Prazo para requerer a restituição de bens na falência

07/04/2020 às 16:22

Resumo:


  • A Lei 11.101/05 trata do "pedido de restituição de bens" por parte do reivindicante, sem estabelecer um prazo específico para tal ação.

  • A ausência de prazo para o terceiro proprietário formular sua pretensão pode desestabilizar o processo de falência, impactando a celeridade e segurança jurídica.

  • A fixação de um prazo para o pedido de restituição de bens seria importante para garantir a previsibilidade e estabilidade no processo falimentar, evitando surpresas e atrasos.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

A Lei 11.101/05 não estabelece prazo para que o terceiro requeira a restituição de bens. o artigo trata desta questão.

A Lei 11.101/05, que trata da recuperação empresarial e falência, dispõe, a contar do art. 85, do “pedido de restituição de bens”, por parte do reivindicante [que se utiliza de tal instrumento jurídico a fim de requerer a devolução de bens arrecadados no processo falimentar e cuja propriedade ao falido não pertence[1]]. Aqui não há lugar para descer a minúcias acerca do pedido restituitório [ou seja, os fundamentos do pedido, elencados no art. 85, bem como procedimento específico, sentença e recurso], mas há espaço para escrever algumas linhas sobre palpitante tema.

Observa-se que lei de 2005 nada dispõe a respeito do prazo para que o terceiro proprietário do bem formule sua pretensão perante o juízo falimentar. A não fixação do prazo, no mínimo, poderá até mesmo desestabilizar o andamento do processo de falência, tal como se observa da argumentação a seguir expendida.

Analisando a legislação falimentar especialmente a contar do início do século passado, constata-se que a Lei 859, de 16/08/1902, dispunha em seu artigo 76 quais são aqueles considerados como “credores reivindicantes”, mas passa ao largo do procedimento do pedido de restituição de bens. A Lei 2024, de 17/12/1908, em seu Título IX, estabelece, do art. 138 até o 143, o procedimento sobre o pedido de restituição. E mais especificamente o art. 142 é no sentido de que depois de vendidos os bens da massa, não se admitirá mais qualquer reclamação reivindicatória. A seu turno, o Decreto 5746, de 09/12/1929, copia integralmente o Título IX da lei anterior, dispondo o mesmo conteúdo do art. 142. O Decreto-Lei 7.661/45 [ainda em vigor] apresenta o procedimento a partir do art. 76. Entrementes, ao contrário da lei de 1929, não apresenta o mesmo conteúdo do já citado art. 142. Por fim, a Lei 11.101/05 deixou de repetir tal dispositivo e muito menos contém qualquer enunciado que esclareça qual seria o prazo para ajuizamento do pedido de restituição.

Com efeito, a hodierna doutrina nacional, salvo engano, não trata do aspecto relativo ao “prazo para requerer a restituição de bens”, de modo que o presente texto, quer-se crer, é pertinente, a fim de lançar alguma luz no debate sobre importante instituto falimentar.

De início, o juiz, ao retirar o devedor do mercado, via sentença de abertura da falência, deverá cumprir rigorosamente as disposições contidas no art. 99, da Lei 11.101/05. Dentre elas está a especificação do prazo para que os credores apresentem suas declarações de crédito [art. 99, IV], remetendo ao art. 7º, que trata [equivocadamente] do procedimento. Nota-se, então, que o art. 99 não contém qualquer disposição acerca do prazo para que os reivindicantes ajuízem o pedido de restituição. Ainda, observe-se que há o dever legal de publicar o edital da falência [art. 99, parágrafo único], dele devendo constar a íntegra da decisão e a lista de credores, relacionados pelo devedor [art. 99, III]. Ora, a figura do credor, juridicamente, não se confunde com a do reivindicante.

A lei não utiliza o termo “reivindicante”. Faz constar, de forma equivocada, “credor”. Rigorosamente, o devedor falido não teria a obrigação de esclarecer quem são os eventuais reivindicantes de bens na falência, aqueles que se poderiam valer do instituto jurídico do pedido de restituição. Esta, talvez, seja apenas mais uma das tantas falhas contidas na atual lei. Nada estabelece acerca dos aspectos relacionados ao termo final para ajuizamento do pedido, por terceiros. Mas, o art. 110, §2º, inc. IV determina que administrador judicial liste no auto de arrecadação os bens de propriedade de terceiros ou reclamados por estes, mencionando-se essa circunstância.

Arrecadados formalmente os bens, independentemente da propriedade, estarão no acervo da massa falida, que detém a posse direta, competindo ao terceiro deduzir sua pretensão reivindicatória perante o juízo falimentar, caso queira. Portanto, ao elaborar o auto de arrecadação o administrador judicial já poderá ter ideia de quais bens pertencem a terceiros e provavelmente serão objeto de pedido de restituição. Ora, se há prazo legal para que os credores apresentem suas declarações perante o administrador judicial, como sói ocorrer, não menos certo seria estabelecer prazo para que eventuais pedidos de restituição de bens fossem ajuizados. Isso, no mínimo, apresentaria um panorama financeiro-econômico da falência e desde logo o próprio administrador judicial teria visão mais abrangente acerca do endividamento global do devedor falido (incluídos os créditos extraconcursais, fiscais e os devidos ao terceiros reivindicantes).

Sobreleva o fato de que o cumprimento dos prazos legais certamente acarreta a tão almejada segurança jurídica, impondo estabilidade e previsibilidade ao processo falimentar. Ao administrador judicial cabe a elaboração do quadro geral de credores, sendo que não há, teoricamente, a necessidade de nela incluir quem são os reivindicantes e valores devidos, bastando ler o teor do art. 18 da lei em foco (o texto se refere a credor, apenas).

 Malgrado tais assertos,  na linha do raciocínio que até aqui se vem desenvolvendo, entende-se  que o quadro geral de credores deve, efetivamente, espelhar a situação dos credores da falência, dos credores da massa falida e dos terceiros reivindicantes (além de todos os créditos fiscais)[2].

Nessa esteira, até mesmo para fins de venda judicial de ativos (note-se que a coisa reclamada em restituição poderá não existir ao tempo da decisão judicial no incidente, cabendo ao reivindicante, caso produza prova contundente, receber o respectivo preço[3]), o administrador judicial carece(ria) ter a exata noção de qual o valor total da dívida falimentar (credores da falida, da massa falida, créditos fiscais e terceiros reivindicantes).

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 Assim, em resumo, entende-se, salvo melhor posicionamento, que caberia, por lei, a fixação de prazo para que o reivindicante pudesse apresentar em juízo o pedido de restituição, observando-se o princípio da segurança jurídica, porquanto o processo de falência não pode aguardar infinitamente o manejo de tal incidente (princípio da celeridade processual).

Sem embargo do exposto, estabelece a lei que a fase da realização do ativo se inicia logo após a arrecadação dos bens. Significa isso dizer que o processo de falência não permanece em compasso de espera; não aguarda iniciativa do reivindicante ou de credores. Vendidos judicialmente os bens arrecadados (sentido amplo do asserto, sendo de somenos importância se de propriedade do falido ou de terceiros[4]), caberá ao administrador judicial efetuar o pagamento dos créditos preferenciais (arts. 84 e 150), os previstos no art. 151 e depois os devidos aos terceiros reivindicantes (arts. 85 e 88[5]) e finalmente os credores da falência (art. 83).

Ora, quer-se crer, s.m.j., que o prazo para formular pedido de restituição poderia/deveria ser até a conclusão do auto de arrecadação (art. 108) e protocolo em juízo. Por fim, não obstante a ausência do art. 130 do ab-rogado texto de 1945 na Lei 11.101/05, entende-se que plenamente possível ao reivindicante formular pedido de reserva do valor que estimar devido e objeto de seu incidente.

O processo falimentar, dado o interesse público prevalente, não pode sofrer surpresas durante o seu curso, especialmente na fase de pagamento, com ajuizamento extemporâneo de pedido de restituição. 


Notas

[1] Portanto, o reivindicante de bens não se enquadra juridicamente na figura de “credor” da falida ou da massa falida, recebendo tratamento diferenciado para reaver aquilo que em tese lhe é devido.

[2] Aqui também não há lugar para escrever acerca de quem, de fato, é o primeiro a receber seus créditos no processo de falência.

[3] Súmula 495 do STF e art. 86 da referida lei.

[4] Bem esclarece Carlos Henrique Abrão: Ademais, em razão da natureza da medida, destituído se encontra o síndico, no momento da arrecadação, de poder para perquirir a origem dos bens que estejam com o falido. Permitir conduta diversa seria dar azo às delongas e, por corolário, sujeitar-se a eventual evasão de bens. Pedido de restituição na concordata e na falência. São Paulo: Livraria e editora universitária de direito, 1991, p. 104.

[5] Observe-se o art. 86, parágrafo único.

Sobre o autor
Carlos Roberto Claro

Advogado em Direito Empresarial desde 1987; Ex-Membro Relator da Comissão de Estudos sobre Recuperação Judicial e Falência da OAB Paraná; Mestre em Direito; Pós-Graduado em Direito Empresarial; Professor em Pós-Graduação; Parecerista; Pesquisador; Autor de onze obras jurídicas sobre insolvência empresarial.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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