“[...] Como se percebe, claramente, como a luz solar, que o legislador brasileiro é tão omissão ao ponto de construir ou modificar uma lei cujo procedimento nela previsto já vem sendo praticado durante muito tempo pelos órgãos do Estado, vinculados à Segurança de Pública, Justiça, Direitos Humanos e Cidadania, tudo isso bem antes destes projetos de lei apresentados, mediante convênios celebrados especialmente entre as Polícias e Poder Judiciário, Ministério Público, Defensoria Pública e com outros órgãos de proteção, e nesse caso, quando se apresenta um projeto de lei tão serôdio, intempestivo, tão atrasado, e mais que isso, desconectado do mundo atual e às vezes cercado por um jogo de captação de mídia, de holofotes, ou finalidade meramente eleitoreira, deveriam os Congressistas se sentirem envergonhados com isso, e repensarem alguma medida que fosse verdadeiramente inovadora e protetora para a sociedade brasileira[...]”
RESUMO. O presente texto jurídico tem por finalidade precípua analisar a novíssima Lei nº 13.984 de 2020, que alterou o artigo 22 da Lei Maria da Penha para acrescentar duas novas medidas protetivas dos direitos das mulheres, agora para estabelecer como medidas protetivas de urgência a frequência do agressor a centro de educação e de reabilitação e acompanhamento psicossocial.
Palavras-chave. Lei nº 13.984/2020. Medidas protetivas. Educação. Reabilitação. Acompanhamento psicossocial.
A Lei Maria da Penha é considera modelo de como se deve atualizar as relações sociais, fruto de uma sociedade dinâmica, com constantes mudanças em seu conteúdo normativo na busca do aprimoramento e concretude da igualdade entre homens e mulheres, conforme decantado no artigo 5º, I, da Constituição da República de 1988.
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição.
A Lei nº 11.340, de 2006, atende aos preceitos constitucionais e tratados e convenções de direito internacional, criando mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8º do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher.
§ 8º O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações.
Seguindo a sua tendência de adaptar novos instrumentos de proteção, naquilo que se chama hoje de proibição do retrocesso social e proteção deficiente, entrou em vigor recentemente, a Lei nº 13.984, de 03 de abril de 2020, que altera o art. 22 da Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006 (Lei Maria da Penha), para estabelecer como medidas protetivas de urgência frequência do agressor a centro de educação e de reabilitação e acompanhamento psicossocial.
Destarte, o artigo 22 da Lei em comento passa a vigorar obrigando o agressor a frequentar centro de educação e de reabilitação e a ter acompanhamento psicossocial.
A novíssima lei nº 13.984, de 2020 entrou em vigor dia 03 de abril de 2020, publicada em edição especial do Diário Oficial da União, alterando o artigo 22 da Lei Maia da Penha, que passa a vigor com a seguinte redação:
Art. 22. Constatada a prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos desta Lei, o juiz poderá aplicar, de imediato, ao agressor, em conjunto ou separadamente, as seguintes medidas protetivas de urgência, entre outras:
VI – comparecimento do agressor a programas de recuperação e reeducação; e
VII – acompanhamento psicossocial do agressor, por meio de atendimento individual e/ou em grupo de apoio.
As novas medidas protetivas de urgência devem obedecer ao princípio da reserva jurisdicional, devendo ser aplicadas tão somente pela Autoridade judiciária competente no exercício de sua atividade jurisdicional e no devido processo legal.
Acerca das inovações legislativas, alguns comentários de ordem prática merecem destaques. Conforme se viu até aqui, as duas medidas protetivas introduzidas no artigo 22 da Lei Maria da Penha são o comparecimento do agressor a programas de recuperação e reeducação e acompanhamento psicossocial do agressor, por meio de atendimento individual e/ou em grupo de apoio.
Importante salientar, que existem inúmeras iniciativas de políticas públicas de recuperação e reeducação de agressões em setores de Secretarias de Justiça e Segurança Pública de alguns estados, com projetos sociais importantes nesse setor, às vezes, fruto de convênios firmados entre Polícia e Poder Judiciário, no campo da ressocialização que doravante passam a contar com a proteção legal em suas iniciativas.
Por outro lado, é relevante acrescentar também que algumas iniciativas de acompanhamento psicossocial do agressor, existiam em diversos projetos e programas sociais encampados pelas Secretarias de Segurança Pública, Direitos Humanos e Cidadania, por meio de atendimento individual e muitas das vezes levadas a efeito em grupo de apoio com frequentes reuniões com agressores e voluntários com resultados satisfatórios nesse aspecto.
Agora o papel do legislador foi tão somente acordar de seu sono profundo e colocar no texto legal, o que já vinha sendo praticado há muito tempo nos projetos sociais de polícia comunitária conjuntamente com o Poder Judiciário e outros órgãos por esse país afora.
E tudo fica mais difícil de entender quando se percebe que existiam vários projetos de lei desde 2015, com propostas de inserção dessas novas medidas protetivas, alguns projetos apensados e outros apresentados, inclusive o Projeto de lei nº 788, de 2015, tentava inserir no campo das medidas de tutela o acompanhamento psicossocial do agressor, por meio de atendimento individual e/ou em grupo de apoio, apresentando a seguinte justificativa:
“O assassinato de mulheres em decorrência da violência doméstica, familiar, sexual ou pelo simples fato de ser mulher continua envergonhando o Brasil. Entre 84 nações, o Brasil ocupa a sétima posição com uma taxa de 4,4 homicídios em 100 mil mulheres, atrás apenas de países como El Salvador, Colômbia e Rússia. De acordo com o Instituto Sangari, nos últimos 30 anos, perto de 91 mil mulheres foram assassinadas em território nacional. Mais de 43 mil apenas na última década. Espírito Santo e Alagoas lideram o ranking de homicídios femininos. O Congresso investigou o tema por mais de um ano em uma comissão de inquérito de senadores e deputados. O relatório final da CPMI da Violência contra a Mulher, concluído em agosto de 2013, fez um diagnóstico do problema em todo o Brasil e uma das principais conclusões é de que as políticas públicas de enfrentamento do problema ainda não dão conta de frear as agressões. Sugerida pela CPMI da Violência contra a Mulher, a Lei do Feminicídio, sancionada recentemente, incluiu o homicídio praticado contra a mulher por razão de gênero no rol dos homicídios qualificados e dos crimes hediondos com o propósito de conter, por meio de medidas mais duras, o avanço da violência contra o sexo feminino. Entre as iniciativas positivas também destaco a criação da Secretaria de Políticas para as Mulheres pelo Poder Executivo federal como um órgão de articulação e cobrança de medidas entre as diferentes esferas de governo e de poder, e o programa federal Casa da Mulher Brasileira, que deverá motivar a instalação de centros de atendimento multidisciplinar às vítimas de violência nas 27 capitais. A Lei Maria da Penha representa um grande avanço na prevenção e punição mais rigorosa dos agressores. Mas em razão dos aspectos psicológicos que envolvem a relação agressor/agredida, acredito ser possível aperfeiçoar essa legislação. Com o propósito de provocar mudança de comportamento no agressor e de evitar a reincidência de homens que cometeram violência doméstica, é que estou propondo, por meio deste projeto de lei, o acompanhamento psicossocial do agressor, por meio de atendimento individual e/ou em grupo de apoio. O auxílio poderá ser personalizado, pautado pela história de vida de cada um, com foco na ressocialização, e em grupos de apoio, para troca de experiências. Todas as atividades deverão ser realizadas por profissionais capacitados. A ideia é fazer com que os agressores reflitam, compreendam e assumam a responsabilidade sobre seus atos, evitando a reincidência. ”
Em 14 de junho de 2016, noutra tentativa, foi apresentado o Projeto de Lei nº 5.564, que visava inserir no artigo 22 da Lei Maria da Penha, o inciso VI, prevendo a medida protetiva de comparecimento obrigatório do agressor a programas de recuperação e reeducação.
O referido projeto apresentou justificava chamando a atenção para o grave problema da violência doméstica e familiar, in verbis:
“A Lei Maria da Penha representa um marco no combate à violência de gênero e tem contribuído para a redução dos crimes desta natureza. De acordo com o IPEA, no estudo Avaliando a Efetividade da Lei Maria da Penha, divulgado em 04 de março de 2015, a lei fez diminuir em cerca de 10% a projeção de aumento da taxa de homicídios domésticos desde que entrou em vigor, sendo, portanto, responsável por evitar milhares de casos de violência doméstica no país. As inovações legislativas posteriores, de caráter criminalizador, como a que passa a tratar o feminicídio como hediondo, demonstram que as instituições estão mais comprometidas com a efetividade da diminuição da violência contra a mulher. Entretanto, para modificar de vez o comportamento agressivo, ainda há muito por fazer, principalmente quando o assunto é conscientização. Sabe-se que não é incomum o retorno do agressor à convivência familiar após o episódio de violência; menos rara é a continuidade do comportamento violento mesmo após o término da relação abusiva. E essas são situações, na maioria das vezes, não estão relacionadas à falta de reação da mulher à violência, mas à incapacidade do agressor de identificar a importância de cada um dos atores na relação familiar ou de coabitação, e aceitar as mudanças sobre papel da mulher na sociedade atual. Apesar de ser o tipo mais generalizado de abuso dos direitos humanos no mundo, a violência doméstica ainda é a menos reconhecida, por se tratar de um elemento sociocultural histórico, ainda impregnado, de negação de direitos das mulheres. Neste sentido, entendemos que os centros e os programas de educação e de reabilitação para os agressores devem ser utilizados como instrumentos de Estado para disseminação de direitos. Para tanto, é preciso tornar obrigatória a frequência daquele que pratica violência doméstica a cursos e programas de educação e reabilitação, porquanto a informação e a educação ainda são os únicos elementos da pena efetivos para mudar essa cultura, e não devem ser dissociados das medidas repressivas. Os índices de reincidência são aprova de que a mera faculdade de imposição dessa obrigação pelo Juiz não tem sido suficiente para eliminar de vez essa prática nefasta. A conscientização e responsabilização devem ser associadas, pois só assim o círculo vicioso da violência contra a mulher pode ser rompido. Trata-se de proposta plenamente coerente com os princípios que permeiam a Lei Maria da Penha, a Lei de Execução Penal e a Constituição Federal, razão pela qual, pedimos o apoio dos nobres pares para a aprovação do Presente Projeto de Lei. ”
Como se percebe, claramente, como a luz solar que o legislador brasileiro é tão omissão ao ponto de construir ou modificar uma lei cujo procedimento nela previsto já vem sendo praticado durante muito tempo pelos órgãos do Estado, vinculados à Segurança de Pública, Justiça, Direitos Humanos e Cidadania, tudo isso bem antes destes projetos de lei apresentados, mediante convênios celebrados especialmente entre as Polícias e Poder Judiciário, Ministério Público, Defensoria Pública e com outros órgãos de proteção, e nesse caso, quando se apresenta um projeto de lei tão serôdio, intempestivo, tão atrasado, e mais que isso, desconectado do mundo atual e às vezes cercado por um jogo de captação de mídia, de holofotes, ou finalidade meramente eleitoreira, deveriam os Congressistas se sentirem envergonhados com isso, e repensarem alguma medida que fosse verdadeiramente inovadora e protetora para a sociedade brasileira.
Diante de tudo isso, ao menos tem-se a certeza que ainda existem alguns agentes públicos preocupados com a promoção e construção da cultura da paz, união das famílias, restauração de vidas, e mesmo diante da ausência de leis positivas, e, portanto, do vazio normativo, estes servidores ainda pensam e articulam ações, métodos, estratégias, desenvolvem habilidades, almejando uma sociedade melhor para ser viver, e reinventam alternativas para melhorar a qualidade de vida das pessoas.