Aplicabilidade da legislação consumerista na relação entre adquirente e loteadora

Exibindo página 1 de 3
01/04/2020 às 17:08
Leia nesta página:

Realizando um diálogo das fontes entre a Lei de Parcelamento do Solo (L 6.766/79) e o CDC, é certo que há uma forte proteção normativa do adquirente do lote urbano resultante do parcelamento da gleba.

Resumo: O presente trabalho aborda a aplicabilidade da legislação consumerista na relação adquirente e loteador, visto que o primeiro pode ser classificado como consumidor e o segundo como fornecedor, sendo lote urbano resultante do parcelamento da gleba o produto desta nítida relação de consumo. É discorrido ainda no presente trabalho os institutos protetivos definidos na própria lei de parcelamento do solo (Lei 6.766/79), os quais somados ao CDC garantem uma tutela eficaz na proteção do consumidor-adquirente, bem como garantem o desenvolvimento urbano em conformidade com os princípios constitucionais.

Palavras-chave: Loteamento; Código de Defesa do Consumidor; Proteção ao adquirente; Lei 6.766/79.

Sumário: 1. Evolução e aspectos preliminares do parcelamento do solo. 1.1. História do parcelamento do solo. 1.2. Evolução legislativa do parcelamento de solo. 1.2.1. Do Decreto Lei 58/1937. 1.2.3. Da Lei 6.766/1979. 1.3. Partes envolvidas no negócio jurídico imobiliário. 1.3.1. Do terrenista. 1.3.1. Do loteador. 1.3.1. Do adquirente. 1.3.1. Dos corretores imobiliários. 1.4. Natureza jurídica da atual legislação de parcelamento de solo. 2. Institutos protetivos da lei de parcelamento de solo. 2.1. Fiscalização do empreendimento imobiliário pelas autoridades públicas municipais. 2.2. Papel do Oficial de Registro imobiliário na fiscalização do empreendimento imobiliário. 2.2.1. Da qualificação subjetiva. 2.2.2. Do procedimento público de registro imobiliário de parcelamento: comunicação e edital. 2.3. Procedimento administrativo de não repasse de valores do adquirente ao loteador inadimplente. 2.4. Direito real a aquisição conferido ao contrato de compromisso de compra e venda. 2.5. Vedações ao loteador. 3. Da incidência do código de defesa do consumidor entre na relação adquirente e loteadora. 3.1. Da relação de consumo. 3.1.1. Do enquadramento do loteador na definição legal de fornecedor. 3.1.2. Do enquadramento do adquirente na definição legal de consumidor. 3.1.3. Do enquadramento do lote parcelado na definição legal de produto. 3.2. Da responsabilidade consumerista do loteador por defeito e vício no produto imobiliário. 3.2.1. Da prescrição e decadência. 3.2.2. Da responsabilidade do grupo econômico. 3.3. Da vedação a cláusulas abusivas nos compromissos de compra e venda. 3.4. Da vedação a práticas abusivas. 3.5. Da tutela coletiva em prol dos adquirentes consumidores. 3.5.1. Da possibilidade de ajuizamento de Ação civil pública pelo Ministério Público. Conclusão. Referências.


Introdução

A moradia urbana sempre foi um aspecto importante no cenário nacional, seja no aspecto de divisão da propriedade imobiliária, seja no aspecto de realização das benfeitorias necessárias nas habitações urbanas a fim de concretizar o princípio da dignidade da pessoa humana.

A normatização da ocupação das terras brasileiras iniciou-se com a lei de terras de 1850 (Lei 601/1850), passando pelo Decreto Lei 58/1973, até chegar na atual lei de parcelamento do solo urbano (Lei 6.766/79).

No início a normatividade buscava somente regular o direito de propriedade na divisão da gleba imobiliária, passado após a regular em 1979 requisitos mínimos que ficariam sobre a incumbência do loteador caso e este optasse em alienar sua propriedade de forma fracionada.

No primeiro capítulo deste trabalho é abordada a evolução histórica e legislativa do parcelamento do solo, e também são trabalhados os conceitos de terrenista, loteador e adquirente a fim de possibilitar uma melhor compreensão sobre o tema.

Já no segundo capítulo são abordados os institutos protetivos definidos pela própria e atual lei de parcelamento do solo, os quais por si só já garantem uma proteção mínima ao adquirente, pois conforme é exposto no capítulo em questão é de incumbência do Poder Público Municipal a fiscalização das obras e de atribuição do Oficial de Registro de Imóveis a função de realizar a conferência documental de forma a afastar eventual evicção que possa recair sobre produto do parcelamento da gleba.

Por fim, no terceiro e último capítulo é debatido a aplicabilidade de toda a norma consumerista na relação adquirente e loteador, bem como é trabalhado o poder/dever do Ministério Público em propor ações civis públicas a fim de garantir os direitos dos adquirentes, ainda que tais direitos tenham cunho patrimonial e disponível.


1. Evolução e aspectos preliminares do parcelamento do solo

1.1. História do parcelamento do solo

A noção de ocupar o solo remonta ao período mesolítico, há quinze mil anos atrás, com a dominação pelo homem, ainda que de forma precária, dos recursos da natureza. Ocupação esta que foi melhor qualificada no período neolítico, há cerca de três mil anos, com o iniciou de processo de plantio de sementes e com o domínio do cultivo de grãos bem como a criação e domesticação de animais (CASSILHA, 2019, p. 19).

Nesse período histórico em que o homem deixa de ser nômade e passa a ser sedentário, sua área de ocupação geralmente era perto de uma fonte de água, a fim de possibilitar seu próprio consumo e a fim de possibilitar o cultivo da agricultura e pecuária rudimentar (CASSILHA, 2019, p. 19).

Com esta mudança de nômade para sedentário, passa a surgir às primeiras ideias de aldeias, que com o passar dos anos foram evoluindo para reinos, impérios, até chegar ao conceito que temos hoje de cidade.

No Brasil, especificamente, a noção de parcelamento do solo e privatização da terra, segundo Osório Silva (2008) passou por três momentos: o domínio régio, o domínio público e o último sendo o domínio privado.

O domínio régio, tem como referência o período colonial, através do regime de sesmarias com os objetivos traçados pela Coroa Lusitana. Neste período que vai de 1530 a 1822 há uma forte presença da agricultura escravocrata, voltada especialmente a exploração.

No regime de sesmarias, era apenas cedido o usufruto da terra, permanecendo o domínio imobiliário nas mãos da Coroa, e caso as terras cedidas não fossem de fato usufruídas, estas deveriam ser devolvidas a Coroa, originando assim o termo terras devolutas (OSÓRIO, 2008, p. 44).

Nos meses vésperas da Independência do Brasil até o ano de 1850, o sistema de posse passa ser a única forma de apropriar do território brasileiro, uma vez quem nesse período em que a terra passa a ser de domínio público é extinto o antigo regime de sesmarias.

O domínio privado da terra é inaugurado em 1850 com a aprovação da Lei de Terras, época a qual o Brasil vivia a expansão da economia cafeeira.

Com a Lei de Terras ficou positivado que a única forma de apropriação de terras era a transação de compra e venda, e esta agora sem a intermediação da concessão do Estado.

Segundo MARX (1991, p. 111) é com a Lei da Terra de 1850 que surge a figura do loteador, o empreendedor imobiliário que divide a gleba e transaciona suas partes, passando assim a desenhar as cidade.

Assim sendo, verifica-se que a história do parcelamento do solo passou de um regime em que privilegiava o apossamento das terras, o qual espelhava mais uma situação de fato e passa a adotar o regime de direito, consistente na transação por meio da compra e venda sem a intervenção do Estado.

1.2. Evolução legislativa do parcelamento de solo

Ao analisar a evolução legislativa nacional sobre o parcelamento do solo, há três dispositivos legais que merecem destaque, sendo a Lei de Terras (601) de 1850, o Decreto Lei 58 de 1973, e a Lei 6.766 de 1979.

1.2.1. Da Lei de Terras de 1850

Como exposto anteriormente a Lei 601/1850, mais conhecida como Lei de Terras foi um marco no estabelecimento da propriedade imobiliária como bem de mercantilizável.

A Lei de Terras, ainda encontra-se em vigência, porém muitos dos seus dispositivos perderam aplicabilidade por serem incompatíveis com as legislações mais modernas e especificas que regulamentam matérias que nela eram previstas. Porém, a parte de regulamentação das terras devolutas ainda possui aplicabilidade nos dias atuais.

Outro aspecto de suma importância desta lei imperial foi estabelecer que a legitimação para regularização da propriedade passaria a ser do Estado, e não mais da Igreja como era antes.

A mercantilização da terra através da divisão da gleba em lotes, possibilitada Lei de Terras, gerou um começo de urbanização do Brasil, sendo somente no século XIX o país passaria a ter uma maior expressividade no aspecto organizacional (SANTOS, 1993, p.17).

Como a Lei de Terras era omissa nos aspectos urbanísticos, a municipalidade compelia o loteador daquela época em assegurar pelo menos o arruamento, alinhamento e nivelamento das vias como forma de organizar os novos lotes, gerando assim um tímido controle urbanístico (LEONELLI, 2010, p. 52).

Assim sendo, é certo que a Lei de Terras, somando ao controle da municipalidade, foi um grande marco inicial para a noção de regulamentação dos loteamentos atuais.

1.2.2. Do Decreto Lei 58/1937

O Decreto Lei 58/1937, teve como principal objetivo a proteção do adquirente, pois antes da sua vigência, a relação jurídica entre adquirente e loteador era inteiramente regida pelas disposições do código civil de 1916, o qual no seu art. 1.088. permitia o loteador arrepender-se do negócio jurídico, devolvendo o preço pago, até o momento da assinatura da escritura pública de transferências de domínio.

Assim como hoje, o lote era alienado a prazo, e após o integral pagamento, o lote geralmente havia valorizado, e como a resilição unilateral do contrato pelo loteador em razão da valorização imobiliária, havia uma insegurança jurídica muito grande, que foi extinta com o Decreto Lei 58/1937 que extingui a possibilidade de arrependimento da venda.

Com o Decreto Lei 58/1937 a figura do loteador somente poderia vender partes loteadas da gleba, caso o mesmo fosse proprietário desta.

Foi previsto ainda no Decreto Lei 58/1937 alguns procedimentos obrigatórios para a subdivisão da gleba em lotes, tais como: plano de loteamento, planta da gleba, responsabilidade técnica de profissional habilitado, definição da numeração e área dos lotes, dimensão dos espaços livres e das vias (LEONELLI, 2010, p. 82).

Um dos avanços mais significativos do Decreto Lei 58/1937 foi o seu art. 3º, o qual tornava inalienáveis os espaços livres e as vias de circulação especificadas no memorial e planta do loteamento assim que tais documentos fossem levados ao Registro de Imóveis para a inscrição do loteamento. Porém, tempos após a edição do DL, veio o Decreto Federal 3.079/38, que na regulamentação Decreto Lei 58/1937 possibilitava cancelamento da cláusula de inalienabilidade das áreas públicas (LEONELLI, 2010, p. 82).

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

Desta forma resta claro que a maior preocupação do Decreto Lei 58/1937 foi trazer segurança jurídica ao comprador, deixando de lado aspectos essências de urbanismo, seja pelo fato de não previsão legal, seja pelo fato de ausência de sanções legais para o descumprimento das normas urbanísticas ali previstas.

1.2.3. Da Lei 6.766/1979

A Lei de Parcelamento do Solo Urbano (Lei 6.766/97), é tida como um marco referencial para o ordenamento jurídico dos municípios brasileiros, pois esta legislação estabelece e define os parâmetro mínimos a serem adotados para loteamentos e desmembramentos (CASSILHA, 2012, p. 27)

A atual Lei de Parcelamento do Solo Urbano não só regulamenta os aspectos urbanísticos a serem seguidos pelos novos empreendimentos imobiliários, mas também prevê questões de direito ambiental, cível, registral, bem como disposições de direito penal ao criar tipos penais para a descumprimentos da lei, suprindo assim as lacunas existentes no Decreto Lei 58/1937, conforme será melhor estudado ao longo deste trabalho (CASSILHA, 2012, p. 130)

1.3. Partes envolvidas no negócio jurídico imobiliário

1.3.1. Do terrenista

O terrenista consiste na pessoa, natural ou jurídica, titular de domínio da propriedade imobiliária que seja objeto de subdivisão para a alienação dos lotes.

Existem situações de empreendimentos em que o terrenista e loteador são as mesmas pessoas, porém na maioria das vezes são pessoas diversas.

1.3.2. Do loteador

Na vigência do Decreto Lei 58/1937, antes do advento da atual Lei de Parcelamento do Solo, somente o titular de domínio (terrenista) poderia lotear e alienar a gleba. Porém, com o advento da Lei 6.766/79, o legislador atendendo os anseios e a dinâmica do mercado imobiliário, possibilitou a criação da figura do loteador sem domínio, o qual geralmente pactua um contrato de parceria com o terrenista, a fim de implementar a infraestrutura básica para alienação da gleba subdividida e repartirem os lucros.

1.3.3. Do adquirente

O adquirente no atual modelo jurídico é o consumidor final do produto imobiliário resultante na subdivisão da gleba.

É corretamente chamado de consumidor, uma vez que o código de defesa do consumidor dispõe que o bem imóvel pode ser caracterizado como produto em uma relação de consumo (SACAVONE JUNIOR, 2015, p. 150), relação esta que será melhor detalhada nos tópicos seguintes.

1.3.4. Dos corretores imobiliários

Os corretores de imóveis são os profissionais técnicos habilitados para promoverem a alienação dos lotes da gleba loteada.

A profissão em questão é devidamente regulamentada pela Lei 6.530/79, a qual estabelece certos requisitos para que o profissional possa intermediar a venda de imóveis.

Esse requisitos para habilitação profissional fazem que o profissional tenha a expertise necessária para realizar a intermediação imobiliária de forma que os dois polos da relação jurídica não sejam lesionados (CRECI-RJ, 2019).

1.4. Natureza jurídica da atual legislação de parcelamento de solo

A atual legislação geral de parcelamento do solo tem natureza jurídica de direito público, com força cogente, pois os bens jurídicos protegidos pela Lei 6.766/79 são: planejamento urbanístico, dignidade da pessoa humana, tutela do adquirente e tutela ambiental (KIKUNAGA, 2018).

O bem jurídico planejamento jurídico organizado esta presente de modo especial nos artigos 9º, §2º, inc. II; 11; 15 parágrafo único todos da Lei 6.766/79, que impõe ao loteador o respeito as exigências urbanísticas gerais, regionais e locais para a aprovação do projeto de loteamento (AMADEI, 2018, p. 157).

O bem jurídico dignidade da pessoa humana esta presente através de uma leitura sistêmica e teleológica da legislação, da qual se extrai a noção de que por meio da realização das benfeitorias na gleba o adquirente terá um local sadio para edificar e morar.

A tutela do adquirente esta prevista, de modo mais enfático nos artigos 18, §2º; 23, inc. III, 25 e 28 da Lei de Parcelamento do Solo, os quais protegem o adquirente desde o início do procedimento de registro de loteamento, até a entrega final do empreendimento.

A proteção do meio ambiente por sua vez esta presente na necessidade de loteador buscar as devidas licenças ambientais para começar a subdivisão da gleba (AMADEI, 2018, p. 162).

Assim sendo, em base de todos os bens jurídicos acima expostos, não há dúvidas que a Lei 6.766/79, possui força cogente, visto a tutela direitos coletivos.


2. Institutos protetivos da lei de parcelamento de solo

2.1. Fiscalização do empreendimento imobiliário pelas autoridades públicas municipais

Com o surgimento da Lei 6.766/79 combinado com o Estatuto das Cidades os munícipios tornaram-se agentes importantes no controle dos loteamentos, seja na fase inicial com a aprovação do projeto de subdivisão da gleba, seja na parte fiscalizatória na qual o ente tem a prerrogativa (pode/dever) de fazer as vezes do loteador.

Aprovação do projeto de loteamento junto ao munícipio se subdivide em duas fases, sendo a primeira fase estabelecimento de diretrizes ao loteador para este desenvolva o projeto de loteamento completo. Esta fase encontra-se prevista nos artigos 6º a 8º da Lei de Parcelamento do Solo (KIKUNAGA, 2018).

Nesta primeira fase o município irá definir quais são as diretrizes que o loteador deve tomar para o uso do solo, traçado dos lotes, sistema viário, espaços livre e a reserva de áreas para equipamentos urbanos e comunitários.

Segundo disposto no artigo 8º da Lei 6.766/79 esta fase pode ser dispensada nos municípios com menos de 50.000 (cinquenta mil) habitantes, desde que estas diretrizes inicias já estejam preestabelecias no plano diretor.

A segunda fase consiste na aprovação do projeto de loteamento propriamente dito, para isto deve o loteador interessado deve apresentar a Prefeitura Municipal o projeto contendo desenhos, memorial descritivo e cronograma de execução das obras, com duração máxima de 4 (quatro)anos, sendo certo que a legislação municipal poderá reduzir este prazo, bem como deverá o interessado apresentar certidão matrícula atualizada da gleba expedida pelo cartório de registro de imóveis competente e a certidão de inexistência de ônus sobre a mesma. Devendo ainda o proponente loteador apresentar certidão negativa de tributos municipais e do competente instrumento de garantia (AMADEI, 2018, p. 264/265).

No cronograma de execução de obras, devem estar contemplados, ao menos, os projetos das vias de circulação, demarcação das quadras e lotes e obras de esgotamento de águas pluviais, ou seja, aspectos de urbanização primária indispensáveis para o parcelamento do solo. Deve ainda tal cronograma ser estruturado em etapas a serem cumpridas mês a mês, facilitando assim a fiscalização pelo Poder Público (SOUTO, 2010, p. 210).

Em relação garantia, esta tem como escopo dar liquidez ao município na eventual inércia do loteador na realização das obras de infraestrutura do loteamento. Pois na inércia de regularização do loteamento pelo loteador o Município assume a regularização das obras, gerando o certo custo ao erário (SOUTO, 2010, p. 210).

Ante ao exposto, é certo que o município é peça chave na aprovação a fiscalização nos empreendimentos imobiliários.

2.2. Papel do Oficial de registro imobiliário na fiscalização do empreendimento imobiliário

O Oficial do Registro de Imóveis, delegatário da fé pública na forma do artigo 236 da Bíblia Politica de 1988, no processo de registro de loteamentos, tem o dever de realizar uma analise objetiva e subjetiva de todos os requisitos legais a fim de conferir uma maior proteção ao adquirente do lote.

2.2.1. Da qualificação subjetiva

Via de regra o Oficial de Registro não realiza a conferência subjetiva dos títulos que lhe são apresentados para registro e averbação, ou seja, ele somente analisa os aspectos formais e objetivos do título, não se atentando aos riscos que o negócio jurídico pode gerar as partes.

Esta função de análise e exposição de risco do negócio jurídico é, via de regra, atribuição dos notários. Os quais possuem o dever de orientar os celebrantes de escrituras públicas sobre eventuais riscos como evicção dentre outros.

Ocorre que, no registro de loteamentos o Oficial de Registro tem o dever de realizar uma qualificação subjetiva, analisando os riscos do empreendimento imobiliário para os futuros adquirentes.

Esta qualificação subjetiva esta evidente no artigo 18, §2º da Lei de Parcelamento do Solo, a qual confete uma maior liberdade ao Oficial de Registro ao não aceitar de antemão as certidões positivas do loteador que possam gerar ações que poderão prejudicar os futuros adquirentes (AMADEI, 2018, p. 322).

Nesta situação de certidão positiva de protesto, ações pessoais e penais contra o Loteador, caso o Oficial de Registro julgue insuficiente eventual explicação do Loteador que estas certidões positivas não prejudicarão futuros adquirentes, será aberto um processo de dúvida registral na qual o Juiz competente ira analisar se as justificativas do Loteador quanto a não prejudicialidade das certidões positivas (AMADEI, 2018, p. 324).

Assim sendo, através deste olhar técnico registral na analise subjetiva dos registradores, os futuros adquirentes podem contar com uma presunção relativa de que eventual lote adquirido não será alvo de evicção.

2.2.2. Do procedimento público de registro imobiliário de parcelamento: comunicação e edital

Realizado a etapa de qualificação de títulos e demais documentos legalmente exigidos, o Oficial de Registro promoverá a comunicação da pretensão registraria, bem como a publicação de editais, com a abertura de prazo para que eventuais interessados apresentem impugnação ao projeto de loteamento (AMADEI, 2018, p. 324).

A comunicação da qualificação positiva é feita para a Prefeitura Municipal na forma do art. 19, caput, da Lei 6.766/79.

Com esta comunicação, abre-se a possibilidade da Administração Pública Municipal impugnar o projeto de loteamento. Todavia, a municipalidade somente poderá impugnar aspectos de interesse público, fundados em lei. Não podendo impugnar aspectos urbanísticos do loteamento, pois fora a mesma que aprovara anteriormente o projeto de loteamento (AMADEI, 2018, p. 326).

Em relação aos editais de comunicação, estes obrigatoriamente deverão conter um pequeno desenho da localização do empreendimento imobiliários de modo que facilite a visualização e compreensão dos interessados, bem como, deverá ser publicado em jornal local por três dias consecutivos, com a menção de que a partir da última publicação abre-se o prazo de quinze dias para a apresentação de impugnações por interessados.

No caso de não apresentação de impugnações no prazo legal, deverá o Oficial de Registro efetuar o registro do loteamento, tomando as devidas providencias registrais para este fim.

Na hipótese de apresentação de impugnação, o Oficial intimará a Municipalidade e o Loteador para que se manifestem no prazo de cinco dias, e após a manifestação destes remeterá para o Juízo competente a fim de que este decida pela procedência ou improcedência da impugnação.

2.3. Procedimento administrativo de não repasse de valores do adquirente ao loteador inadimplente

A fim de conferir uma maior proteção ao adquirente e ao erário público o legislador disciplinou ao longo das disposições gerais da Lei 6.766/79, um procedimento a fim de que o adquirente suspenda os pagamentos das prestações ao loteador no caso de irregularidades ou clandestinidade do parcelamento.

O art. 38. da Lei de Parcelamento prevê que na hipótese de loteamento clandestino, isto é sem registro imobiliário e sem autorização do Poder Público, ou na hipótese de loteamento irregular, isto é em desconformidade da licença concedida pelo Poder Público, o adquirente tem a prerrogativa de suspender os pagamentos dos lotes comprados à prestação, devendo assim depositar tais valores junto ao registro de imóveis a fim de evitar os efeitos da mora (CARDOSO, 2015, p. 90/97).

Essa providência deve ser tomada pelo adquirente a fim de evitar que o loteador sem boa fé, desapareça com o capital adimplido sem realizar as benfeitorias necessárias para entrega do lote (CAOP MPPR, 2019).

Neste caso de consignação administrativa junto ao Registro de Imóveis, o Loteador somente poderá levantar a quantia depositada mediante prova de que as obras do parcelamento estão de acordo com o que fora determinado pelo Poder Público (CARDOSO, 2015, p. 90/97).

Ainda dentro deste procedimento, caso o Loteador não regularize o parcelamento, ficará no poder dever da municipalidade dar prosseguimento nas obras de infraestrutura (CAOP MPPR, 2019).

Para dar seguimento às obras do parcelamento a municipalidade poderá levantar os valores já depósitos, bem como passará a receber as prestações futuras. E, havendo ainda déficit nas contas, deverá acionar judicialmente o loteador a fim de que este indenize a municipalidade (CAOP MPPR, 2019).

Isto posto, resta claro que o legislador infraconstitucional foi feliz ao prever um meio de defesa ao adquirente para os casos em que o Loteador não der andamento nas obras.

2.4. Direito real a aquisição conferido ao contrato de compromisso de compra e venda

Considerando que desde o Decreto Lei 58/37 há uma preocupação especial com o adquirente, a atual Lei de Parcelamento de Solo não foi diferente ao tornar o compromisso de compra e venda irretratável, ou seja, após sua celebração, o Loteador não pode resilir o contrato unilateralmente, a fim de alienar o lote para um terceiro adquirente por um preço mais elevado, assim como ocorria antes da égide do Decreto Lei 58/37 (TARTUCE, 2019, p. 742/745).

A celebração do compromisso de compra e venda atribui ao adquirente direito adjudicação compulsória no caso de mora loteador, e caso o adquirente efetue o registro do mesmo junto à matrícula do lote, passa o adquirente ter direito real a aquisição do lote, direito oponível a terceiros, conforme estabelece o art. 25. da Lei 6.766/79 (CAVALCANTE, 2015).

Com o registro do compromisso de compra e venda na matrícula do lote, o loteador fica de fato impossibilitado de alienar o mesmo lote pela segunda vez. E caso assim faça, o primeiro adquirente que registrou seu contrato estará com a sua eventual propriedade imobiliária segura, cabendo o segundo adquirente procurar os meios judicias cíveis e penais cabíveis para eventual indenização e responsabilização criminal do loteador pelo delito de estelionato.

Ressalta-se ainda que muitos Códigos Tributários Municipais insistem em tributar a operação gerada pelo compromisso de compra e venda por meio do imposto de transmissão de bens imóveis (ITBI).

É certo que tal operação não tem incidência tributária de ITBI, assim como vem decidindo de forma reiterada o STJ, uma vez que o compromisso de compra e venda não gera a transferência de domínio imobiliário, logo não há que se falar em incidência de ITBI, neste sentido: AgRg no AREsp 813.620/BA, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 17/12/2015, DJe 05/02/2016; AgRg no Ag 448.245/DF, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 21/11/2002, DJ 09/12/2002; e REsp 1.066/RJ, Rel. Ministro GARCIA VIEIRA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 02/03/1994, DJ 28/03/1994.

Desta forma, é prudente ao adquirente o registro do compromisso de compra e venda na matrícula imobiliária, visto a série de garantais que o mesmo proporciona com sua publicidade cartorária registral.

2.5. Vedações ao loteador

Muito embora os loteadores tentem burlar as disposições da Lei 6.766/79, prevendo uma série de cláusulas leoninas aos adquirentes, é certo que a pactuação de adesão prevista nos compromissos de compra e venda não possuem força para afastar as normas protetivas de força cogente da Lei de Parcelamento do Solo.

Dentre as normas protetivas da Lei 6.766/79, destaca-se a impossibilidade de retomada do imóvel sem indenizar as benfeitorias, previsto no artigo 34.

A maioria dos contratos de compromisso de compra e venda, senão todos, disciplinam que as benfeitorias realizadas pelo adquirente no lote, não serão indenizadas na hipótese de retomada do lote em razão de mora do adquirente, disciplinando estes contratos que as benfeitorias, isto é geralmente edificações, ficam incorporadas ao lote.

Ocorre que eventual cláusula contratual neste sentido é nula de pleno direito e desprovida de eficácia jurídica, conforme disposto na parte final do art. 34. da Lei de Parcelamento.

A proteção de indenização das benfeitorias realizadas pelo adquirente não se extingue com o previsto na Lei 6.766/79, uma vez que o Código Civil em seu artigo 1.219 e seguintes confere a mesma proteção ao adquirente (FARIAS, 2015, p. 149), e de igual forma, mas como muito mais força cogente o Código de Defesa do Consumidor prevê no seu artigo 51, inc. XVI que são nulas de pleno direito cláusulas contratuais que possibilitem a renúncia de direitos por benfeitorias (BRAGA NETTO, 2019, p 468).

O Loteador somente estará dispensado de indenizar o adquirente, caso este tenha edificado (realizado as benfeitorias) em desconformidade com a lei ou com as diretrizes de edificação estabelecidas no contrato.

Em relação forma de indenização das benfeitorias, a legislação até o final do ano de 2018 era omissa, tendo a Lei 13.786/2018 acrescentado o parágrafo segundo no art. 34. da Lei de Parcelamento do Solo, tendo esta nova redação legal estabelecido que em caso de retomada do imóvel, o Loteador deverá promover no prazo de 60 (sessenta) dias da constituição em mora do adquirente, a alienação do imóvel, mediante leilão judicial o extrajudicial observando as disposições da Lei de Alienação Fiduciária (CAVALCANTE, 2019, p. 105).

Assim sendo, mostra-se evidente a preocupação legislativa de natureza consumeirista da Lei de Parcelamento do Solo, uma vez que esta desde a década de setenta protege o polo mais fraco da relação contratual, estabelecendo limites ao poder de contratação livre das partes.

Sobre o autor
Jader Gustavo

Bacharelando em Direito pela UNIVALE - Ivaiporã/PR<br>Estagiário no Ministério Público do Paraná<br>Aprovado no XIX Exame da Ordem dos Advogados do Brasil

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Leia seus artigos favoritos sem distrações, em qualquer lugar e como quiser

Assine o JusPlus e tenha recursos exclusivos

  • Baixe arquivos PDF: imprima ou leia depois
  • Navegue sem anúncios: concentre-se mais
  • Esteja na frente: descubra novas ferramentas
Economize 17%
Logo JusPlus
JusPlus
de R$
29,50
por

R$ 2,95

No primeiro mês

Cobrança mensal, cancele quando quiser
Assinar
Já é assinante? Faça login
Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Colabore
Publique seus artigos
Fique sempre informado! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos