Sabemos que um Estado Democrático de Direito só se constrói com respeito ao princípio fundamental da dignidade da pessoa humana, previsto no art. 1º, III, da Constituição Federal de 1988.
Zelando pelo princípio mencionado, assim como pelos demais inscritos no dispositivo legal acima, certamente os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, solidificados no art. 3º da CF/1988, serão cumpridos a contendo.
O princípio da dignidade da pessoa humana é de extrema importância, na medida em que os direitos e garantias fundamentais previstos na Lei Maior, ali encontram o seu verdadeiro alicerce. Muitos dizem respeito ao Direito Penal e Direito Processual Penal, como, por exemplo, aqueles dispostos no art. 5º, II, III, X, XI, XXXIX, XL, XLVI, XLVII, XLVIII, XLIX, L, LIII, LIV, LV, LVI, LVII, LVIII, LXI, LXIII, LXV, LXVI, LXVII, LXVIII, LXXVII e LXXVIII.
Aliás, por serem relevantes, “as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata” (art. 5º, § 1º, da CF/1988).
Como o processo penal brasileiro serve como um meio para a obtenção da justa e correta aplicação do direito material penal, não há como aplicar as regras infraconstitucionais sem a observância das normas contidas na CF/1988.
Muitas vezes, na ânsia de punir e de cumprir a lei ao pé da letra, o juiz esquece que tem a função de zelar pelos direitos do acusado, o que vai além de proferir despachos, decisões, sentenças etc.
Por isso é que, na condução do processo, a aplicação da hermenêutica constitucional, fruto do movimento neoconstitucional, funciona como uma ferramenta garantidora da legitimidade de todos os atos praticados, pois é preciso extrair da Constituição Federal o real sentido da norma para que outros preceitos legais sejam aplicados de forma coerente e não abusiva.
A título de exemplo, o art. 283, caput, do CPP, dispõe que “ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva”.
Em resumo, o dispositivo mencionado prevê que não há possibilidade de haver prisão sem que esta seja em flagrante, provisória, ou decorrente de uma sentença condenatória transitada em julgado.
Apesar disso, até pouco tempo atrás, permitia-se a execução antecipada da pena. O requisito, então, quando a segregação não dizia respeito à prisão cautelar, não era mais o trânsito em julgado, mas apenas o esgotamento dos recursos no segundo grau de jurisdição.
Porém, ao julgar as Ações Declaratórias de Constitucionalidade n. 43, 44 e 54, em 7/11/2019, o Supremo Tribunal Federal decidiu que era inconstitucional tal prisão, reconhecendo a constitucionalidade do art. 283 do CPP, por conta da extensão do art. 5º, LVII, da CF/1988, que trata da presunção de inocência, conclusão atingida após uma interpretação da Lei Maior.
Tal conclusão foi obtida com o auxílio da hermenêutica, que "tem por objeto o estudo e a sistematização dos processos aplicáveis para determinar o sentido e o alcance das expressões do Direito" (Maximiliano, Carlos. Hermenêutica e aplicação do Direito, 9ª ed., Rio de Janeiro, Forense, 1979, p. 1).
Conforme se observa, o juiz não é mais um espectador e deve zelar pela regular atuação das partes no processo penal, para que este seja legítimo e efetivo, o que exige, necessariamente, que a norma ordinária seja interpretada com a observância dos direitos e deveres fundamentais previstos na Constituição Federal de 1988.