa a imputação, a propala ou divulga.

§ 2º - É punível a calúnia contra os mortos.

Exceção da verdade

§ 3º - Admite-se a prova da verdade, salvo:

I - se, constituindo o fato imputado crime de ação privada, o ofendido não foi condenado por sentença irrecorrível;

II - se o fato é imputado a qualquer das pessoas indicadas no nº I do art. 141;

III - se do crime imputado, embora de ação pública, o ofendido foi absolvido por sentença irrecorrível.

 

A calúnia, portanto, seria atribuir a alguém a autoria de um fato definido como crime pela lei. O bem jurídico protegido nesse artigo é a honra objetiva, a reputação, a boa fama do atingido. É necessário que essa imputação seja determinada, ou seja, precisa quanto aos fatos descritos.

 

2.1 Sujeitos do delito

O sujeito ativo pode ser qualquer pessoa física, desde que imputável. O sujeito passivo pode ser pessoas físicas, imputáveis ou não (uma vez que o tipo esclarece “fato definido como crime”, e não crimes. Portanto, inimputáveis podem, assim, praticá-los). Em relação aos mortos, os sujeitos passivos serão os seus parentes. Sobre as pessoas jurídicas, há certa divergência na doutrina e na jurisprudência. Nelson Hungria precisou os crimes contra a honra da pessoa jurídica: “Propalar fatos que, que sabe inverídicos, capazes de abalar o crédito de uma pessoa jurídica ou a confiança que esta merece do público. ” Segundo Cesar Roberto Bitencourt, “em tese, admitimos, por ora, a possibilidade de a pessoa jurídica figurar como sujeito passivo de crimes contra a ordem econômica e financeira, contra o meio ambiente e contra a economia popular. ”

 

2.2 A questão da falsidade na imputação

Além da imputação de fato determinado qualificado como crime e o dolo de caluniar (animus caluniandi), é indispensável o requisito objetivo da falsidade da imputação. Sendo falso, é necessário que o agente tenha conhecimento dessa falsidade. Caso o agente faça a afirmação de boa-fé, convencido de sua veracidade, ocorre o chamado erro de tipo, que afasta o dolo.

Também caracterizará o crime de calúnia quando da ocorrência de evento delituoso, ou seja, fato verdadeiro, entretanto o agente com a intenção de caluniar, atribui falsamente a autoria à vítima. Presume-se a falsidade da afirmação até prova em contrário.

Em conclusão, há duas hipóteses para a tipificação do crime de calúnia: o crime não existiu, ou, se existiu, a imputação da autoria é falsa.

         Nota-se, portanto, que não há viabilidade de conduta culposa.

 

2.3 Classificação e consumação

Sua classificação doutrinária é de crime comum (não exige nenhuma qualidade específica), formal (exige resultado), comissivo (praticado por um comportamento positivo do agente), instantâneo (consuma-se no momento que a ofensa é proferida ou divulgada), de conteúdo variado (também chamado de tipo misto cumulativo. Possui mais de um núcleo do tipo, sendo que a prática de apenas um deles é suficiente para a sua consumação e a prática de mais de um deles, no mesmo contexto, configura crime único), doloso (não viabiliza modalidade culposa, é necessário o dolo de caluniar) e unissubsistente (realizado com um único ato) se oral e plurissubsistente (prática exige mais de uma conduta para sua configuração) se escrito.

Quanto a consumação, ela se dá quando do conhecimento da imputação falsa por um terceiro. Ou seja, é necessário que haja publicidade, ou não haverá ofensa à honra objetiva. Só há de se falar em tentativa caso o crime seja praticado de modo escrito, o que o torna plurissubsistente, permitindo o fracionamento de condutas. Se via oral, não há possibilidade de tentativa, uma vez que não há espaço para fracionamento de condutas - não há possibilidade de interrupção do iter criminis.

 

2.4 A exceção da verdade – hipóteses

A exceção da verdade é a oportunidade do agente de provar que o fato ou a autoria criminosa que ele imputou à vítima é verdadeira, ou seja, afastar o crime, eliminando o requisito objetivo falsidade. Guilherme de Souza Nucci diz que: "Trata-se de um incidente processual, que é uma questão secundária refletida sobre o processo principal, merecendo solução antes da decisão da causa ser proferida. É uma forma de defesa indireta, através da qual o acusado de ter praticado calúnia pretende provar a veracidade do que alegou, demonstrando ser realmente autor de fato definido como crime o pretenso ofendido. Em regra, pode o réu ou querelado assim agir porque se trata de interesse público apurar quem é o verdadeiro autor do crime." A exceptio veritatis é admitida em qualquer hipótese, exceto nas vedadas nos incisos I, II e III, do § 3º do art. 138, CP.

 

2.5 Vedações à exceção da verdade

Na primeira hipótese de vedação não há possibilidade de arguição da exceção da verdade em crimes de ação penal privada se a sentença não tiver transitado em julgado. Ou seja, enquanto o estiver irresoluto o julgamento, em qualquer grau, não poderá ocorrer exceptio veritatis. A explicação de parte da doutrina é de que, sendo ação penal privada, não cabe a terceiro proclamar a existência do fato e produzir provar acerca daquele fato, e sim à vítima, que tem a faculdade de se abster. Há autores que discordam, e afirmam que as hipóteses de vedações à exceção da verdade retiram o direito ao contraditório e a ampla defesa do acusado. Rogerio Greco afirma que “ não seria lógico, razoável, condenar uma pessoa pela prática de    um delito que não cometeu simplesmente por presumi-lo      como ocorrido, em face da impossibilidade que tem de levar a efeito a prova de sua alegação. ”

A segunda hipótese – “se o fato é imputado a Presidente da República ou chefe de governo estrangeiro” – é fundamentada por razões políticas, diplomáticas e de proteção ao cargo. Estende-se o tratamento para chefes de governo estrangeiro como primeiro-ministro, presidente de conselho, presidente de governo etc. (CEZAR ROBERTO BITENCOURT, 2008).

Terceira hipótese: “se do crime imputado, embora de ação pública, o ofendido foi absolvido por sentença irrecorrível. ” É fundada no respeito a autoridade da coisa julgada, uma vez que a sentença penal transitada em julgado não pode ser revista em nenhuma hipótese.

 

3. A DIFAMAÇÃO

Art. 139 - Difamar alguém, imputando-lhe fato ofensivo à sua reputação:

Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa.

Exceção da verdade

Parágrafo único - A exceção da verdade somente se admite se o ofendido é funcionário público e a ofensa é relativa ao exercício de suas funções

 

Para a configuração do crime de difamação, é necessário que o agente atribua fato ofensivo a reputação de outrem. Em conclusão, o bem jurídico protegido é a honra objetiva. Uma vez que há a tutela da honra objetiva, o fato ofensivo imputado à vítima necessita obrigatoriamente do conhecimento de terceiros. Não é necessário que o fato seja inverídico, mentiroso, vista que a proteção se dá a reputação da vítima em seu meio social, porém o fato tem que ser revestido de definição, ou seja, não pode ser vago. Parcela da doutrina sustenta que não se justifica punir alguém porque repetiu o que todo mundo sabe e todo mundo diz, ou seja, fato de amplo domínio público (exceção de notoriedade).

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3.1 Sujeitos do delito

Qualquer pessoa pode ser sujeito ativo do crime de difamação (em conclusão, trata-se de um crime comum), inclusive o propalador da difamação, uma vez que realiza nova difamação, segundo a doutrina.

Qualquer pessoa também pode ser o sujeito passivo, inclusive os inimputáveis. Quanto à pessoa jurídica, há divergência na doutrina. Enquanto uns apontam que a pessoa jurídica pode ser sujeito passivo uma vez que a difamação pode vir a causar danos consideráveis em sua reputação, outros afirmam que não, uma vez que os crimes contra honra estão encontram-se no título dos "Crimes contra a pessoa", que têm como vítima apenas a pessoa física.

 

3.2 O elemento subjetivo

O elemento subjetivo do crime de difamação é o dolo específico, ou fim especial de agir, consistente na vontade de ofender, denegrir a reputação de outrem. Esse dolo pode ser direito ou eventual. É o chamado animus diffamandi, vontade livre e consciente de difamar. De acordo com a jurisprudência, assim como na calúnia, se a imputação é feita no calor de uma discussão, inexiste o crime de difamação.

 

3.3 Consumação e tentativa

Assim como na calúnia, considera-se consumado o crime de difamação quando do conhecimento de terceiro que não a vítima, dos fatos que ofendem a sua reputação. É um crime formal, portanto, consuma-se independentemente do dano à reputação do imputado. A tentativa também só é possível por meio escrito, uma vez que há pluralidade de condutas e há possibilidade de interrupção do iter criminis.

 

3.4 A exceção da verdade na difamação

A exceção da verdade somente se admite se o ofendido é funcionário público e a ofensa é relativa ao exercício de suas funções (art. 139, parágrafo único). Nesse caso, provando o ofensor a verdade da imputação, exclui-se a ilicitude da sua conduta (a tipicidade permanece, já que falsidade não integra o tipo). É de interesse da Administração Pública apurar possíveis faltas de seus funcionários quando no exercício das suas funções públicas.

 

4. A INJÚRIA

Art. 140 - Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro:

Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa.

§ 1º - O juiz pode deixar de aplicar a pena:

I - quando o ofendido, de forma reprovável, provocou diretamente a injúria;

II - no caso de retorsão imediata, que consista em outra injúria.

§ 2º - Se a injúria consiste em violência ou vias de fato, que, por sua natureza ou pelo meio empregado, se considerem aviltantes:

Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa, além da pena correspondente à violência.

§ 3º o Se a injúria consiste na utilização de elementos referentes a raça, cor, etnia, religião, origem ou a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência:

Pena - reclusão de um a três anos e multa.

 

O bem jurídico protegido no crime de injúria, diferentemente dos crimes anteriormente analisados, é a honra subjetiva, percepção pessoal do sujeito sobre si. Os atributos que podem ser atingidos são especificados no caput do artigo: “dignidade e decoro”. Correspondem aos atributos morais, físicos e intelectuais. A injúria sempre exprime desrespeito e desprezo suficientes para atingir a honra subjetiva. Esse tipo, por ser o mais brando e mais abrangente dos crimes contra a honra, deve ser atribuído à conduta quando da existência de incertezas relativas ao fato ou qualidade negativa atribuída à vítima.

Importante salientar que mesmo que a qualidade negativa atribuída se mostre verdadeira, caracteriza a injúria. Por ironia, embora seja o crime de sanções mais brandas, torna-se o crime contra a honra mais severamente punível quando se trata da qualificadora presente no § 3º, chamada de injúria preconceituosa.

 

4.1 Maneiras de injuriar

A doutrina distingue as maneiras de injuriar em: (i) imediata, emitida pelo próprio agente, (ii) mediata, quando utilizado outra maneira ou outrem inimputável para fazê-la, (iii) direta, quando se refere ao próprio indivíduo, (iv) indireta ou reflexa, quando ao ofender ao alguém, atinge-se também um terceiro, (v) explícita, ou seja, claramente e indubitavelmente detectável e (vi) equívoca, quando revestida de dúvidas. A injúria simples (caput) pode ser praticada de várias maneiras, inclusive através da omissão.

 

4.2 Dignidade e decoro – distinção

A dignidade é a ofensa sobre os atributos morais de alguém. Chamar uma pessoa de “safado”, “mentiroso” ou “vagabundo”, por exemplo, uma vez que são características contrárias ao que ela acredita possuir e abala a sua autoestima. O decoro, faz referência aos atributos físicos e intelectuais de alguém. Então seria, por exemplo, chamar um indivíduo de “gordo”, “burro” ou “feio”.

 

4.3 Sujeitos do delito

Qualquer pessoa física pode ser sujeito ativo do crime de injúria. Quanto ao sujeito passivo, qualquer pessoa física pode figurar esse polo, cabendo algumas observações. Os mortos e as pessoas jurídicas, uma vez que não possuem percepção sobre si próprios, não são capazes de ser sujeitos passivos. Os inimputáveis também podem ser vítimas do crime de injúria, desde que tenham consciência das palavras ofendidas.

 

4.4 Consumação e tentativa

A consumação ocorre quando do conhecimento da vítima da ofensa a ela proferida. Não é necessário que ela esteja presente no momento da ofensa, é plenamente possível que ela seja comunicada por terceiros. Faz-se possível a tentativa quando o meio para a execução do crime é passível de ser fracionado, como por exemplo, por carta ou através de desenhos, pichações de parede etc.

 

4.5 O perdão judicial na injúria

O perdão é um instituto que permite ao juiz a não aplicação da pena quando preenchidos os requisitos explicitados pela lei. No caso da injúria, esses requisitos se encontram no §2º do artigo 140, sendo eles: (i) quando o ofendido, de forma reprovável, provocou diretamente a injúria ou (ii) no caso de retorsão imediata, que consista em outra injúria. É necessário, em ambos os casos, que a injúria proferida guarde proporcionalidade com a provocação ou com a injúria originária. No segundo caso é também necessária que seja imediata, sem intervalo de tempo. Não se confunde com legitima defesa, uma vez que a agressão não é atual ou iminente, e sim consumada.

 

4.6 A injúria qualificada

A injúria qualificada pode ser a injúria real (art.140, §2º) ou a injúria preconceituosa (art.140, §3º).

Injúria real é a agressão ou vias de fato com o objetivo de humilhar, menosprezar, por isso a majoração da pena. A injúria real gera na vítima o sentimento de inferioridade e impotência. Além da responsabilidade pela injúria real, também deverá o agente responder pela prática do delito de lesão corporal (seja ela leve, grave ou gravíssima) que foi o resultado do meio utilizado para injuriar a vítima.

A injúria preconceituosa pune mais severamente aquele que se utiliza de elementos ligados à cor, raça, etnia etc para menosprezar, desrespeitar a vítima. No tópico seguinte veremos a distinção de injúria racial e o crime de racismo.

 

4.7 A injúria “racial” e o racismo – distinção

No crime de injúria “racial”, o agente utiliza-se de elementos relativos a raça ou etnia da vítima a fim de ofendê-la. No crime de racismo, há uma segregação, discriminação dessa vítima em virtude da sua raça ou etnia. Tomo como exemplo para elucidação o artigo 11 da Lei 7716/89 (Lei do crime racial): Impedir o acesso às entradas sociais em edifícios públicos ou residenciais e elevadores ou escada de acesso aos mesmos: Pena: reclusão de um a três anos.

 De acordo com Rogerio Greco: “Merece ser frisado, ainda, que, quando a Constituição Federal, no inciso XLII do art. 5º, assevera que a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei, não está se referindo à injúria preconceituosa, mas, sim, às infrações penais catalogadas pela referida Lei nº 7.716/89. ”

5. EXCLUSÃO DO CRIME NA INJÚRIA E NA DIFAMAÇÃO

Art. 142 - Não constituem injúria ou difamação punível:

I - a ofensa irrogada em juízo, na discussão da causa, pela parte ou por seu procurador;

II - a opinião desfavorável da crítica literária, artística ou científica, salvo quando inequívoca a intenção de injuriar ou difamar;

III - o conceito desfavorável emitido por funcionário público, em apreciação ou informação que preste no cumprimento de dever do ofício.

Parágrafo único - Nos casos dos ns. I e III, responde pela injúria ou pela difamação quem lhe dá publicidade.

 A doutrina diverge quanto a natureza jurídica das hipóteses enumeradas no artigo 142. Há quem defenda que se trata de causas de exclusão de pena, causa de exclusão de antijuridicidade e causa de exclusão de tipicidade. De qualquer forma, se faz necessária a conclusão de que as hipóteses elencadas no artigo 142 são causas especiais de exclusão de crime. Farei a seguir, uma análise de cada um.

Na primeira hipótese, para fins de exclusão de crime, faz-se necessário que a ofensa seja proferida em juízo e que se relacione com a causa em discussão. Ela se fundamenta na asseguração da ampla defesa e do entendimento que o entusiasmo gerado pela defesa de direito, pode vir, eventualmente, a trazer à tona ofensas entre as partes.

Na segunda hipótese, ressalva-se o direito à crítica de obras literária, artística ou científica, uma vez que elas estão naturalmente sujeitas a exames, análises ou avaliações críticas. Essa crítica é considerada inclusive como um risco profissional. Cesar Roberto Bitencourt defende que essa avaliação crítica, ademais, faz parte da liberdade de expressão.

Na terceira hipótese, trata-se do funcionário público no cumprimento de dever funcional, restringindo-se ao momento em que o funcionário tem o dever de relatar ou informar fatos ocorridos. Ou seja, limita-se ao objeto do relatório, da informação.  Esse inciso ampara-se no dever da precisão e exatidão da informação fornecida pelo agente público, não devendo ele restringir sua declaração a fim de não ofender a honra de outrem.

 

6. A RETRATAÇÃO NA CALÚNIA E DIFAMAÇÃO – REQUISITOS

Art. 143 - O querelado que, antes da sentença, se retrata cabalmente da calúnia ou da difamação, fica isento de pena.

Parágrafo único. Nos casos em que o querelado tenha praticado a calúnia ou a difamação utilizando-se de meios de comunicação, a retratação dar-se-á, se assim desejar o ofendido, pelos mesmos meios em que se praticou a ofensa.

 

Se antes da sentença, a calúnia e a difamação aceitam retratação. Interessa nesses crimes, pois, a retratação, a fim de que haja reparação dos prejuízos sofridos em detrimento do fato ofensivo imputado ao agente. Todavia, na injúria não se aceita a retratação, vez que os prejuízos morais pessoais não podem ser desfeitos. Segundo Nélson Hungria: “do ponto de vista objetivo, é força reconhecer que o dano, se não é de todo apagado, é grandemente reduzido. A retratação é muito mais útil ao ofendido do que a própria condenação penal do ofensor, pois esta, perante a opinião geral, não possui tanto valor quanto a confissão feita pelo agente, coram judice, de que mentiu. Andou bem, portanto, o nosso legislador de 40 quando, a exemplo, aliás, do que dispunha o art. 22 da anterior Lei de Imprensa (seguida, neste particular, pela atual), atribui à retratação o efeito elisivo da punibilidade”. A natureza jurídica da retratação é, portanto, causa de extinção de punibilidade.

É um ato unilateral que independe da aceitação do ofendido. A lei exige que a retração seja irrestrita e conste de forma inequívoca e expressa, porém não exige forma definida, exceto nos casos de crimes realizados através de meios de comunicação, em que a retratação se dará, caso seja da vontade do ofendido, pelo mesmo meio que fora realizada a ofensa. A retratação de um dos querelados não se estende aos demais.

7. A AÇÃO PENAL NOS CRIMES CONTRA A HONRA

Art. 145 - Nos crimes previstos neste Capítulo somente se procede mediante queixa, salvo quando, no caso do art. 140, § 2º, da violência resulta lesão corporal.

Parágrafo único. Procede-se mediante requisição do Ministro da Justiça, no caso do inciso I do caput do art. 141 deste Código, e mediante representação do ofendido, no caso do inciso II do mesmo artigo, bem como no caso do § 3º do art. 140 deste Código

Como regra geral, têm-se que a ação penal nos crimes contra a honra é de exclusiva iniciativa privada. Será, todavia, pública condicionada quando: i) praticada contra o Presidente da República ou contra chefe de governo estrangeiro (com requisição do ministro da justiça); ii) contra funcionário público, em razão de suas funções (com representação do ofendido); iii) quando na injúria real, da violência resultar lesão corporal leve (somente em relação a lesão corporal). E será pública incondicionada quando na injúria real, da violência resultar lesão corporal grave ou gravíssima (apenas no tocante a lesão corporal).

 

8. A INTERPELAÇÃO JUDICIAL OU PEDIDO DE EXPLICAÇÕES NOS CRIMES CONTRA A HONRA

Art. 144 - Se, de referências, alusões ou frases, se infere calúnia, difamação ou injúria, quem se julga ofendido pode pedir explicações em juízo. Aquele que se recusa a dá-las ou, a critério do juiz, não as dá satisfatórias, responde pela ofensa.

Quando alguém se julga ofendido ou possui dúvidas sobre manifestação de outrem, pode pedir explicações em juízo. Caso a explicação seja insatisfatória (a critério do juiz) ou não seja dada, responde o agente pela ofensa. Na prática, a ausência de explicações ou a explicação insatisfatória apenas autoriza o recebimento preambular da ação penal. A natureza jurídica é cautelar, destinada a compor uma futura ação penal.

 

REFERÊNCIAS

BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: Parte Especial, Dos crimes contra a pessoa. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. 466 p. v. 2.

CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: Parte Especial. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. v. 2.

GRECO, Rogerio. Curso de Direito Penal: Parte Especial. 14. ed. rev. atual. e aum. Niteroi, RJ: Impetus, 2017. v. 2.

CUNHA, Rogerio Sanches. Manual de Direito Penal: Parte Especial. 9. ed. rev. atual. e aum. Salvador: JusPODIVM, 2017.

Sobre a autora
Raissa Pereira Cunha

Advogada Criminalista. Professora de preparatório OAB em Direito Penal. Pós graduanda em Direito Penal Econômico.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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