De fato, o Direito não é um ideal (quando muito uma “ficção”), mas é sobretudo uma realidade substantiva, como realidade substantiva e prática que se emoldura em alicerces – e o primeiro alicerce é o piso histórico em que o próprio conceito se move e se modifica: até mesmo se remove. Desse modo, o Direito é parte inerente de uma “democracia substantiva” – no dizer de Mészáros (2013). Mas também diz-se que o Direito é inerente a qualquer forma de organização política (se aqui incorrêssemos na restrição que trata o Direito como lei), pois tanto o Direito pode ser legítimo e democrático, quanto fascista: a diferença aqui é a inobservância do Direito como equidade, mas simplificado como Estado de não-Direito (Canotilho, 1999), ou seja, neste caso, sob o fascismo, sem a prevalência da equidade, não há que se falar da observância do Direito.
A fim de melhor avaliar como isto se arrumaria, temos de partir de premissas: só há Direito como equidade e dignidade, uma vez que se entrelaçam liberdade e igualdade (isonomia). Com Mészáros (2013), podemos ver que precisamos de um direito à autonomia: emancipação. Ou o que também chamaremos de Direito à Consciência: o Direito à Consciência é “consciência do próprio Direito à Emancipação” e que decorre, por sua vez, de uma planta jurídica ramificada como descentralização do poder – além da divisão e do controle dos poderes (interno e externo). Em suma, como condição substantiva em que o Direito só pode ser autonomia (auto + nomos).
Assim, para que não se restrinja ao idealismo jurídico, temos que supor que não há Direito em discordância aos Princípios Gerais do Direito, bem como da realidade formativa do Poder Político e do Direito como expressão social: “Direito e justiça repousam na moral e na opinião, mas, porém, em primeira linha, nas instituições jurídicas e na sua ancoragem inabalável na consciência jurídica do povo” (p. 453).
Isto ainda nos ajudaria a entender porque aderimos tão alegremente ao fascismo e ao bolsonarismo, ou seja, porque a opinião pública se baseia em uma determinada moral que é muito ágil em abdicar da justiça, da equidade, da dignidade. Pois, sem saber o que é Direito, nem distinguir muito bem o certo do errado – no que o povo segue uma parcela grande do Judiciário nacional –, a todo momento teríamos de reafirmar noções de justiça e do que é o Direito (e do que não é) ainda nas primeiras séries escolares: Direito como consciência da emancipação e como exercício prático da autonomia (auto + nomos).
Afinal: “A mais importante teoria que se extrai do nacional-socialismo prediz: sem o estado jurídico, no qual cada pessoa tem igual prerrogativa de liberdade e respeito à sua dignidade e o qual repousa sobre as instituições da divisão de poderes, dos Direitos Civis e da democracia, tudo é possível – até os campos de extermínio” (Kriele, 2009, p. 452-453). A equidade pressupõe a isonomia, é a premissa maior da lógica jurídica da Justiça, e, com isto em mente, podemos entender a condição fundamental aqui assentada nos Direitos Civis, uma vez que, sem equidade não há liberdade, logo, nem todos são iguais perante o poder de extermínio da “lei do mais forte”. Exatamente a “lei do mais forte” que seleciona quem vai viver e quem deve morrer.
Por fim, percebe-se que o fascismo primeiro golpeia os Direitos Civis, pois aí estão interligadas a liberdade e a igualdade na cidadania, e os Direitos Políticos, porque é da consciência do “fazer-se política” que se vai ao Direito como emancipação. E é por isso que o fascismo tanto prospera no Brasil, enquanto cultura político-jurídica – porque, abdicando da equidade (liberdade e igualdade), não fabricamos enquanto construção social uma perspectiva massificada de aderência ao Direito (equidade e igualdade: isonomia) e, além disso, não conseguimos distinguir entre fascismo e democracia.
O que, na linha final da exclusão do Direito (da vida civil e das instituições de poder) e da cidadania, na ordem prática da vida comum do homem médio, equivale a nivelar toda forma de Estado e de Direito (agora reduzido à lei) à mais comum ou solene negação da dignidade humana. Porque todos os Estados são iguais, como “status”, formas e mais formas específicas de organização do poder político destinada à opressão. O povo brasileiro vive isso todo dia, sem dúvida alguma, mas esse problema não é do Direito e sim de sua negação. Hoje, como não se via nos últimos 30 anos de “Nova República”, somos fortemente atingidos pelo vigoroso bastão de poder a serviço do antidireito (Filho, 2002).
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Estado de Direito. Lisboa : Edição Gradiva, 1999.
FILHO, Roberto Lyra. O que é direito. 17ª edição, 7ª reimpressão. São Paulo : Brasiliense, 2002.
MÉSZÁROS, István. A Montanha que devemos conquistar: reflexões acerca do Estado. São Paulo : Boitempo, 2015.
KRIELE, Martin. Introdução à Teoria do Estado: os fundamentos históricos da legitimidade do Estado Constitucional Democrático. Porto Alegre: Fabris, 2009.
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Vinício Carrilho Martinez (OAB/108390)
Pós-Doutor em Ciência Política e em Direito
Coordenador do Curso de Licenciatura em Pedagogia, da UFSCar
Professor Associado II da Universidade Federal de São Carlos – UFSCar
Departamento de Educação- Ded/CECH
Programa de Pós-Graduação em Ciência, Tecnologia e Sociedade/PPGCTS/UFSCar
JANETE MARIA WARTA
OAB/RO 6223
RACHEL LOPES QUEIROS CHACUR
Advogada
Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Ciências Ambientais da UFSCar (PPGCAm/UFSCar)
TALITHA CAMARGO DA FONSECA
Jornalista e advogada com Pós-Graduação em Direito Público.
Conselheira Jurídica do Mandato da Deputada Estadual por São Paulo – Leci Brandão
Membro efetivo regional do Núcleo de Ações Emergenciais e Defesa dos Direitos Ameaçados da Comissão Permanente de Direitos Humanos da OAB – do Estado de São Paulo
VINÍCIUS ALVES SCHERCH
Advogado
Mestre em Ciências Jurídicas - UENP
Professor da Universidade Estadual do Norte do Paraná
Jacarezinho - PR